Хелпикс

Главная

Контакты

Случайная статья





—Eu já lhe disse. Sim! 3 страница



— Só se eu estiver muito longe daqui, mas nesse caso telefono. — Seu tom era enigmá tico. — O que é que você vai fazer durante o dia inteiro?

— Nã o tenho certeza. — Tentou mostrar-se alegre. — O que uma pessoa faz normalmente no campo, alé m de jardinagem?

Ele deu de ombros.

— Parece que é um fato que nunca a incomodou. Você terá a companhia de Shan quando a sra. Cooper for embora, e també m ficará com o carro. Você uma vez falou em alugar um cavalo da­quela fazenda ao lado da estrada. Fiquei um tanto surpreendido. Até entã o eu nã o sabia que você montava.

— E nã o monto. Pelo menos, nã o monto muito bem. Algumas vezes saí a cavalo com uma das moç as do escritó rio. O pai dela tem uma pequena propriedade em Kent, e passei algumas semanas por lá. — Ela levou a idé ia em consideraç ã o. — E algo para se pensar, contanto que eles tenham um animal manso para alugar. É um ó timo exercí cio. — Dessa vez ela obrigou-se a encará -lo de frente. — Você sabe montar?

— Nem sequer tentei. Um carro bem veloz faz mais o meu gê ­nero. — Um sorriso aflorou-lhe aos lá bios. — Você por acaso está pensando em querer me convencer a montar com você?

— Nã o — respondeu irrefletidamente. — Você talvez seja velho demais para começ ar a aprender. — Enrubesceu, enquanto as so­brancelhas dele arqueavam. — Quero dizer, aprender do começ o. Nã o consigo imaginar você tomando aulas do que quer que seja.

— Nã o consegue? — Estudou-a durante um bom momento. — Bem, talvez você tenha razã o. Aos trinta e cinco anos um homem nã o deveria ter necessidade de se encontrar nesta posiç ã o. Tem certeza de que ficará bem sozinha?

— Até certo ponto. Pelo menos ainda me lembro como se anda a cavalo.

— Você també m se lembrará como se dirige um carro, quando estiver na direç ã o. Isto é, seus instintos se lembrarã o. Tente ama­nhã, na estrada.

— Imagine se eu cair na valeta.

— Entã o será necessá rio tirar o carro de lá. Ou prefere esperar que eu volte para casa e dê uma mã o?

Naquele momento exato Jú lia sentiu que ela, de modo algum deveria tentar pô r à prova suas habilidades como motorista, masdizer uma coisa dessas teria sido uma mostra de ingratidã o. Se Ross dissera que ela sabia guiar, nã o havia a menor razã o para duvidar de sua palavra. Uma coisa era certa: nã o poderia saber se era ou nã o boa na direç ã o enquanto nã o tivesse a coragem de sen­tar-se em um carro e tentar.

— Esperarei — disse finalmente. — Eu me sentirei mais segura sabendo que você estará aqui pronto para guiar, caso fique provado que você se enganou.

— Muito bem. Tentarei voltar o mais cedo possí vel. — Ele a observou servir mais café para ambos e acrescentou, bem à vonta­de: — Por que nã o deixa o Shan entrar em casa? Ele está arra­nhando e porta de trá s há uns dez minutos.

— Você nã o se incomoda?

— Faz tempo que deixei de me preocupar. Eu o deixei ficar dentro de casa enquanto você estava no hospital, apesar de ainda achar que fica melhor lá fora. Agora ele conseguiu embrulhar nó s dois. Coloque-o para dentro antes que tire toda a pintura da porta.

O cachorro estava esperando no momento em que ela abriu a porta, com a cauda balanç ando. Ao passar, encostou o focinho em sua mã o, dirigiu-se até o hall e lá ficou à sua espera, nã o ousando entrar na sala de estar. Dirigiu toda sua atenç ã o para Ross, até que uma ordem ené rgica o fez encaminhar-se a um lugar perto da lareira, que ele, obviamente, já havia escolhido anteriormente.

— Você está estragado — observou o dono, encarando-o com ar de resignaç ã o, e recebeu em resposta um abano da cauda malhada.

— Ele sabe que você nã o está falando a sé rio. — Jú lia sorria, ao notar como o cã o demonstrava o quanto estava gostando do calor. Abaixou-se e passou a mã o pela cabeç a do animal, coç ando-lhe a ore­lha. No mesmo instante Shan encostou a cabeç a nela. — É uma ma­ravilha como eles sã o sensí veis à mudanç a da temperatura.

— E aparentemente se adaptam muito bem. — Ross a contem­plava, com um sorriso fugaz. — Seu café vai esfriar.

Jú lia recostou-se bruscamente na poltrona, e o sorriso desapa­receu. Ela tinha sido natural com o cachorro de um modo que nã o conseguia ser com Ross, e ele tinha notado isso. Era difí cil prever o dia em que seria capaz de sentir-se à vontade com o homem sentado à sua frente. As circunstâ ncias nã o o permitiam, pelo me­nos atualmente. Nã o deveria ter regressado, pensou. Nã o deveriater ido para aquela casa. Deveria haver outro modo de resolver as coisas.

— Nã o vai dar certo — ela disse tensa. — Você percebe isso tã o bem quanto eu. Eu nã o consigo me obrigar a sentir o que quer que seja.

— Nã o estou lhe pedindo que o faç a. Tudo o que solicito é que você faç a algum esforç o e ceda um pouco. — Ele falava em tom calmo, mas com uma ponta de tensã o. — Você tem alguma idé ia do que representa você se esconder atrá s de uma cortina de ferro cada vez que lhe ocorrer que estamos sozinhos aqui? Nã o vou fingir que o lado fí sico de nosso relacionamento nã o signifique muito para mim. Seria um marido muito esquisito se agisse dessa forma. Mas existe muita coisa entre nó s dois alé m disso, e o que eu quero de volta é a totalidade, nã o apenas parte dela. Certo?

Ela contemplou suas mã os, que apertava tensa mente.

— Está bem. Mais café?

— Por que nã o? — Estendeu-lhe a xí cara e disse sem maior emoç ã o: — Você parece estar cansada. Por que nã o vai se deitar mais cedo? Sabe, você nã o pode romper de uma hora para outra com a rotina do hospital.

— É o que eu estou começ ando a perceber. — Levantou-se a fim de retirar a bandeja. — Primeiro vou levar isto lá para dentro.

— Eu o farei assim que acabar. Ainda tenho de ver uns docu­mentos e escrever uma carta antes de ir me deitar. Vejo você ama­nhã de manhã.

— Sim. — Dirigiu-se sem a menor pressa em direç ã o à arcada que dava para o hall e, ao chegar lá, parou e olhou para o homem e o cã o, ainda encolhido perto das chamas. — Boa noite.

— Boa noite — respondeu ele, sem levantar a cabeç a.

 

CAPÍ TULO III

 

 

Passaram-se algumas semanas antes que Jú lia ad­quirisse bastante confianç a em si mesma para tentar guiar o carro sem que Ross estivesse a seu lado, pronto a tirá -la de qualquer dificuldade. Uma quinzena durante a qual achou tempo suficiente para explorar o campo ao redor da propriedade, Era estranho e quase assustador seguir por um atalho ou um ca­minho inteiramente novos para ela e dar-se conta subitamente de que já teria feito tudo aquilo antes com pequenas diferenç as. Agora era o outono, antes tinha sido o verã o. Entã o nã o precisava andar com um casaco nos ombros, como agora, a fim de enfrentar o frio cortante.

Ela visitou a aldeia somente uma vez, percebendo a curiosidade estampada no rosto das pessoas por quem passava na rua e ouvindo os murmú rios a seu respeito quando saí a da loja. Ela sabia que a sra. Cooper era a fonte de informaç õ es, mas no entanto nã o con­seguia julgar aquela criaturinha com muita severidade, dificilmen­te era de esperar que ela conseguisse guardar tantas notí cias só para si mesma. Tentou nã o se importar com a idé ia de que discu­tiam e faziam especulaç õ es a seu respeito. Com o tempo eles en­contrariam algo mais a que dedicar a atenç ã o. Naquele momento, entretanto, fez questã o de certificar-se de que suas ordens relativas à entrega das compras fossem suficientemente entendidas para suprir todas as necessidades da casa.

Os dias começ avam a seguir gradualmente uma determinada rotina. Na parte da manhã, vagava pelos campos com Shan ao lado, voltava à casa para o almoç o e passava a tarde no jardim, quando o tempo o permitia. Lia també m um bocado, renovando seu conhe­cimento dos clá ssicos e explorando com atenç ã o os vá rios outroscampos da literatura, que enchiam as estantes dispostas em torno da lareira. O gosto de seu marido no que dizia respeito à leitura era amplo e variado, como verificou.

Era uma vida tranquila e fá cil, mas també m muito solitá ria. Chegou inevitavelmente um tempo em que ela se pô s a aguardar ansiosamente a noite e a volta de Ross, e ficava feliz ao ouvir o barulho do carro, a porta que batia e os passos decididos nos de­graus. Havia até mesmo ocasiõ es em que quase conseguia esquecer as circunstâ ncias de seu relacionamento, em meio à necessidade crescente do estí mulo de sua companhia. Quase, mas nã o comple-tamente. Ele, sob vá rios aspectos, ainda era um estranho para ela.

Estava no jardim, na tarde da segunda sexta-feira, quando ou­viu um carro se aproximar. Uma olhada no reló gio convenceu-a de que era pouco prová vel tratar-se de Ross, que normalmente voltava à s seis. De qualquer modo, o barulho do motor era diferente.

Com o coraç ã o palpitando, ouviu o barulho, esperando que a pessoa tivesse se enganado de direç ã o e que corrigisse seu erro. Ainda nã o se sentia pronta para receber visitas. Sobretudo sem Ross a seu lado para lhe dar apoio. Supunha que ele tivesse pre­venido todas as pessoas conhecidas de ambos, esperando que tives­sem a sensibilidade de nã o se aproximar da casa até que ela se preparasse para enfrentá -los. Talvez se tratasse de algué m a quem ele nã o tinha avisado, e nesse caso cabia a ela dar as explicaç õ es. E como começ ar?, indagou-se, com uma ponta de desespero enquan­to o carro parava diante da porta. O que iria dizer?

O som estridente da campainha da entrada assustou-a, a des­peito de estar preparada para ouvi-lo. Permaneceu onde estava, pondo a mã o no focinho de Shan, enquanto o cã o se preparava para latir. Se ela permanecesse em silê ncio e nã o se mostrasse, a pessoa ou as pessoas poderiam pensar que a casa estivesse vazia e iriam embora.

Seguiu-se uma pausa prolongada apó s o segundo toque da cam­painha. Jú lia imaginou todas as aç õ es possí veis da parte de quem chegava: um passo atrá s, a fim de olhar as janelas e talvez a cha­miné, uma olhadela rá pida na sala de estar para ver se havia fogo crepitando, sinal seguro de gente na casa, uma sobrancelha que se arqueava pensativa. Ouviu sem a menor possibilidade de engano o barulho da porta que rangia ao se abrir, o trinco que se fechava e o som de passos na escada e que avanç avam em sua direç ã o. Nã oadiantava mais. Tinha sido descoberta. Agora nã o podia se escon­der mais em nenhum lugar,

O homem que surgiu em um canto do chalé era jovem e vestia-se à vontade, seus cabelos pareciam ter sido desmanchados por um vento forte. Ele parou assim que a viu, primeiro pareceu ficar sur­preso, em seguida inseguro e depois um pouco apreensivo, no mo­mento em que Shan desprendeu-se de seu braç o e avanç ou em direç ã o ao recé m-chegado, latindo ruidosamente.

— Acalme-se, meu velho. Nã o fique bravo! Sou um amigo, nã o um adversá rio! — Com um olho no cachorro, sorriu para Jú lia. — Alô finalmente. Meu nome é David.

Ela o encarou, ainda segurando na mã o a pá de jardineiro com que pretendia se defender. Nã o era necessá rio perguntar o resto do nome, a semelhanç a era forte demais para que houvesse algum engano. Oito. talvez nove anos mais jovem do que Ross, mas incri­velmente parecido com ele, tinha até mesmo a cova no queixo, vi­sí vel a alguns passos de distâ ncia. Por que Ross nã o lhe contara que tinha um irmã o? O que o levara a nã o lhe dizer nada? Ele nã o havia feito menç ã o a nenhum parente. Disso ela tinha certeza.

O sorriso desapareceu daquele rosto queimado de sol e ele co­meç ou a sentir-se nitidamente pouco à vontade.

— Desculpe-me — ele disse —, pensei que você s estivessem ã minha espera. Escrevi duas semanas atrá s dizendo que vinha para a Inglaterra. Nã o recebeu minha carta?

— Acho que nã o — respondeu ela, insegura. — Ross nã o... Ele teria me avisado.

— Foi dirigida a você s dois. — Ele parecia estar pouco à vontade. — É isto o que dá confiar no correio! Sinto muito chegar desta maneira.

Jú lia fez o possí vel para se dominar.

— Nã o se incomode. Para Ross será uma ó tima surpresa encon­trá -lo aqui quando chegar. Desculpe-me por nã o ter atendido a campainha. Eu... achei que podia ser outra pessoa.

Seu sorriso era atraente. Era o mais jovem dos Mannering!

— Vim para cá esperando encontrar alguma janela aberta ou qualquer coisa do gê nero, Nem imaginei ir até a cidade pedir a Ross que me emprestasse uma chave. Seguiu-a até a cozinha, trancando a porta de fora a fim de impedir Shan de entrar. — Para fora, cachorro! — Seu olhar percorreu a casa, mostrando aprovaç ã o.

— O lugar mudou bastante desde a ú ltima vez que o vi. A casa ainda estava em obras quando fui para a Argé lia. Você nã o acha as coisas por aqui tranquilas demais, depois de ter vivido esse tem­po todo em Londres, que é uma cidade agitada?

— Algumas vezes, sim — ela admitiu, experimentando ao mes­mo tempo um sentimento que se assemelhava à deslealdade. — Mas tenho o carro e posso sair por aí — acrescentou rapidamente.

— Quer tomar café?

— Por favor. — Ele encostou-se à mesa, repetindo aquela mesma postura tã o à vontade caracterí stica de seu irmã o, — Ross disse que você faz café como nenhuma outra mulher que já conheceu.

Ela voltou rapidamente a cabeç a.

— Quando foi que você o viu?

— Quando o vi? Bem, há pouco mais de um ano, quando viajei para o exterior. — Ele a encarava de modo estranho. — Ele falou a respeito do seu café em uma carta. Você acrescentou um post-scriptum, comentando a ambiguidade de sua confissã o. Nã o está se lembrando?

Seu coraç ã o disparou, Esse era o momento ó bvio de lhe dizer a verdade, mas no entanto ela nã o conseguia organizar as palavras.

— Nã o — respondeu, e sua voz soava surpreendentemente tran­quila —, nã o posso dizer que me recordo. Você veio de aviã o ou de navio?

— Aviã o. Cheguei hoje de manhã em Heathrow, aluguei um carro e vim diretamente para cá. Pretendia enviar um telegrama anunciando minha chegada, mas tive tanta coisa para fazer que acabei nã o mandando. — Fez uma pausa. — Você ficou aborrecida com isso?

— Claro quê nã o — apressou-se ela em tranquilizá -lo. — Apenas fiquei realmente surpresa. Quanto tempo você vai ficar aqui?

— Mais ou menos um mê s. Pensei em passar uns quinze dias com você s e depois ir para a cidade, a fim de me divertir um pouco. Quando vi que nã o recebia resposta alguma à minha carta, percebi que nã o deveria ter usado a posta-restante, mas tive certeza de que Ross teria entrado em contato comigo de alguma maneira se minha chegada nã o fosse conveniente. De qualquer modo, prefiro que seja você a me dizer, se isso for verdade. Posso me ajeitar temporaria­mente no apartamento, contanto que Ross nã o o tenha alugado...

— Tenho certeza de que ele vai querer que você fique aqui —disse Jú lia prontamente, fugindo de uma indagaç ã o a que ela nã o poderia responder com toda certeza. — Temos trê s quartos.

— Vou precisar somente de um. Você ainda fica com um quarto livre para acomodar Ross no caso de você s brigarem um dia — rospondeu com certo humor.

A colher que ela havia usado para mexer o café caiu no chã o. Jú lia curvou-se para apanhá -la, feliz por ter encontrado um dis­farce para o rubor que lhe subia ao rosto. Trê s quartos, trê s pes­soas, mas naturalmente David presumiria que ela e Rosscompar­tilhariam o maior de todos. As explicaç õ es teriam de vir de um modo ou de outro. Mas nã o partiriam dela. Que Ross desse expli­caç õ es quando voltasse para casa. Afinal era seu irmã o. Ele saberia como colocar as coisas.

— Nã o se importa se comermos aqui? — perguntou, ocupando-se com a tarefa de tirar xí caras e pratos do armá rio. — Está na hora de eu começ ar a preparar o jantar. Espero que você goste de peixe.

— Claro. Nã o se preocupe comigo. Vou ficar sentado, olhando. — Desligado, imaginou que ela conseguiria fazer com que um peixe, destinado a duas pessoas, rendesse para trê s sem maiores dificul­dades. — Nã o aguentava mais de vontade de comer um bom prato da cozinha inglesa. A cantina em Izria era boa, mas batata quase todo dia se tornara enjoativo.

Jú lia desejou perguntar o que e onde era Izria, mas com isso ela se trairia um bocado.. Era de esperar que Ross tivesse contado detalhes sobre o emprego de seu irmã o, qualquer que fosse ele. Sabia que estava se comportando como uma tola em relaç ã o a tudo aquilo, mas no entanto parecia nã o lhe fazer a menor diferenç a. Faria qualquer coisa, menos forç ar-se a colocar em palavras uma situaç ã o que era para ela um pouco menos real do que o tinha sido havia trê s semanas. Deixaria as explicaç õ es para Ross, quando chegasse. Até entã o deixaria aquela charada suspensa, por mais que isso lhe custasse.

Do jeito como as coisas se desenrolaram, a situaç ã o se tornou um pouco mais fá cil do que ela havia esperado. Interrogado, David falou quase o tempo todo, contando sua vida durante os dois ú lti­mos anos, com um humor que nã o disfarç ava o gosto pelo tipo de trabalho que exercia. Tornou-se evidente que ele era engenheiro cm uma grande companhia petrolí fera, preso por um contrato de trê s anos em um paí s do Oriente. A vida nos acampamentos nodeserto parecia rotineira e um tanto aborrecida, apesar de ele as­segurar que as coisas frequentemente se tornavam bastante agi­tadas e até mesmo perigosas, quando a polí tica e a ambiç ã o come­ç avam a se misturar. Em certa ocasiã o tiveram de interromper o trabalho durante trê s semanas, enquanto duas autoridades locais acertavam suas diferenç as.

— Estamos a cinquenta quiló metros do lugarejo mais pró ximo — disse. — E olhe, nã o é lã essas coisas! — Sorriu. — Kenal, sob vá rios aspectos, me faz lembrar de Marlow, tirando o cheiro. Lá nã o há muito o que fazer como aqui. Se quisermos nos divertir um pouco mais, temos de pegar a estrada e rodar umas seis horas de viagem. É um pouco como aqui, só que em escala um pouco maior. Fico surpreendido de ver como você aguenta há tanto tempo. Acha­va que uma garota tã o moderna e que cresceu em uma cidade grande nã o suportaria mais de dois meses neste lugar tã o pacato.

Jú lia concentrou-se no molho que aos poucos engrossava na pa­nela. Juntando queijo ralado, disse cautelosamente, sem tirar os olhos da panela:

— Acho que quando você for para Londres colocará para fora todo seu entusiasmo. Manteve contato com algué m em particular?

Fez-se uma pequena pausa, antes que ele respondesse, e, quan­do falou, o tom de sua voz havia se alterado.

— Ross entã o nã o lhe contou?

Suas mã os nã o pararam de mexer o molho.

— Contou o quê?

— A respeito de Lou e de mim. Eu era noivo de uma garota que decidiu se casar com outro homem. — A declaraç ã o foi feita com toda simplicidade. — O emprego apareceu no momento psicoló gico exato. Viajei para fora do paí s em dez dias, isso pareceu uma fuga.

— Desculpe-me — disse ela, apó s um momento. — Eu nã o tinha a intenç ã o de abrir velhas feridas.

— Nã o tem importâ ncia. Faz tempo que tudo isso aconteceu. — Sua expansividade era um tanto propositada. — Presumi que Ross tivesse lhe falado a respeito, apesar de nã o haver alguma razã o especial para que ele o fizesse. O que passou, passou. Você nã o pode culpá -lo por ter adotado essa atitude. — Aspirou o cheiro que vinha da panela: — Nã o existe nada como a comida caseira! A que horas Ross chega?

— Dentro de uns quinze minutos. — Jú lia abriu a portinholado forno e tirou a caç arola fumegante, pousando-a sobre o fogã o, franzindo ligeiramente o cenho. Havia algo na confidê ncia de David que a preocupava. Por que razã o Ross desejaria esquecer o passa­do? O que existia no passado que deveria ser esquecido?

Cobriu o peixe e os cogumelos com molho de queijo, adicionou um pouquinho de pá prica e voltou a colocar a caç arola no forno. Assim que ela acabasse de pô r a mesa. Ross estaria em casa e o jantar estaria preparado. Uma coisa de que ele fazia questã o era que o jantar fosse servido alguns minutos depois que ele chegasse em casa. Ela nã o tinha idé ia se isso era um há bito seu ou se se tratava de algo meramente desejá vel porque aliviava a atmosfera e proporcionava aos dois um momento relaxante e descontraí do. A coisa funcionava, qualquer que fosse o motivo.

Deixou David na cozinha enquanto se dirigia para a sala de jantar. Apó s alguns momentos ele apareceu na porta, postando-se lá e olhan­do-a durante alguns momentos, antes de dizer subitamente:

— Você se incomoda se eu ligar o rá dio? Em Izria a gente o ouve o dia inteiro, até mesmo junto ao oleoduto. A gente acaba se acos­tumando.

— Como nã o? — respondeu ela. ~ Está lá na sala.

Ele desapareceu novamente. Fez-se uma pausa, e o som irrom­peu, moderno, desarmonioso e irritante. Jú lia estremeceu, pensan­do saudosa no concerto de Lizt que havia colocado havia pouco no toca-disco, e refletiu que era preciso um pouco de tudo para se fazer um mundo.

— Nã o pode abaixar um pouquinho? Nã o dá para conversarmos — pediu.

O volume diminuiu no mesmo instante. David chegou até a porta.

— Desculpe-me, estava apenas matando a saudade, depois de tanto tempo — disse.

Ela sorriu para ele.

— Nã o tem importâ ncia. — Parado lá na porta ele tinha a apa­rê ncia de um garoto encabulado. Ela disse impulsivamente: — Você gosta mesmo disso? — Notou que sua expressã o se alterava, mos­trando a surpresa que ele sentia.

— Você se refere à mú sica de discoteca? — refletiu. — Nã o sei se eu pensei muito a respeito. Isso e mais os programas locais eram tudo que ouví amos na Argé lia. — Muito desafinado, assobiou al­gumas notas da mú sica que estava tocando no momento, sorriu eolhou para ela. — A mú sica, como você deve ter notado, nã o é realmente o meu forte. Mas é que nã o consigo ficar parado durante muito tempo, por isso assobio ou canto. Já fizeram muitas queixas a respeito de minhas cantorias no chuveiro. Algué m disse uma vez que eu parecia um touro no cio, entusiasmado com a idé ia de se acasalar!

Jú lia caiu na risada, ouviu a porta da frente que se abria e dominou-se repentinamente,

— Ross chegou — disse.

David já se voltara, e seu sorriso se abria, enquanto encarava o homem que caminhava pelo hall.

— Olá! Surpresa! Surpresa! Jú lia me disse que você nã o recebeu minha carta, que avisava a minha chegada!

— Tudo leva a crer que nã o. — O tom com que Ross falava era simpá tico, mas havia nele uma certa reticê ncia pelo encontro ines­perado. — Que bom vê -lo novamente, Dave. Quando é que você chegou?

— Hoje de manhã. Vim para cá há mais ou menos uma hora. — O sorriso de David era espontâ neo e natural. — Você tinha razã o em relaç ã o ao café. É o melhor que já tomei até hoje. Como cozi­nheira ela també m nã o deixa a desejar, a julgar pelo cheiro que vem da cozinha. Há meia hora que minha boca está cheia de á gua.

Os olhos azuis cruzaram com os olhos cinza, muito alertas, e desviaram-se. Jú lia sacudiu a cabeç a quase imperceptivelmente. Percebera que David mal disfarç ara sua surpresa ao constatar que seu irmã o, ao entrar, cumprimentara aquela que era sua esposa havia quatro meses com pouco entusiasmo, e nã o fizera o menor esforç o para disfarç ar aquele mal-estar com um sorriso.

— O jantar está quase pronto. Por que você s dois nã o vã o tomar um drinque lá dentro enquanto eu sirvo?

— Boa idé ia. — Com um brilho no olhar, Ross rodeou ligeira­mente sua cintura com as mã os no momento em que ela passava por ele e beijou-a na fronte. — Passou bem o dia?

— Como sempre — respondeu, resistindo ao impulso de afas­tar-se dele. Obrigou-se a olhar para ele. — Você e David terã o muito 0 que conversar.

— Sim, disse ele —, tenho certeza. — Era impossí vel adivinhar o que ele estava sentindo naquele momento. Deixou-a afastar-se, e seu olhar cruzou-se com o do irmã o, que permanecia sorrindo, um tanto inseguro. — Você ainda é chegado ao uí sque, Dave. ou aqueles grandes horizontes despertaram em você o gosto por outras bebidas?

— Uí sque para mim está muito bom. — O jovem olhou com certa indagaç ã o para Jú lia. — Tem certeza de que nã o precisa de nenhuma ajuda?

— Nã o, eu levo tudo no carrinho de mesa, obrigada. Servirei dentro de dez minutos.

De volta à cozinha apoiou-se na porta e respirou fundo. Ainda conseguiu sentir a marca dos lá bios de Ross em sua pele e o calor de suas mã os na cintura. Era a primeira vez que ele tinha feito a tentativa de tocá -la desde o dia em que a tirara do hospital. Até entã o agira de acordo com os desejos dela, é claro, mas ela de vez em quando pensava como seriam realmente seus sentimentos por ela, já que ele conseguia tã o facilmente manipular as emoç õ es. E por que teria feito uma exceç ã o hoje à noite? Devido a uma relu­tâ ncia natural em revelar a seu irmã o a profundidade do abismo que os separava? Mais cedo ou mais tarde ele teria de fazer isso.

Jú lia desejou colocar um pouco de ordem em suas emoç õ es confusas.

O rá dio tinha sido desligado no momento em que foi até a sala chamar Ross e o cunhado para jantar. Em dez minutos nã o teriam tido muita oportunidade de esclarecer o assunto com sutileza, re­conheceu, e estava preparada para enfrentar as prová veis reaç õ es de David. Um olhar foi o suficiente para lhe revelar que até entã o ele ignorava o que estava se passando. Olhou de soslaio para Ross e recebeu de volta um olhar sem a menor expressã o. Se a incum­bê ncia mais pesada tocava a ele, pensou, entã o cabia-lhe escolher o momento apropriado para contar ao irmã o o que se passava. Até entã o ela devia se limitar a tocar o barco adiante.

Foi difí cil, senã o impossí vel, evitar um certo clima durante a refeiç ã o. Consciente de que era inevitá vel a revelaç ã o de tudo em algum momento, naquela mesma noite, Jú lia achou mais difí cil do que nunca disfarç ar e interpretar o papel que era esperado da parte dela. Por diversas vezes surpreendeu David olhando de um para o outro, com o cenho ligeiramente carregado e com muita dú vida. Era ó bvio que sabia que alguma coisa nã o ia bem, apesar de difi­cilmente ser capaz de adivinhar a verdade. Fazendo uma retros­pectiva da situaç ã o, ela compreendeu que teria sido muito mais



  

© helpiks.su При использовании или копировании материалов прямая ссылка на сайт обязательна.