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—Eu já lhe disse. Sim! 7 страница— E a deixo sozinha com esse maroto? — Ele sacudiu a cabeç a. — Eu nã o sou tã o faná tico assim por um galope. De qualquer forma, acho que logo ele se acalma. Talvez tenha sido o trâ nsito que o deixou assustado. Quando finalmente chegaram ao atalho que serpenteava pelo bosque, o cavalo parecia ter se aquietado um pouco, e Jú lia teve coragem de seguir David, primeiro trotando e em seguida a meio galope. Ali, por entre as á rvores, estava bem mais quente. As folhas atapetavam o chã o, a camada de cima ainda tinha a cor do â mbar, fresca e limpa, e a inferior, ao ser revolvida, exalava um cheiro agradá vel. A parte o pio ocasional de algum pá ssaro, tudo era silencioso e sereno. — Uma das coisas incrí veis da Inglaterra é que você nunca está a muitos quiló metros da civilizaç ã o — observou David, quando pararam em uma clareira a fim de proporcionar algum descanso aos animais. — O deserto é tã o monó tono quanto solitá rio. Depois deum tempo você quase começ a a acreditar que fora de lá nã o existe mais nada, que o mundo inteiro consiste em areia. — Olhou para ela, sorrindo, muito seguro de si. — Parece fantá stico, nã o é mesmo? E difí cil explicar esse sentimento. — Sei o que você quer dizer — comentou ela, hesitando em prosseguir. — Acho que você deveria tomar alguma atitude para mudar as coisas, David. E quanto mais cedo, melhor. Você nã o pode começ ar a fazer os conta tos enquanto está aqui na Inglaterra? — Poderia tentar. — Ele nã o parecia muito esperanç oso. — Depende do fato de poder ser substituí do rapidamente. — Você mudou muito desde que chegou — disse. — Na primeira noite você parecia tã o entusiasmado a respeito de tudo, até mesmo quando falou do deserto. — Estava tentando convencer a mim mesmo. O problema é que eu fui para lá por razõ es erradas. Talvez levasse mais tempo para esquecer Lou se eu tivesse ficado aqui, mas pelo menos eu teria vivido uma vida normal, com viagens ocasionais para outros lugares. O emprego que tinha naquele momento até que era muito bom, só que na é poca nã o dei a necessá ria atenç ã o. — Juntou as ré deas com decisã o. — E basta de falar de mim por hoje. Aquele camarada lá da fazenda disse que algué m alugou o cavalo para as onze. Faltavam cinco minutos para as onze quando eles alcanç aram novamente a estrada. A relutâ ncia em deixar as pessoas a sua espera mais o fato de que Campeã o nã o tinha se mostrado rebelde durante a ú ltima meia hora fizeram com que Jú lia se descuidasse um pouco. Um carro passou por eles a uma velocidade moderada, mas O barulho e o vento que ele provocou a sua passagem foram suficientes para assustar o cavalo. Jú lia segurou-se aflita à sela enquanto o cavalo disparava, sentiu seus pé s desprenderem-se dos estribos e viu a vegetaç ã o de uma cerca viva aproximando-se dela. Ficou caí da no chã o, sem fô lego, enquanto David ia correndo ao seu encontro. — Jú lia! — disse ele, aflito. — Jú lia! Ela voltou-se lentamente e sentou-se, sentindo os braç os dele passar em torno de seus ombros, em atitude de apoio. — Está tudo bem, nã o fiquei machucada, só meu orgulho é que ficou... Acho que nunca conseguirei ser uma... — Seus olhos se levantaram, encontraram os dele e o sorriso morreu calmamenteem seus lá bios. Quando ele a beijou, o ú nico sentimento que ela experimentou foi o de confusã o. — Desculpe-me — ele disse, ruborizando-se, — Sei que nã o devia ter feito isso, mas nã o pude evitar, Ao vê -la caí da pensei... Oh, meu Deus, nã o sei o que pensei! Só sei que se alguma coisa tivesse acontecido com você... — Seus braç os a apertaram. — Eu sabia que ia me apaixonar por você desde aquela primeira tarde, quando conversamos e tomamos café na cozinha. Nã o, antes disso. No momento em que eu dei a volta à casa e a vi com uma colher de pedreiro na mã o e um traç o de sujeira bem em cima do nariz. — Acho — disse Jú lia insegura — que é melhor eu me levantar. Davi d estendeu-lhe a mã o e ficou a contemplá -la, enquanto ela automaticamente se limpava. — Você ficou realmente zangada comigo por lhe ter dito isso? — perguntou. — Nã o. — Ela finalmente levantou os olhos. — Só acho que você está um pouco confuso. Acho que você gosta de mim tanto quanto eu gosto de você, mas você de fato nã o me ama. Você me conhece há apenas dez dias. — Nã o é verdade. Ross falou a seu respeito nas cartas dele. Sobre pequenas coisas que você havia dito ou feito. Foi desse modo que fiquei sabendo como ele se sentia em relaç ã o a você. Você estava sempre nos pensamentos dele. Estava, pensou, poré m ainda estaria? Ross ainda sentiria o mesmo ou estava apenas lutando para reviver uma emoç ã o que tinha começ ado a morrer antes do acidente? As dú vidas. Os temores. Eles ainda estavam lá, a despeito de todos os seus esforç os naqueles ú ltimos dias para enterrá -los. — Temos de voltar, está ficando tarde — disse ela, e no momento em que ele abria a boca para falar, acrescentou: — Nã o, nã o diga mais nada. Por favor, David, nã o diga mais nada. — Começ ou a andar ao longo da estrada, em direç ã o a Campeã o, que pastava despreocupado junto ao meio-fio. — Nã o vou mais montar. Os dois acabaram voltando a pé com os cavalos, e lá souberam que o freguê s seguinte nã o tinha aparecido. David estava muito abatido quando abriu a porta do carro para Jú lia e ligou o motor. Já estavam na metade do caminho de volta quando em um certo trecho disse, sem encará -la: — Considerando o que aconteceu, o melhor que tenho a fazer é arrumar minhas coisas e ir embora. Acabei por atrapalhar tudo, como sempre. Nunca tive a intenç ã o de fazer com que você soubesse como me sentia. — Talvez seja a melhor soluç ã o. — Jú lia nã o conseguia pensar em nenhuma outra opç ã o razoá vel. Estivesse ou nã o David realmente apaixonado por ela, o fato de que as coisas tinham sido explicitadas colocava seu relacionamento em um plano totalmente diferente. Ela certamente nã o conseguiria se sentir muito à vontade com ele, principalmente quando estivessem sozinhos. — Quando é que você parte? — Ela conseguiu perguntar, —Agora. Hoje. — Ele parecia estar arrasado. — Você pode dizer a Ross que me cansei desta vida tranquila. Ele vai compreender. Talvez possa dar um pulo aqui para vê -lo antes de partir. Ela olhou rapidamente para ele e desviou de novo o olhar. — Entã o você está indo embora? — Sim. — Fez-se uma pequena pausa antes que prosseguisse: — Você pode dizer que a histó ria se repete. Minha principal razã o por nã o querer partir era você. Nestes ú ltimos dias eu vivo apenas o momento que passa. Eles eram dois a fazê -lo. Jú lia mordeu os lá bios e desejou poder se desligar novamente de tudo aquilo, com a mesma facilidade com que se tinha ligado. Ela tinha de acreditar em Ross. Era necessá rio! A seguranç a que essa crenç a lhe inspirava tinha se tornado a coisa mais importante de sua vida. David partiu para Londres imediatamente apó s o almoç o, e sua despedida foi desajeitada. — Sou um tolo — disse pouco antes de ir, — Estraguei algo muito especial. Se eu tivesse permanecido em silê ncio, poderí amos ter continuado a ser amigos. — Ainda podemos — replicou ela, e teve consciê ncia, no momento em que pronunciou essas palavras, que as coisas nunca poderiam voltar a ser as mesmas. Ela sentira atraç ã o por David porque em certos aspectos ele era igual ao irmã o, mas em momento algum se tratara de uma emoç ã o que exigisse ser correspondida. Como as coisas se colocavam naquele momento, o alí vio que ela sentia por sua partida sobrepujava a má goa de perdê -lo, apesar de ela saber que sentiria sua falta nos dias que estavam por vir. A tarde lhe pareceu muito comprida e muito calma, a despeito do vento. Jú lia estava na cozinha quando o telefone tocou, à s trê shoras. Atendeu cheia de cautela e ouviu a voz de Ross, sentindo emoç õ es contraditó rias. — Fomos convidados para jantar — disse ele. — Lembra-se daquele casal jovem de quem falei, na sexta-feira? — Os clientes agradecidos? — perguntou, cora uma ponta de humor, e ouviu-o rir. — Alguma coisa no gê nero. Você gosta de comida chinesa? — Muito. — Foi o que eu sugeri, quando eles perguntaram. Nã o quis recusar o convite e, por outro lado, eles nã o tem condiç õ es de ir a um restaurante caro. Vamos encontrá -los para um drinque por volta das sete e meia. Está bem? — Sim, ó timo. — Hesitou, insegura quanto à sua reaç ã o. — Ross, David partiu há pouco. Acho que ele se cansou da vida no campo. Disse que ia ficar com um amigo, em um apartamento pró ximo a Lancaster Gate. — Sabia que estava dando explicaç õ es excessivas, e muito rá pido demais, no entanto nã o conseguia se controlar. — Pediu para dizer a você que logo dará notí cias. Fez-se um breve silê ncio, antes que Ross prosseguisse no mesmo tom: — Suponho que isso seja compreensí vel. De qualquer modo, ele ia embora no fim de semana. — Era difí cil decidir se isso era uma constataç ã o ou uma conjetura, — Você bem que podia ver se meu terno azul está em ordem. Lembro-me que da ú ltima vez que o usei havia uma mancha na lapela. — Mas você tem outros ternos — observou ela, dando-se conta subitamente de que falava exatamente como uma esposa, como qualquer esposa medianamente exasperada com a presunç ã o masculina de que era seu dever cuidar de tais coisas. — Tenho, sim. — Ele parecia estar se divertindo bastante. — Mas quero usar o azul. Combina muito bem com seus olhos. Vejo você lá pelas seis, Jú lia. Jú lia sorria enquanto desligava o telefone. Olhou-se no espelho, notou que seus olhos brilhavam e teve consciê ncia de que fora Ross que pusera aquele brilho neles. Por que ela continuava a duvidar dele? Por que ele deveria fingir que a amava, se isso nã o era verdade, quando as pró prias circunstâ ncias de seu relacionamento teriam facilitado romper com tudo, semanas antes? Nã o fazia o menor sentido agora. Era a primeira vez que se aproximava de seu quarto, rompendo a barreira da intimidade. A sra. Turner lavava, passava e guardava as roupas no armá rio, nã o encarando com bons olhos qualquer tentativa da ser ajudada, considerando essa intrusã o como uma desconfianç a em suas pró prias capacidades. Jú lia pisou no carpete castanho-avermelhado e abriu a porta do armá rio. Seu coraç ã o batia mais rá pido enquanto acariciava o tecido á spero de um paletó esporte que rescendia a tabaco e pinho, no momento em que ela aproximou o rosto. Ela vira Ross usá -lo uma ú nica vez, durante o primeiro fim de semana. Como tudo isso parecia distante agora... Nunca o tinha visto usar aquele carí ssimo terno azul. Pelo menos nã o se lembrava. Tirou-o do armá rio e pendurou-o na porta, de modo que a luz incidisse sobre o paletó. Sim, havia uma mancha na lapela esquerda, uma mancha avermelhada, mais ou menos no ní vel que sua boca alcanç aria, quando Ross o usasse. Ficou a contemplá -lo por algum tempo, tentando novamente romper com o vazio que invadia sua mente. Claro que era totalmente inú til. Tã o longe quanto sua memó ria podia ir, aqueles trê s meses ainda nã o existiam. Tudo o que ela sabia a respeito deles lhe tinha sido contado. Talvez isso fosse tudo que ela ficaria sabendo. Pô s de lado resolutamente aquele sentimento negativo que era o começ o de uma depressã o, pegou o terno e desceu as escadas. Havia um frasco de removedor de sujeira sob a pia. Uma simples mancha de batom nã o deveria trazer muitos problemas. Levou cinco minutos para apagar os ú ltimos traç os da mancha no tecido. Ao sacudir o paletó para ajudar a dissipar o cheiro, notou que um pedaç o de papel caí a do bolso de fora e dobrou-se para pegá -lo. Era uma pá gina retirada de um diá rio — um diá rio muito pequeno —, e trazia um nú mero de telefone escrito com letra inequivocamente feminina. Olhando-o, Jú lia sentiu algo dentro dela contrair-se novamente. E daí?, perguntou-se, em um desafio. Ross tinha muitos clientes, e alguns deles deviam ser mulheres. Aquele nú mero estaria provavelmente havia meses em seu bolso. Amassou a folha subitamente, fez menç ã o de jogá -la na lata de lixo, fez uma pausa e desamassou-a cuidadosamente. Nã o lhe pertencia para que pudesse jogar fora. Fosse ou nã o importante, ela pelo menos deveria mostrá -la a Ross. Mas como? Se ela a entregasse poderia parecer que estivera revistando seus bolsos. Talvezdevesse colocá -la em seu escritó rio e deixar que ele a encontrasse por si mesmo. E nã o se esquecer de observar as reaç õ es dele, sussurrou-lhe uma vozinha, ao mesmo tempo que se sentava na cadeira mais pró xima. Isso tinha que ter um fim. Simplesmente tinha que ter um fim! Nã o havia já motivos suficientes com que se angustiar sem permitir que sua imaginaç ã o se expandisse desenfreadamente, como estava acontecendo naquele momento? Finalmente acabou pondo o papel de volta no bolso e levou novamente o terno para cima, pendurando-o com todo cuidado e fechando a porta do armá rio. De volta a seu quarto tirou do armá rio um terninho de lã cor do â mbar-claro e estendeu-o sobre a cama, junto com as meias e uma muda de roupa de baixo. Tomaria um banho e se aprontaria antes que Ross chegasse, deixando o banheiro livre para ele. Ao consultar o reló gio ficou surpresa por notar que ainda eram quatro horas. Ross levaria duas horas para voltar para casa, portanto tinha ainda uma hora para começ ar a se vestir. Andou inquieta pelo quarto, olhou pela janela as á rvores que se agitavam e o cé u sombrio e lembrou-se de que Shan ainda nã o tinha saí do para seu passeio. Isso levaria mais ou menos uma hora. O cã o saudou-a com o alí vio e o entusiasmo de algué m que tivesse se considerado abandonado e esquecido, correndo à sua frente em direç ã o ao arvoredo e ao regato de onde era bombeada a á gua que regava o gramado. O vento a aç oitava enquanto ela avanç ava por entre as á rvores, penetrando em seu casaco. Tinha voltado a soprar forte. Era bem possí vel que caí sse uma tempestade durante a noite, o que certamente liquidaria com o que sobrara das rosas. Na parte da manhã elas estariam totalmente destruí das. Jú lia nã o tinha a intenç ã o de ir muito longe, mas Shan presumivelmente tinha outras idé ias. Pela primeira vez ignorou seu assobio, quando chegou a hora de voltarem para casa, e meteu-se por entre a escuridã o do arvoredo, na pista de algo que nã o se via e nã o se ouvia, mas que ele obviamente farejara, Ela o seguiu com resignaç ã o, sentindo a chuva trazida pelo vento, leve naquele momento, mas que ameaç ava engrossar, a julgar pelas nuvens que se adensavam no cé u. Maldito animal, pensou, por que ela escolheu um tempo daqueles para sair perambulando por aí? Assobiou novamente, ouviu-o latir excitado e foi em direç ã o ao som, tropeç andonas moitas de capim, pisando só Deus sabia em que e rezando para nã o dar um escorregã o. Quando finalmente chegou perto o cã o estava cavando um buraco, enfiando o focinho nele e rosnando. Jú lia falou com ele asperamente, afastou-o de lá, passou seu cinto no pescoç o do cã o, como se fosse uma coleira, e tomou o caminho de volta. Agora chovia a câ ntaros, seu rosto e mã os ficaram molhados. O vento soprava forte. Depois de se cobrir com o capuz pela vigé sima vez, desistiu. Seu cabelo simplesmente teria de ficar molhado. Chegando em casa, ela o lavaria e depois usaria o secador. Quando finalmente chegaram, ambos estavam encharcados. Jú lia pegou uma toalha, esfregou Shan, abriu a porta da cozinha, a fim de deixar o cã o entrar, e quase caiu, no mesmo momento em que algué m fazia o mesmo do lado de dentro. Ross segurou-a pelo cotovelo no instante em que ela tropeç ava, examinou-a de alto a baixo e afastou com certa rispidez Shan, todo excitado, com a outra mã o. — Você está tentando pegar uma pneumonia? — perguntou. — Você nã o devia ter levado o cã o para passear com um tempo deste. — Nã o estava assim quando saí mos — disse, passando a mã o pela fronte a fim de evitar que as gotas de chuva escorressem por seu rosto. — Pelo menos nã o chovia tanto. Você me deu um susto quando abriu a porta desse jeito. Por que nã o acendeu a luz? — Porque eu tinha acabado de entrar quando ouvi você s lá fora. Ele liquidou o assunto ao ver seu cabelo ensopado e sua roupa toda molhada colada no corpo, empurrando-a com firmeza para a porta do hall. — Já para cima, tomar um banho quente. Dê -me seu paletó, que eu vou pô r para secar. Jú lia abaixou o zí per, entregou-lhe o paletó e deixou os sapatos na soleira da porta, indo em seguida para cima. Começ ou a encher a banheira com á gua quente, a tirar as calç as e o sué ter e ouviu Ross, que subia as escadas e em seguida batia na porta. — Quando você terminar, venha para o quarto. Trouxe conhaque lá de baixo. — Estou bem —disse ela. — Nã o é a primeira vez que me molho. E nã o gosto de conhaque. — Nã o teime. Só pode lhe fazer bem. — Afastou-se antes que ela pudesse retrucar. Ele estava em frente à janela quando Jú lia entrou no quarto, uns quinze minutos mais tarde. O brilho da lâ mpada de cabeceira evidenciava a largura de seus ombros sob o paletó cinza-escuro. — Esta tempestade vai longe — comentou ele, sem se voltar. — Talvez fosse melhor telefonar e marcar o compromisso para uma outra noite. — Mas vamos estar de carro — observou ela apressadamente. — E foi você quem disse que nã o gostaria de desapontá -los. — Ela parecia estar um tanto aflita com a observaç ã o dele. — Talvez nã o tenham mais nenhuma noite livre. Finalmente ele se voltou e seus olhos percorreram o roupã o de Jú lia, sem mudar de expressã o. — Você lavou o cabelo — disse ele. — Será que vai ficar seco a tempo? — Se eu usar o secador, sim. — Jú lia pegou na mesinha de cabeceira o copo que continha o lí quido cor de â mbar e fez uma careta. — Nã o preciso disto. Nã o sinto frio, depois deste banho. — Nã o há de lhe fazer nenhum mal — retrucou com firmeza. — Tome. Um sorriso iluminou subitamente seu rosto. — Você está falando igualzinho a meu pai. — É mesmo? — Ele també m sorria, mas o tom com que falava era estranho. — Pois entã o faç a de conta que sou seu pai e pelo menos uma vez na vida obedeç a. E uma dose muito pequena. Era, de fato, e ela teve de reconhecer que se sentiu mais aquecida. Pousou novamente o copo, dessa vez vazio. — Assim é que é. — Ross tirou as mã os dos bolsos e caminhou em direç ã o à porta. — Eu també m vou tratar de me trocar. Talvez a gente vá demorar um pouco mais para chegar à cidade, guiando contra essa ventania que parece nã o ter fim. Parada no lugar onde a tinha deixado, Jú lia pô s-se a imaginar o que ela esperava na realidade — ou tratava-se de uma esperanç a? Havia passado cinco dias desde que ele a beijara no apartamento. Cinco dias, desde que tinham concordado em começ ar tudo de novo, ou pelo menos tentar. O que ele estava esperando? Que ela desse o primeiro passo? Nã o, pensou, ele nã o era do tipo que tirasse o corpo fora. Entã o por quê, por quê, por que ele nã o a havia beijado, ali, nessa noite, naquele quarto, quando desejava tanto que suaconfianç a nele fosse renovada? Ross nã o era tolo. Devia ter percebido suas emoç õ es durante aqueles ú ltimos minutos — mesmo que ela nã o estivesse totalmente segura delas. O efeito do conhaque já havia se dissipado no momento em que Jú lia ficou pronta e desceu as escadas. Sentia-se calma e com a cabeç a no lugar, como nã o lhe acontecia havia semanas. Ross já estava pronto, à espera na sala de estar, folheando novamente o jornal do dia com um copo de uí sque ao lado. Levantou os olhos quando ela entrou, aprovou claramente o vestido de cor â mbar e dobrou cuidadosamente o jornal, antes de pousá -lo sobre o divã. — Ainda temos uns cinco minutos — disse. — Nã o quer tomar um licor zinho? — Nã o quero misturar com o conhaque. — Abaixou-se para acariciar a cabeç a de Shan. — Você nã o vai se afastar muito da lareira hoje à noite, nã o é mesmo, rapaz? — Sem levantar a cabeç a, acrescentou: — Nã o podemos deixá -lo ficar aqui, Ross? Só hoje. Está uma noite tã o feia e tenho certeza de que se comportará bem. — Acho que daria um trabalhã o convencê -lo a ir lá para fora — Ross respondeu. — Vamos pra fora, Shan? — Riu, enquanto o cã o encostava a cabeç a nas patas dianteiras e lanç ava-lhe um olhar acusador, mantendo-se está tico. — Esse animal está completamen-te mimado, e sei muito bem de quem é a culpa! — A culpa é sua — replicou ela —, por querer me dar uma liç ã o. — Se era tã o importante deixá -lo ficar fora de casa você devia ter sido explí cito. O cachorro é seu. — E mesmo. — Havia algo de diferente em seu olhar. — Mas ele é um bicho muito compreensivo. — Levantou-se, tomou o casaco que ela tinha pousado no encosto do divã e entregou-lhe, com um sorriso no canto dos lá bios. — Está na hora de irmos. E tarde demais para recuar, por pior que esteja o tempo. E melhor você pô r um lenç o na cabeç a até chegarmos ao carro. Jill e Vincent Moore já estavam a sua espera no hotel onde tinham combinado se encontrar. Conforme Jú lia suspeitava, tratava-se daquele casal jovem que ela havia encontrado diante do escritó rio na ú ltima sexta-feira. Eram ambos mais ou menos de sua idade, haviam se casado havia uns dois, anos e no momento moravam com os pais de Jill. — No começ o, tudo bem, mas ultimamente as coisas estavamficando difí ceis para ambos os lados — confessou Jill. — Durante algum tempo procuramos um lugar que fosse só nosso para morar, mas na realidade nunca esperamos encontrar algo tã o bom assim. — Seus olhos se dirigiram a Ross, e por eles passou um lampejo de ansiedade. — Tem certeza de que eles nã o vã o mudar de idé ia, sr. Mannering? Estou falando sé rio. Nã o suportaria perdermos o negó cio. — Eles nã o mudarã o de idé ia — respondeu. — Nã o sã o esse tipo de gente. Você mesma deve ter se dado conta disso quando os conheceu. Algumas pessoas nasceram para embromar os outros, mas gente como os Fallows encaram um compromisso verbal tã o a sé rio como um contrato. Pare de se preocupar com isso. As coisas estã o indo muito bem. — Muito bem — disse ela sorrindo —, nã o me preocuparei mais com isso. — O que nã o era verdade, porque obviamente estava em sua natureza preocupar-se com tudo nos mí nimos detalhes, até que as coisas se tornassem realidade. Naquele momento, entretanto, mostrava-se satisfeita. — O senhor fez tanto por nó s. — Nã o mais do que a minha profissã o impõ e. E em relaç ã o aos Fallows que você devia se mostrar agradecida. — Mas estamos — interveio Vincent. — Muitos corretores teriam preferido persuadi-los a manter o preç o original, a fim de nã o sofrer um corte em sua pró pria comissã o. — Sim, bem... — Ross levantou a mã o e chamou o garç om. — Vamos deixar esse assunto de lado, está bem? Foi uma noite realmente agradá vel, se bem que um tanto singela. Jú lia ouviu os planos de Jill relativos ao mobiliá rio, tapetes e eventuais decoraç õ es novas, concordou que tais assuntos forneciam metade do prazer a uma mulher em uma casa nova e ficou admirada ao constatar que ela mesma nã o havia sentido aquela empolgaç ã o. O chalé agradava-lhe do jeito como era, a escolha de Ross era excelente e podia també m ter sido sua. Isso, supô s, fazia uma certa diferenç a. — Sabe, seu marido me inibiu um pouco a primeira vez que fomos encontrá -lo — confidenciou Jill, com uma franqueza que em parte era devida ao vinho e em parte à sua felicidade esfuziante, no momento em que foram ao toalete, — Só fiquei à vontade quando ele começ ou a falar. Algumas pessoas fazem você se sentir culpada por nã o ter economizado tanto quanto acham que você deveria, antes de começ ar a procurar uma casa, mas ele soube nos pô r à vontade. Nunca pensamos cm abrir uma caderneta de poupanç a em uma instituiç ã o que estivesse ligada a uma firma construtora, para assim termos uma chance maior de empré stimo quando surgisse a oportunidade, gozando també m de uma taxa menor de juros. A gente nem se preocupa com essas coisas, nã o é mesmo? E daí surgiu aquela decepç ã o quando nos perguntaram em relaç ã o à hipoteca. Eu quase chorei no escritó rio quando soube que precisarí amos de mais duzentas libras. É realmente muito dinheiro, sob qualquer ponto de vista, e nunca esperei que os Fallow reduzissem o preç o para nó s, quando podiam ter vendido facilmente a casa com aquele preç o pretendido para mais algué m. — Fechou o estojo de maquilagem com um gesto de satisfaç ã o, — Falo um bocado, nã o é mesmo? Vin sempre me diz que devo ter sido vacinada com uma agulha de vitrola! Jú lia seguiu-a de volta à mesa sentindo-se ligeiramente confusa. Duzentas libras, dissera, e no entanto Ross havia feito menç ã o a apenas cem. Tinha certeza desse fato. Portanto, quem teria contribuí do com a outra parte? O pró prio Ross? Nã o, disse a si mesma, nã o era possí vel. Ningué m no mundo dos negó cios — qualquer tipo de negó cio — era assim tã o generoso. Mais tarde, ao desejar boa noite aos Moore, Ross lembrou-se subitamente de que necessitava de mais algumas informaç õ es e pediu a Vincent que as escrevesse em um pedaç o de papel arrancado de sua caderneta de endereç os. Dobrou-o, colocando-o no bolso de fora, e ao fazê -lo encontrou a outra anotaç ã o, tirando-a para ler, Jú lia sentiu que quase chegava a prender a respiraç ã o, ao mesmo tempo que ele dava de ombros e a jogava displicentemente em uma cesta de lixo, antes de colocar a nova anotaç ã o no bolso. Entã o nã o passava disso. Ele provavelmente nem sequer se lembraria de que nú mero se tratava. A chuva havia parado, no momento em que chegaram ao desvio que levava a Marlowe. Jú lia espiou para fora enquanto o carro diminuí a a marcha, e pensou naquela noite de setembro quando a porta do carro se abrira e ela caí ra, sofrendo aquele acidente, justamente naquele lugar. Devia ter estado muito confusa, a ponto de se enganar de maç aneta, pensou, eram muito diferentes uma da outra. Desviou o pensamento daquele assunto. Tudo aquilo era umfato consumado. Era coisa do passado. Nã o iria permitir que isso a preocupasse agora.
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