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— Eu já lhe disse. Sim! 6 страницаEle se foi, obediente como um carneiro. Ao examinar a atitude irô nica de Peggy, sentiu que faria o mesmo. — O que ele queria dizer? — perguntou Jú lia, insegura. —Aconteceu... algo desde a ú ltima vez que nos encontramos? — Na verdade, nã o. — Peggy tinha toda a aparê ncia de algué m que estivesse tentando escolher as palavras a fim de nã o ser mal interpretada. — A ú ltima vez que você viu Lester você o encorajou um pouco mais do que já havia feito em ocasiõ es precedentes, é tudo. — Você está querendo dizer que eu flertei com ele? — Nã o chegaria a esse extremo. É que o nosso Les costuma exagerar. — Acrescentou com toda franqueza: — Olhe, Jú lia, nã o foi uma noite lá muito agradá vel. Tenho certeza de que você nã o haverá de querer que eu a lembre. Jú lia contemplou sua bebida e subitamente seu coraç ã o disparou. — Se existe alguma coisa que me diz respeito, eu entã o obviamente tenho de saber. Conte-me o que foi, Peggy. Por favor. Peggy deu de ombros. — Bom, está certo, mas nã o há muita coisa para contar. Quando você s chegaram em casa ficou bastante evidente — para mim pelo menos — que você e Ross tinham tido uma briga, nã o sei se as outras pessoas perceberam. No momento em que Lester fez sua abordagem costumeira você nã o o desencorajou, e ele, sendo quem é, imediatamente tomou a coisa como uma brecha e monopolizou você o resto da noite. Foi só isso o que se passou. Jú lia permaneceu algum tempo em silê ncio, antes de perguntar calmamente: — E Ross? Ele disse alguma coisa sobre isso? — Na frente de todos, nã o muito. Imagino que muita coisa quando você s ficaram a só s. Ele nã o suporta Lester. Poucos homens conseguem. Nã o consigo entender por que é sempre convidado para nossas reuniõ es, a nã o ser pelo fato de que já fazia parte dos grupos que estavam formados quando nos mudamos para cá. — E quando foi que tudo isso aconteceu? Peggy a encarou. — Você quer dizer que Ross nã o lhe contou? — Contou o quê? — Que você s estavam indo de nossa festa para sua casa quando aconteceu o desastre. Que estranho! Eu pensei que... — Ela se conteve, deu de ombros e sorriu. — Acho que nã o é tã o importante. Talvez para Peggy nã o fosse, mas para Jú lia certamente era. Na noite do acidente, ela e Ross tinham discutido, nã o uma vez só, mas provavelmente duas. E como resultado, ela, ao que parece, tinha deliberadamente encorajado o homem que acabara de deixá -las, o homem por quem ela nã o sentia a menor atraç ã o naquele momento tanto quanto agora. Precisava conversar com Ross, pensou ansiosamente. Tinha de saber o que havia se passado entre eles antes que chegassem à festa e em seguida no carro, quando se dirigiam para casa. Subitamente, saber de tudo tinha se tornado para ela um fato imperativo. Sentiu-se aliviada por Peggy nã o fazer a menor tentativa de prolongar o encontro, aceitando aparentemente como um fato natural o encontro dela com David, na volta para casa. Jú lia, de fato, tinha um encontro com ele, mas somente à s quatro. Despediu-se de Peggy diante do hotel, prometendo dar-lhe notí cias brevemente, e entrou no tá xi que o recepcionista do hotel chamara, suposta-mente a fim de ir ao encontro com David. O escritó rio estava situado nã o muito longe do centro da cidade. Era um pré dio de dois andares, situado em um quarteirã o repleto de lojas. Jú lia pagou o motorista com o coraç ã o aos pulos e ficou por alguns momentos a contemplar as duas vitrinas do pré dio e suas variadas ofertas. Muitas pessoas estavam fazendo o mesmo, entre elas um jovem casal de braç os dados, postado diante da fotografia de um chalé, com um traç o de resignaç ã o sobrepondo-se a seu desejo. — Seria muita sorte conseguirmos comprar uma casinha com terraç o com o dinheiro que economizamos — murmurou a garota, desanimada, e o jovem a seu lado apertou-lhe o braç o. — E você acha isso mau para um começ o? De qualquer maneira, o sr, Mannering disse que vai fazer o possí vel para achar em algum outro lugar uma casa tã o boa quanto esta. Ross estava no escritó rio... Jú lia se deteve, refletindo no fato de que bem podia se dar o contrá rio. A ansiedade que a levara até lá começ ava a atenuar-se, a tentaç ã o de dar as costas e deixar aquilo tudo para uma outra ocasiã o crescia a cada segundo que passava. Ainda estava lá, indecisa diante da vitrina, quando a porta se abriu e o pró prio Ross, surgiu. Ele a viu imediatamente, e seu rosto revelou uma certa emoç ã o, que Jú lia nã o conseguiu decifrar, antes de voltar a seu estado normal de controle. — Por que é que você nã o entrou? — perguntou ele. — Faz tempo que chegou? Ela sacudiu a cabeç a. — Acabei de chegar. — Sentiu-se contente por nã o ter ningué m por perto a testemunhar sua confusã o, acrescentando: — Eu quero conversar com você, Ross, se nã o estiver atrapalhando. Dessa vez sua expressã o nã o revelou nada. — Claro que nã o está — disse, e abriu a porta para lhe dar passagem. A garota sentada à escrivaninha olhou com um sorriso no momento em que entraram. — Já de volta? — perguntou. Nesse momento seus olhos depararam com Jú lia, e o sorriso esmaeceu um pouco. —Alô, sra. Mannering. Ross colocou a pasta em um canto da mesa. — Telefone para os Fallows e diga-lhes que vou chegar dentro de alguns momentos, Chris. Estarei no escritó rio se algué m perguntar por mim. Jú lia conseguiu endereç ar ã garota um sorriso que esperava parecesse natural, enquanto Ross a precedia c abria uma porta nos fundos da sala. Ela dava para um escritó rio de aspecto convencional, contendo uma grande mesa, cadeira girató ria e alguns fichá rios. O chã o era carpetado, e dele saí a um corredor estreito, o qual dava para um lance de escadas que levavam a um pequeno apartamento. Ele era muito agradá vel, apesar de extremamente acanhado. Continha um quarto com uma cama embutida na parede, alé m de uma quitinete e um banheiro. Vendo-o, Jú lia compreendeu perfeitamente por que Ross tinha julgado necessá rio mudar-se e ter um cachorro, apesar de o apartamento ter sido perfeitamente adequado à s suas necessidades de solteiro. — Café? — perguntou ele. — Nã o, já tomei com Peggy. — Foi direto ao assunto. — Um homem chamado Lester Connelly chegou ao hotel enquanto tomá vamos um drinque antes do almoç o. — Muito bem. — O olhar dele aguç ou-se. — O que aconteceu? — Nada. Peggy conduziu as coisas magistralmente. Acho que ele nem percebeu que alguma coisa estava errada, exceto... — Exceto? — ele atalhou. Ele estava de pé, a alguma distâ ncia, com as mã os nos bolsos, na atitude que ela começ ava a reconhecer como seu ú nico indí cio de uma perturbaç ã o interna. Era uma espé cie de calma forç ada, se é que isso existia. — Exceto que ele parecia um pouco desapontado por eu me mostrar fria com ele, desde a ú ltima vez que nos vimos — ela disse, sem ter consciê ncia de que suas mã os se contraí am e os dedos se entrelaç avam nervosamente. — Peggy disse que chegamos brigados à casa dela naquela noite e que eu provoquei aquele homem durante toda a reuniã o. Por que você nã o me contou que era na festa dos Ashley que está vamos naquela noite? — Por quê? — Ele deu de ombros. — Por que foi que nã o contei para você uma porç ã o de outras coisas? Quando foi que eu tive a oportunidade? Ela disse em atitude de defesa: — Se você quisesse, teria criado a oportunidade. — Devo concluir disso que você pensava que eu nã o queria? — O tom com que falava era estranho. — Que razõ es você acha que eu teria para esconder esse tipo de coisa de você, Jú lia? — Nã o sei. — A intensidade de seus sentimentos, durante todo esse episó dio, tinha diminuí do, até o ponto em que ela se viu na necessidade de lutar para mantê -los vivos. Sentou-se subitamente no diva. — Nã o tenho certeza do que me passou pela mente quando vim aqui. Acho que fiquei chocada. A idé ia de ter dado a um homem daquela espé cie a impressã o de que eu... de que nó s... — Mas nã o é nada disso! — ele disse, arrebatado. — Les Connelly pega na mã o inteira depois que você lhe dá um dedo. Mesmo que você tivesse se abandonado a um pequeno flerte naquela festa era esperar demais que essa sua inclinaç ã o durasse mais do que um mê s. — Mas as coisas nã o se passaram assim, nã o é mesmo? — ela disse, com a voz embargada. — Eu o encorajei porque queria fazer as pazes com você, pelo menos é o que Peggy pensa. — Ela o contemplou, alto e elegante, familiar e ao mesmo tempo um desconhecido, e sentiu um aperto na garganta. — Por que foi que brigamos naquela noite, Ross? — Nã o tenho certeza. — Ele disse isso sem mudar de tom, mas convincentemente. — Você, por alguma razã o, estava perturbada. Nã o estava doente, nã o, apenas irritada. Eu atribuí o fato à s tensõ es costumeiras das mulheres e tentei alegrá -la, mas você nã o estava a fim. No carro, a caminho da casa de Peggy, você falou asperamente comigo, em resposta a um comentá rio perfeitamente inó cuo que eu tinha feito e perdi a cabeç a. Nã o me lembro do que disse, exatamente, mas o resultado foi o seu namorico com Lester. — E em seguida? Subitamente seu maxilar enrijeceu. — Mais tarde eu briguei com você pra valer e nã o me envergonho em reconhecer. Se tivesse sido com algué m que nã o Les Con-nelly... — Ele deixou a frase em suspenso. — Eu devia ter feito você amarrar seu cinto de seguranç a. Estava sempre insistindo com você para que o fizesse. Está vamos nos aproximando da entrada de Marlowe quando você subitamente começ ou a inclinar-se para o lado. Eu tentei segurá -la, mas era tarde demais. — Sua voz se alterou. — Nã o consigo narrar o que aconteceu nos momentos que se seguiram. Nã o repare. Acho que envelheci dez anos. — Ross. — Sem saber como ou quando se levantara, Jú lia aproximou-se dele, e seu coraç ã o parecia que ia lhe saltar pela garganta. — Ross, eu... O que quer que fosse que ela tivesse a dizer, nã o conseguiu completar, pois ele estava diante dela, seus braç os a envolviam e seus lá bios se encontravam. Sua reaç ã o foi imediata e involuntá ria: a tensã o e a reticê ncia de semanas se dissolveram diante daquela, emoç ã o forte do momento. Mas nã o durou muito. A consciê ncia do que estava acontecendo a fez afastar-se dele e desencadeou uma onda de calor que lhe subiu ao rosto. Aquela nã o era a resposta. Ainda nã o. E nã o daquela maneira. — Jú lia. — Ross segurou sua mã o no momento em que ela fez menç ã o de se desviar. — Nã o comece a fugir de novo. Nã o vou me deixar transtornar por um beijo, da mesma forma que você també m nã o. — Pô s sua outra mã o carinhosamente, mas com firmeza, sob seu queixo e fez com que ela o encarasse novamente. — Quando é que irei convencê -la de que meus sentimentos por você sã o mais profundos do que uma paixã o de momento? Eu a quero, sim, mas nã o enquanto você nã o voltar a sentir o mesmo em relaç ã o a mim. Acredite em mim. — Mas eu quero — ela murmurou. — Você nã o sabe o quanto eu gosto de você! — Pois entã o estamos a meio caminho. — Ele estava sorrindo. — De uma certa maneira eu deveria me sentir grato a Lester por ter enviado você aqui hoje à tarde. Se você nã o o tivesse visto nó s ficarí amos rodeando o assunto por mais algumas semanas. E agora que chegamos a este ponto, nada de voltar atrá s. Nã o vá me repelir novamente. Eu nã o conseguiria suportar. — Nã o o farei. — Naquele momento ela estava mais pró xima do ponto de entender a qualidade de seus sentimentos por ele do que estivera em qualquer outra ocasiã o. Ele era um homem em quem uma mulher podia confiar e amar. Por que ela nã o enxergara esse fato antes? — A que horas você ficou de se encontrar com Dave? — ele perguntou. Ela disse e ele consultou o reló gio. — Entã o ainda temos algumas horas. Tenho de ir ver um cliente no caminho de Botley. Vou levar apenas alguns minutos para tratar de negó cios, e a paisagem lá é muito agradá vel. Ela sorriu descontraidamente. — Gostaria de ir. O lugar para onde se dirigiram ficava a uns dez quiló metros da cidade, tratava-se de uma propriedade pequena, poré m muito bem cuidada, composta de alguns bangalô s, que pareciam ser de construç ã o recente. Ross parou o carro diante de um deles, que tinha uma placa com seu nome, anunciando que o imó vel estava à venda, e deixou-a com a promessa de que nã o se demoraria muito. Jú lia nã o se importou. Naquela tarde ela nã o se importava com nada. Ele estava sorrindo quando voltou. — Acabo de ter minha fé na humanidade restaurada — observou, enquanto dava partida no motor e se afastava do meio-fio. — Esse pessoal concordou em reduzir cem libras no preç o de venda, só para nã o decepcionar um jovem casal que nã o conseguiu levantar o empré stimo que esperava. Foi muita generosidade, sobretudo quando se considera que podiam ter vendido a propriedade por um preç o doze vezes maior. Jú lia indagou cautelosamente: — Mas é profissional de sua parte ficar tã o contente assim com isso? Sua comissã o nã o diminui? Ele deu de ombros, despreocupado. — Nem tanto. Os Moore sã o um casal simpá tico, e ficaram enamorados por este lugar. — Desviou o carro, entrando na estrada principal, e acrescentou. — Estava pensando se nã o seria uma boa idé ia nos mudarmos para a cidade. Nã o tenho o menor problema em encontrar um comprador para o bangalô. O que você acha? Deixar o bangalô! Subitamente Jú lia sentiu um baque, ao pensar naquela hipó tese. — Nã o cabe a mim decidir — disse finalmente. — A casa é sua. — Nossa — ele a corrigiu, sem tirar os olhos da estrada. — Assim que voltamos da Á ustria eu retifiquei a escritura e ela ficou també m em seu nome. — Deu um sorriso rá pido. — E o tipo da atitude que um homem toma quando sente que está para morrer. Nã o vou negar que nã o sentiria pena por abandonar a casa, mas isso passaria logo. É que eu me empenhei tanto em reformá -la... Mas se isso vai nos ajudar eu nã o hesitarei. Basta você dizer. — Nã o — disse ela com rapidez e firmeza. — Nã o quero mudar. Gosto de lá. Ele a contemplou. — Você sabe que no inverno aquilo lá fica ainda mais solitá rio? No ano passado, quase ficamos isolados pela neve. Isso nã o a desanima? — Nã o. — Havia muito terreno perdido a ser recuperado antes que o inverno chegasse, e naquele momento ela estava contente em dar um passo por vez. — Você tinha razã o em relaç ã o à paisagem daqui — acrescentou efusivamente. — É linda. Nã o precisa visitar nenhum outro cliente? — Só à s cinco horas. Poderí amos passear um pouco. Que tal? — Ó timo. — Apoiou a cabeç a no encosto do banco, sentindo-se protegida pelo cinto de seguranç a. — Nó s costumá vamos passar tardes como esta quando você nã o estava muito ocupado? — Com muita frequê ncia. Você tinha o há bito de aparecer no escritó rio inesperadamente, como hoje, e me acompanhar quando eu tinha de visitar um cliente. — Você nã o se importava? — Isso é como perguntar se eu me importava por estar casado. Gostava de sua companhia tanto quanto você da minha. — Ele lanç ou-lhe um olhar. — Esta é a primeira vez que você mostrou interesse em nosso passado comum, desde o dia em que você saiu do hospital, — Eu sei. — Ela procurou escolher as palavras, nã o querendo que aquele clima se dissipasse. — Eu tenho experimentado um sentimento tã o estranho, como se se tratasse de uma outra pessoa que tivesse vivido no chalé antes de mim. Algué m com meus há bitos e mé todos, poré m uma pessoa diferente. Fazer perguntas a respeito dela poderia parecer... uma intrusã o. Isso lhe parece ridí culo? — Nã o, acho que estou começ ando a compreender tudo aquilo por que você tem passado. — Havia um carro à frente. Ross acelerou e ultrapassou-o, prosseguindo em seguida: — Por mais que a gente tente, é quase impossí vel se colocar em uma posiç ã o que a nossa pró pria mente sente dificuldade em apreender. A gente lê que coisas desse tipo acontecem com outras pessoas, mas quando acontece com a gente parece tã o irreal que eu temo ter ficado muito mais preocupado a respeito de meus pró prios sentimentos do que com qualquer outra coisa. — Isto nã o é verdade — disse ela. — Você tem sido muito paciente. — Pelo fato de nã o ter feito nenhuma pressã o em relaç ã o a meus direitos matrimoniais? — Ele sorriu e sacudiu a cabeç a. — Nã o pense que eu nã o fiquei tentado. Muitas vezes pensei que seria necessá rio uma atitude ené rgica para quebrar o gelo. Uma questã o de orgulho. Nenhum homem gosta de pensar que foi esquecido com tanta facilidade. A estrada subia por uma colina, e Ross dirigiu o carro para onde a vegetaç ã o se adensava, A frente deles estendia-se a paisagem da baí a de Southampton, com o rio Solent desembocando nela e a mancha que era Portsmouth bem à esquerda. Daquela distâ ncia as docas pareciam brinquedos, e nuvens cinzentas adensavam-se no horizonte. — É uma vista e tanto, nã o acha? — observou ele. — E evidente que num dia mais claro ela se torna mais bonita. Quando aquela ilha fica coberta pela né voa significa que vem vindo chuva. — Enfiou a mã o no bolso. — Cigarro? Jú lia aceitou um, deixou que ele o acendesse e ficou a contemplá -lo acendendo o seu. Há um mê s ela estivera com ele naquele carro, com os nervos à flor da pele e tremendo de tensã o. Hoje a barreira ainda existia, poré m nã o era mais intransponí vel. Havia uma chance para eles. Uma boa chance, se eles a aproveitassem lenta e descontraidamente. Quantas mulheres, ela pensou, tiveram a oportunidade e o incentivo de se apaixonar pelo mesmo homem duas vezes na vida? — Costumá vamos passar muitos feriados na ilha — ela observou apó s um momento. — Estranho, nã o é mesmo, como as coisas se configuram? Quero dizer, é estranho que eu acabasse por viver em uma regiã o do paí s que nó s dois amá vamos. Até leva a gente a imaginar se nã o haveria alguma verdade nessa histó ria de fatalismo. — Nã o. — O tom com que se exprimia era ené rgico. — Moldamos nossa vida de acordo com aquilo que somos. — Nã o é mais ou menos a mesma coisa? — Penso que nã o. A realizaç ã o é a coisa principal. O contorno de sua vida pode ser modificado, se o conhecimento chega a tempo. — Permaneceu com um cotovelo apoiado na direç ã o, o corpo ligeiramente inclinado para ela e o cigarro se consumindo entre seus dedos. — Ainda temos muita coisa a viver, Jú lia, e compete a nó s dois saber como fazê -lo. A primeira coisa que você precisa encarar é o fato de que você talvez jamais recupere a memó ria de nossos trê s primeiros meses juntos. Com o risco de parecer irô nico, você acha que poderia aprender a esquecer esse lado de sua vida? — Nã o — disse ela suavemente. — Mas poderia aprender a viver com ele, no devido tempo. Nã o me apresse, Ross. É tudo o que eu peç o. — Nã o é muito, pensando bem. — Seu sorriso era ligeiramente irô nico. — E provavelmente mais do que mereç o. — Atirou fora o cigarro e ligou o motor. — Está na hora de voltarmos.
CAPITULO VI
Jú lia, nos dias que se seguiram, defrontou-se com a tarefa de dar as costas ao passado e tentar pensar somente no futuro, de aprender a conhecer o homem com quem tinha casado, de permitir que as emoç õ es que tinha sido incapaz de negar desde o iní cio crescessem e se desenvolvessem de acordo com seu curso natural. No mais í ntimo de si mesma tinha consciê ncia das dú vidas que ainda permaneciam sem resposta, mas em relaç ã o a elas fechou decididamente sua mente e seu coraç ã o. Do seu passado só restavam cinzas. O aqui e o agora tinham de importar mais do que tudo. O tempo continuava fresco, poré m razoavelmente seco. Com a ajuda de David, ela limpou e colocou em ordem os canteiros e o gramado, e preparou a terra para a semeadura da primavera. Acenderam uma fogueira perto dos salgueiros que bordejavam o lago e nela queimaram as folhas secas recolhidas dos canteiros. Ao acordarem no dia primeiro de novembro depararam-se com as primeiras rajadas de vento e com o jardim coberto de entulho. — Foi um desperdí cio de energia — comentou Ross, durante o café da manhã. — A jardinagem, sob qualquer aspecto, é semelhante a um dos sete trabalhos de Hé rcules! — A menos que você goste dela — observou David, calmamente, lanç ando-lhe um olhar zombeteiro. — Desde quando você entrou para o clube dos jardineiros amadores? — Desde o dia em que conheci sua mulher. — Havia um traç o de desafio em sua cabeç a, que se alteava. — É muito compensador ver as coisas crescerem e saber que você participou disso. Todo o trabalho que você teve passa a valer a pena. Os olhos de Ross estreitaram-se, enquanto permaneciam pousados no rosto do rapaz. — Você devia se casar e ter uns dois filhos — disse. — Talvez dê em mais trabalho do que as plantas, poré m a realizaç ã o é muito maior. — Nã o olhou para Jú lia, enquanto se levantava. — Acho melhor ir embora. Tenho encontro marcado com um cliente à s nove e meia. Fez-se um silê ncio prolongado na cozinha depois que ele partiu. Levando os pratos da mesa para a pia, Jú lia ouviu o barulho do automó vel que a distâ ncia amortecia e pensou que algo vital partia da casa com Ross cada manhã. — Nã o estará na hora de eu ir embora? — perguntou David subitamente, e ela voltou-se para contemplá -lo, surpresa e intrigada, — Pensei que você fosse ficar até o fim de semana. — E ia mesmo. — Girou a xí cara entre os dedos cautelosamente, olhando a borra do café pousada no fundo. — Só que estou começ ando a sentir que já nã o sou mais tã o bem-vindo, pelo menos no que diz respeito a Ross. — Que coisa ridí cula — respondeu ela impetuosamente. — Claro que ele quer que você fique. — Sim? — Olhou para ela. — Você o conhece tã o bem assim? Jú lia ruborizou-se. — Melhor do que conhecia. Em todo caso, o suficiente para saber que ele nã o finge em relaç ã o a coisas desse tipo. Se ele quisesse que você fosse embora diria sem receio nenhum, e você sabe disso. — Como eu disse, é apenas uma sensaç ã o. Posso estar enganado. Nã o que eu devesse me queixar. É natural que um marido queira a esposa só para ele. — Afastou a cadeira. — Muito bem — acrescentou jovialmente —, nã o vamos mais falar nisso. Qual vai ser a programaç ã o de hoje? Nã o adianta continuar cuidando do jardim enquanto este vento soprar. — Acho que nã o, mesmo. — Acrescentou sem jeito: — Usei muito você estes dias, nã o é mesmo, David? Isto nã o é um jeito muito repousante de passar as fé rias. — Bem que gostei. Foi divertido. Nã o temos jardins no deserto. — Sua voz mudou. — Nã o temos muita coisa, exceto a areia e o sol escaldante, e depois de uma ou duas semanas eles começ am a se tornar insí pidos. — Você precisa voltar? — Nã o, até poderia desistir do emprego. Uma outra opç ã o seria voltar para lá e pedir transferê ncia. Recentemente fizemos prospecç õ es no Mar do Norte, e ouvi uma conversa de que logo eles haverã o de querer um outro engenheiro com minha experiê ncia. Talvez valha a pena pensar no assunto. Por outro lado, provavelmente voltarei para lá e assumirei imediatamente a rotina. Você só se conscientiza das coisas que lhes fazem falta quando se torna possí vel uma comparaç ã o. — Ele emitiu um assobio sem som, perseguiu com o dedo uma migalha de comida no prato e disse subitamente: — Olhe, se você nã o tem outros planos para hoje, que tal irmos perguntar lã na fazenda de baixo se eles tê m cavalos para alugar? Gostaria de dar uma boa galopada. — Nã o sabia que você montava — disse ela interessada. Ele sorriu. — A exemplo de minha comida, isto també m dificilmente preencheria os requisitos dos peritos. Lá no acampamento temos alguns cavalos do deserto para fins de recreaç ã o ou para situaç õ es de emergê ncia. É um bom exercí cio, e pode-se confiar neles, pois sabem encontrar o caminho de volta para nossa base. Mas se você nã o quiser, basta dizer. — Acho que é uma boa idé ia. Há sé culos que nã o monto... É muito mais tempo — acrescentou com um sorriso — do que eu consigo me lembrar. Apenas me dê tempo para pô r uma roupa um pouco mais apropriada e iremos embora. Se nã o nos atenderem na fazenda, tenho certeza de que encontraremos um está bulo em algum lugar. A fazenda nã o os desapontou. Forneceram-lhes dois animais e os alugaram por um preç o bem conveniente. — Eles pertencem a meus filhos, sabem? — confidenciou o fazendeiro. — Ficam parados muito tempo, pois meus rapazes estã o fora quase o tempo todo. — Nã o disse, entretanto, onde, — Tive de começ ar a alugá -los para ajudar a pagar sua manutenç ã o. Os cavalos comem demais e isso é muito dispendioso. — Entregou a Jú lia as ré deas do cavalo baio, e David ficou com o castanho. — Talvez no iní cio eles vã o parecer um pouco espantados, pois nã o saí ram ontem, mas logo se acostumarã o. Se puder, livre Campeã o do trâ nsito — recomendou a Jú lia. — Esse aí nã o gosta muito de sentir os carros passando a seu lado. Fora isso, é um ó timo animal. Jú lia nã o tinha tanta certeza assim. Havia alguma coisa no jeito como o cavalo girara os olhos quando ela pegou as ré deas que nã o inspirava a menor confianç a em algué m tã o pouco experiente na arte de cavalgar, e alé m do mais tratava-se de um animal tã o grande... O fato de a montaria de David ser ainda maior nã o a consolava muito. David já tinha montado em cavalos á rabes, muito conhecidos por seu temperamento, enquanto a totalidade de sua experiê ncia restringia-se a um pangaré de oito anos que só andava a meio galope.
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