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CAPÍTULO II



CAPÍTULO II

 

 

De repente, Khasim se virou e foi até a entrada da tenda, abrindo a cortina com um gesto brusco. Falou com alguém ali fora e saiu. Logo em seguida, uma jovem árabe entrou, com o rosto meio coberto por um véu, carregando uma caixinha de primeiros socorros até onde estava Diane. O criado de roupa branca a acompanhava, car­regando uma bacia grande, de cobre, cheia de água, só que ele seguiu até o outro extremo da tenda, separado por uma cortina vermelha. Deixou a bacia lá e voltou. Ficou parado, olhando para Diane, depois disse algo à garota que, em seguida, dirigiu-se a Diane em francês.

— Achmed está dizendo que a senhora precisa de roupas limpas, mas não temos roupas européias aqui. A senhora se importa se ele trouxer uma vestimenta oriental?

Diane suspirou de alívio ao ver que a moça falava uma língua conhecida, olhou para seu próprio corpo, e só então percebeu o estado em que estavam suas roupas. Amassadas e sujas. Qualquer coisa limpa seria melhor do que aquilo que estava usando, até um simples lençol para enrolar no corpo.

— Ah, é claro que não! Por favor, diga a Achmed que pode trazer o que quiser que eu vestirei com prazer. Pergunte-lhe também se minha roupa pode ser lavada e passada.

A garota virou-se para Achmed e traduziu o que Diane havia dito. Ele inclinou a cabeça e saiu da tenda. Diane, sentindo-se exausta e esgotada, aceitou, submissa, os cuidados da criada. A jovem árabe passou uma loção suave e oleosa no rosto de Diane. Seus dedos finos espalhavam o líquido com delicadeza, sem machucar a pele já tão castigada pelo sol.

— Amanhã, a senhora já vai estar se sentindo melhor. Sua pele não arderá mais, porém, com certeza, irá descascar.

— Obrigada você é muito gentil.

Então, Diane examinou a parte visível do rosto da moça. Os olhos eram grandes e castanhos, pareciam olhos de corça. Os cabelos negros estavam trançados e presos no alto da cabeça. Através do véu, Diane percebeu o brilho de uma pedra preciosa, colocada no canto do nariz dela. A jovem usava uma túnica floreada e, no pescoço, uma correntinha com um escaravelho.

— Venha, é melhor a senhora tomar um banho, assim po­derei passar a loção nas outras partes do corpo que foram afetadas pelo sol. Depois, vou enfaixar seu tornozelo.

— Ah! Adorarei tomar um banho!

Diane ergueu-se sem muita firmeza e, apoiada na criada, foi conduzida para o compartimento onde Achmed deixara a bacia. Ela estava cansada demais e emocionalmente abalada com tudo o que acontecera, por isso não protestou quando a moça começou a despi-la. Deixou que lhe tirasse a camisa, a calça, à roupa de baixo, depois entrou na bacia e permitiu que a outra a lavasse com uma esponja macia. Percebeu que a moça se espantou com a brancura de seu corpo, embora não tivesse dito nada. Era estranho ficar nua diante de outra jovem. Era difícil não sentir um certo constrangimento. No colégio interno, as garotas tomavam banho em boxes separados e eram obrigadas a usar um camisolão branco para esconder a nudez.

— A senhora tem coxas um pouco finas — disse a criada, com um sorriso. — Mas os seios tão bonitos compensam essa magreza.

O comentário deixou Diane espantada. Ela não tinha amigas íntimas e nunca ouvira coisas desse tipo, nem comparara seu corpo ao de outras garotas. Olhou para baixo e viu o contraste entre o colo, os braços, as mãos e o resto do corpo.

— Ah... como estou horrível! Pareço uma colcha de retalhos!

— Essa vermelhidão vai desaparecer. Aliás, acho que a se­nhora já deve estar se sentindo melhor... Foi muita sorte meu amo, o sheik Khasim, tê-la encontrado e trazido para cá, para o douar dele. Os europeus quase nunca vêem os riscos do de­serto, só seus encantos, enquanto nós, que somos parte dele, conhecemos bem todos os seus perigos. Ficar perdido no deserto sem ser encontrado por ninguém é um fim terrível.

Será que seria mais terrível do que cair nas mãos de um homem que a odiava porque seu sobrenome era Ronay?

— O sheik Khasim é um homem muito cruel? — perguntou Diane.

— Para os homens de Beni-Haran, ele é o todo-poderoso. Todos respeitam sua autoridade e admiram sua força e sua coragem.

— E as mulheres? — Diane não podia deixar de sentir cu­riosidade. — O que elas pensam dele?

— Todas gostariam de ter a honra de ser a preferida dele e de ter um filho, de preferência um menino, que garantiria a segurança da mulher.

— Ele não é casado? — Diane enrolou-se numa toalha, ao sair da bacia. — Pensei que ele tivesse umas quatro esposas, sem contar o harém cheio de garotas!

— O sheik Khasim ainda não escolheu esposas, mas ele tem um harém, é claro. Os chefes de outras tribos sempre lhe dão mulheres de presente, e ele até deu algumas delas em casa­mento para seus oficiais.

— Quanta honra! — Diane exclamou, com desprezo. — Quando se cansa de usá-las, o sheik as passa para outros, como se fossem roupas usadas!

— Ah, a senhora está completamente enganada! Meu amo Khasim só faz amor com uma mulher quando pretende guar­dá-la para si, e todos em Beni-Haran sabem muito bem que ele só dá esposas virgens para seus oficiais. Uma garota que não seja mais virgem não serve para ser esposa de um árabe, mesmo que ele não tenha boa posição social. Toda moça deve se manter casta para que, na noite de núpcias, apareçam no lençol os sinais de sua castidade. Esse lençol é bordado à mão pela noiva e é mostrado para a família do noivo na manhã seguinte à noite de núpcias, depois que fizeram amor.

— Que coisa primitiva! — Diane opinou, sentando-se no divã, ainda enrolada na toalha, enquanto a outra lhe enfaixava o tornozelo.

— É a lei do deserto. — A jovem árabe olhou Diane com cu­riosidade. — Com seu povo é diferente? Um homem europeu não se importa se sua esposa já dormiu com outros antes do casamento?

— Em alguns países, isso já saiu de moda, mas na França ainda se considera importante que uma jovem mantenha sua castidade até o casamento.

— Então a senhora ainda é virgem, não é? Acho que sim, porque se já tivesse dormido com homens não teria ficado tão envergonhada de ficar nua diante de mim.

Diane sentiu-se corar, embora não fosse possível perceber o rubor na pele queimada de seu rosto. Se sua virgindade era tão evidente assim até para essa garota, imagine então para o homem experiente que tanto a ameaçara! Um homem que governava uma tribo de árabes não teria escrúpulos em domar uma jovem rebelde e torná-la submissa às suas ordens! Ele poderia fazer o que quisesse com ela, e não havia ninguém nesse acampamento que fosse criticar sua atitude, principal­mente em se tratando de uma mulher.

A criada aplicou a loção nas outras partes queimadas do corpo de Diane com a mesma delicadeza.

— Qual é seu nome? — perguntou Diane.

— Yasmina, quer dizer jasmim em árabe.

— E um nome bonito e combina com você.

Após o banho e a massagem, Diane sentiu-se relaxar. Pelo menos por enquanto estava mais calma e contente de não estar perdida no deserto, à mercê da fúria da natureza. Ali no douar do sheik, ela estava sendo bem tratada e se sentia confortável e abrigada. Se conseguisse mantê-lo à distância, poderia até chegar a apreciar certos aspectos dessa estranha aventura.

— A senhora é muito gentil, obrigada.

Yasmina sorriu e pegou uma escova feita de casco de tartaruga, marcada com a letra "K", e começou a escovar os cabelos da es­trangeira. Diane ficou analisando aquele compartimento da grande tenda, que era o lugar de dormir. Sobre os belos tapetes, havia uma cama baixa e larga, coberta por uma colcha estampada. As poucas peças de mobília eram todas de madeira entalhada. Na mesinha-de-cabeceira, havia um lampião de cobre e alguns livros, Em uma das paredes de pano, estavam dependurados apetrechos de montaria. O lampião exalava um aroma agradável, como se fosse incenso. Tudo ali era estranho e exótico, igual ao dono.

— Vou ver se Achmed trouxe a roupa para a senhora — Yasmina disse e dirigiu-se para a divisão principal da tenda.

Diane levantou-se para ver se o tornozelo ainda doía, mas estava tão fraca que sentiu uma vertigem e caiu sobre a cama. Ainda estava estendida lá, mal coberta pela toalha e atordoada, quando entrou alguém.

O sheik parou perto da cama e ficou olhando Diane.

— Estava esperando por mim? — perguntou ele.

Por alguns instantes, ela pareceu em estado de choque, os olhos estavam bem abertos, mas o olhar estava ausente. Khasim trocara de roupa. Agora, vestia uma calça escura e uma túnica curta. Não usava mais o pano cobrindo a cabeça, preso com duas cordas, porém continuava imponente e intimidador. Os cabelos eram negros como o breu e bem curtos. Aos poucos Diane, recuperou-se e analisou-o à luz suave do lampião. Che­gou até a pensar que ele poderia ser bonito, não fosse a cicatriz do lado esquerdo do rosto. Era como se estivesse sonhando... Mas, então, ele prosseguiu, fazendo-a voltar a si:

— Como está se sentindo? Yasmina me contou que lhe deu banho e que enfaixou seu tornozelo.

— Estou bem melhor. — Diane esforçou-se para se sentar, e imediatamente ele estendeu a mão e ajudou-a.

— Porém, ainda está muito fraca. Também, não comeu nada o dia inteiro, não é? Vamos dar um jeito nisso, mas é melhor vestir isso antes. — Ele lhe estendeu as roupas. — Precisa de ajuda?

— Não. Posso me ajeitar muito bem sozinha! — Diane puxou a toalha, cobrindo-se melhor, e olhou para ele, desconfiada. Sem dúvida, o sheik estava zombando dela. Era um homem experiente e conhecia muito bem as mulheres. — Eu lhe agradeceria se saísse agora. Não estou acostumada a me vestir com platéia.

— Ora, não precisa bancar a tímida comigo! — Ele largou as roupas sobre a cama. — Já sei que meninas são diferentes de meninos.

— Ah, sem dúvida! — ela exclamou, enrubescendo. — Fui informada de que você possui um grande harém, só que não faço parte dele!

— Por enquanto, mas pode estar certa de que fará parte dele, sim.

Diane respirou fiando, indignada com tanta audácia. Em seu íntimo, sentia uma estranha perturbação que não sabia explicar.

— Conheço seu avô e sei que ele a guardou bem — Khasim continuou, com um riso gutural. — Aposto que a enclausurou, como se fosse uma freira. Entretanto, agora a pombinha voou do ninho e caiu nas garras do gavião!

Um arrepio percorreu o corpo de Diane, e, involuntariamen­te, ela se retraiu, diante da força viril que emanava do sheik.

— Não posso ser responsabilizada pelo que aconteceu antes mesmo de eu nascer... Não é justo!

— É justo, sim, embora pareça estranho. — Ele semicerrou os olhos, onde havia um brilho perigoso. — Quero que o coronel Philippe Ronay sofra como sofri quando amparei em meus braços minha mãe agonizante e vi a luz da vida apagar-se aos poucos nos olhos dela. Jurei que um dia o faria pagar por aquele sangue derramado, pelas lágrimas... E agora tenho em minhas mãos a melhor arma! Vou fazê-lo pensar que você está em poder dos selvagens barbudos que não respeitam mulher alguma... Seu avô não vai saber que está com o cádi de Beni-Haran.

— Considera-se superior a um selvagem barbudo, desses que andam pelo deserto? — perguntou ela, com desprezo.

— Tomo banho regularmente e não como com as mãos, mi­nha cara!

Diane estremeceu.

— Vovô é um homem velho agora. Ele é toda a minha fa­mília... Por favor, não pode ter clemência só uma vez? Que prazer isso vai lhe dar?

Ela se interrompeu, constrangida, percebendo que Khasim olhava fixamente para seu ombro nu, de onde a ponta da toalha escorregara. Ficou nervosa e tensa, a ponto de sentir as têmporas latejando. Como iria conseguir escapar desse lugar e desse ho­mem? Observou-o e pensou que aquelas mãos iriam tocar seu corpo assim que as queimaduras sarassem. Desviou o rosto brus­camente, como se quisesse afastar a idéia, mas não pôde deixar de admitir, no íntimo, que as mãos dele eram bonitas e bem-feitas, não eram grosseiras e não pareciam ásperas. Entretanto, estava aprisionada ali e sofria por antecipação ao pensar como o avô ficaria preocupado e como sofreria ao saber que ela fora raptada por um árabe que o odiava. Sabia que o avô se sentiria culpado por tê-la deixado viajar sozinha para lá. E a preocupação e a ansiedade poderiam ter um efeito desastroso sobre a saúde dele.

— Acho que ficará satisfeito por fazer meu avô adoecer, não é isso? Ele está velho e já não é mais forte como era, e sei que lamenta muitas coisas que teve de fazer quando estava no Exército.

— Só lamento ter precisado esperar tanto tempo para acertar as contas com ele. — Abruptamente, o sheik se abaixou e,segurando Diane pelos cabelos, forçou-a a encará-lo. — A lei do deserto é: olho por olho, dente por dente. Vou tirar o máximo proveito de você, minha cara, pode estar certa disso! Mas, por enquanto, quero só alguma coisa que possa provar a seu avô que está mesmo aprisionada aqui. — Khasim deteve o olhar no pulso dela, onde havia uma pulseira de ouro com um ma­caquinho de jade. — Foi ele quem lhe deu isso?

— Não... — A pulseira fora de sua mãe. O primeiro presente que Raoul dera a ela.

— Mas ele vai saber que é sua. Vamos, tire-a!

— Não.

— Então eu mesmo farei isso, pode deixar.

Ele a segurou firme pelo braço e, embora ela se debatesse, conseguiu retirar a jóia sem o menor esforço. Examinou por alguns instantes o macaquinho de jade, enquanto Diane o olha­va, tremendo de ódio.

— Seu bruto! Selvagem! E assim que consegue dominar as mulheres?

Ele lhe lançou um olhar fulminante, depois, bruscamente, segurou o braço dela e recolocou a pulseira.

— Acabo de me lembrar de algo melhor. Onde está a correntinha com o medalhão?

Diane lembrou-se de que ficara caída sobre o tapete, no mesmo lugar em que ele a jogara. Ela acabara se esquecendo de pegá-la. No entanto, encarou-o em silêncio. Ele a fitou por alguns instantes, em seguida estalou os dedos.

— Ah, já sei onde está! Pode deixar. Vista-se para jantar. Quem sabe depois de comer ficará menos teimosa.

— Posso jantar aqui, sozinha?

— Não. Jantará comigo na outra tenda.

E, antes que ela pudesse protestar, Khasim saiu e fechou a cortina vermelha. Diane ficou algum tempo olhando o vazio. Sabia que ele era um homem acostumado a ter tudo o que queria, principalmente das mulheres. Afinal, era o líder ali.

Instantes mais tarde, Diane pegou a roupa que ele deixara sobre a cama. Era um traje de odalisca de seda, em tons de amarelo. Havia também um par de sapatos de ponta virada.

Ela se vestiu, fazendo careta, pois o simples contato da seda incomodava sua pele sensível e ardida. Depois, analisou sua imagem num espelho e acabou achando graça. Os cabelos, loiros, e a pele vermelha não combinavam com a roupa. Estava longe de parecer uma sedutora figura de As Mil e Uma Noites, e, de certo modo, isso até era um alívio. Enquanto estivesse com essa aparência, não corria o risco de despertar o interesse do sheik.

Ela suspirou. Que situação! Ele não estava brincando, e não havia meios de impedi-lo. Sem dúvida, Khasim cumpriria as ameaças.

Sentindo-se ridícula naquele traje exótico, ela respirou fundo e encheu-se de coragem para aparecer diante dele. Com mãos trêmulas, abriu a cortina e passou. Ele estava em pé, perto da entrada. Diane viu a movimentação lá fora pela abertura da tenda. Havia fogueiras acesas e som de música. Ela já es­cutara composições musicais daquele tipo, mas ali, no deserto, com toda aquela atmosfera típica do douar, a cítara e a per­cussão pareciam criar sons mágicos.

Diane sentia-se completamente deslocada era a única estran­geira numa tribo árabe. Estava bem ciente dos perigos que poderia estar correndo, e o pior de tudo era que não tinha como se defender. O pequeno revólver que ela levava preso à cintura havia sido confiscado pelo sheik assim que ele a encontrara no deserto.

Ela ficou parada, olhando para ele, que, de onde estava, de costas para Diane, observava o acampamento. Ah, se ela tivesse uma arma nas mãos, ele não lhe daria as costas assim! Será que teria coragem de puxar o gatilho e matar um homem? Talvez não, mas não precisaria matar! Bastaria um tiro na perna... Ferido, Khasim não iria importuná-la, nem poderia cumprir a ameaça de possuí-la à força.

— Sente-se, não force seu tornozelo... — disse ele, por sobre o ombro, sem se voltar. — Assim, não vai sarar.

Diane caminhou com esforço até o divã e sentou-se entre as almofadas. Ele se virou e olhou para ela, analisando-a detalhadamente da cabeça aos pés, com um meio sorriso nos lábios.

— Fique tranquila — Khasim prosseguiu. — Não estou tão desesperado e carente para agarrá-la agora, do jeito que está. — Ele se aproximou, pegou os pés dela e fez com que ela estendesse as pernas no divã. Depois, tocou com delicadeza o tornozelo ma­chucado, como se o estivesse examinando. — E... foi uma torção grave! Como foi cair do cavalo? A neta de Philippe Ronay deveria ser boa amazona, já que o avô foi da cavalaria...

— E sou. Sei montar muito bem — ela falou. — É que surgiu uma nuvem de gafanhotos no oásis de Fetna, meu cavalo se assustou e disparou. Não estou acostumada à sela árabe, por isso ele conseguiu me jogar no chão.

— Ah... uma nuvem de gafanhotos? — O sheik semicerrou os olhos ao fitá-la. — Havia muitos?

— Milhares! — Diane estremeceu só de lembrar. — Cobri­ram tudo em poucos segundos, todos os arbustos e as plantas...

— Inclusive você, não é? Aposto como se emaranharam nos seus cabelos.

— Sim, um desses insetos horrorosos entrou pela gola da minha camisa — ela explicou. — Fiquei apavorada e me as­sustei tanto quanto o cavalo. Eles são horríveis, não são?

— Sim. São capazes de devorar uma plantação inteira em menos de uma hora. É melhor eu mandar avisar Shemara de que os insetos devem estar indo nessa direção. Temos uma grande plantação de tâmaras lá, além de figos e damascos. Não é nada fácil tornar fértil o deserto, e uma plantação dessas dá um trabalho tremendo! Não podemos deixar que todo esse esforço seja perdido. Esses insetos são uma praga! Agora, com sua licença, vou falar com um de meus homens. Não demorarei, mas se a comida chegar enquanto isso pode começar a comer, não precisa esperar por mim. Deve estar faminta!

Ele saiu da tenda e fechou a cortina da entrada. Diane ouviu-o dar ordens em árabe e adivinhou que mandara alguém ficar de guarda. Não podia ser porque quisesse evitar sua fuga, pois sabia que Diane não tinha condições de sair dali no estado em que se encontrava. Lembrou-se de que o avô lhe dissera certa vez que os árabes gostavam de guardar bem suas mu­lheres e mantê-las longe dos olhos dos outros homens. Então, sentiu-se prisioneira. Será que o sheik a mandaria usar um véu para cobrir o rosto também?

Pegou uma das almofadas de plumas macias, cobertas com tecido bordado com fios prateados, e abraçou-a. Era evidente que, mesmo estando no deserto, ele fazia questão de um certo conforto e luxo. Os tapetes, a mobília entalhada e os lampiões de cobre formavam um conjunto rico e de bom gosto que agra­dava a Diane, apesar de ela tentar resistir ao encanto. Não queria admirar nada que tivesse alguma relação com Khasim Ben Haran. Para reprimir a admiração, tentou se convencer de que o sheik, apesar de falar duas línguas européias e de ter um gosto refinado, não passava de um bárbaro, como os outros de sua tribo que nunca viram uma escola em toda a vida.

Empertigou-se ao ouvir um ruído lá fora, e, logo em seguida, a cortina foi afastada, e Achmed surgiu. Ele trazia uma bandeja de prata, que colocou sobre a mesinha perto do divã. Havia vários pratos cobertos com tampas de prata em forma de cú­pula, um bule de café e duas xícaras. Ao sentir o aroma da comida, Diane percebeu o quanto estava com fome. Fazia horas que estava com o estômago vazio e não poderia deixar de aceitar essa requintada refeição, embora achasse que, por uma questão de orgulho, deveria recusar.

Achmed olhou para ela e fez gestos indicando que era para ela se servir e começar a comer. Diane agradeceu, então ele inclinou a cabeça com delicadeza e se retirou para deixá-la à vontade. Serviu-se de costeletas de carneiro cozidas com ce­nouras, cebolas e ervas aromáticas. Nunca uma comida lhe parecera tão apetitosa, e ela comeu vorazmente. Limpou o mo­lho do prato com pedaços de pão preto que achou saborosíssimo. Depois, comeu uma fatia de melão e algumas tâmaras com mel. Em seguida, tomou café e repetiu, apesar de o ter achado forte. Agora, sentia-se menos fraca.

Estava comendo mais tâmaras quando o sheik voltou e, com movimentos ágeis e precisos, aproximou-se dela.

— Puxa, você estava com fome mesmo, hein? Ainda bem que jantei com Sayed Hamoud! Ele acabou de partir a cavalo para Shemara. Foi avisar sobre os gafanhotos, assim as árvores estarão protegidas, se os insetos chegarem lá. Essas tâmaras que está comendo são da nossa plantação. Também cultivamos café e quase tudo o que comemos aqui. Somos uma comunidade auto-suficiente em vários sentidos.

— E você é o senhor absoluto de tudo! — ela exclamou, sentindo os nervos se retesarem quando Khasim se sentou a seu lado e inclinou-se para pegar o bule de café.

— Sou o cádi da comunidade. — Ele tomou um gole de café enquanto a examinava com um olhar tão penetrante que Diane sentia como se estivesse sendo tocada. — Sou muito diferente da idéia que faz de um sheik. Não sou um homem ocioso que passa o dia reclinado entre almofadas, sendo servido por todos. Nada disso, minha cara, tenho minhas obrigações! Estou sempre cavalgando pelo deserto. Aliás, gosto muito do deserto... é excitante e imprevisível, parece infinito e fora do tempo. O deserto e o oceano têm muito em comum. Nesses dois lugares, um homem tem de ser muito cauteloso e prudente para so­breviver. Precisa aprender a entendê-los, mas, em compensa­ção, eles provocam no homem uma liberdade de espírito que a vida na cidade reprime e sufoca. O deserto está na alma do povo de Beni-Haran, apesar do sol, das tempestades, das cruel­dades... Somos filhos das estrelas e temos grãos de areia en­tranhados em nossas peles!

— Porém, você parece gostar de conforto — replicou Diane, abrangendo com um gesto a tenda. — Os tapetes são lindos, e a mobília parece bastante valiosa e antiga. Não vive no rigor espartano dos nômades, meu caro sheik Khasim.

— Numa tenda como a dos pastores nômades? — Ele a olhou, com um sorriso irônico. — Sou o cádi de meu povo e não posso viver com a mesma simplicidade deles, mesmo que quisesse! Você gosta da minha tenda... embora eu saiba que me acha odioso!

Diane baixou o olhar e mordeu o lábio, nervosa. Ainda sentia o gosto das tâmaras na boca. Os dedos estavam melados, e ela os lavou na tigela com água que estava sobre a bandeja.

— Já que é o cádi, não poderia ser mais gentil comigo... e deixar que eu fosse embora de seu douar amanhã cedo?

Ele ficou em silêncio por algum tempo, e, quando ela o encarou novamente, viu que a expressão do sheik se tornara sombria.

— Tenho de acertar contas com um velho inimigo, minha cara. E você não sairá daqui enquanto eu não tiver feito isso. Meu tormento só terá fim quando eu tiver massacrado os sen­timentos de Philippe Ronay, exatamente como ele massacrou o povo de Beni-Haran, pessoas inocentes que pagaram por um crime que não cometeram contra os colonizadores! Vou trans­formar a preciosa neta dele numa prostituta, numa dessas mulheres que vendem prazer pelas ruas. Depois que eu alcan­çar meu objetivo, poderá fazer o que quiser de sua vida.

Diane fitava Khasim, apavorada e fascinada ao mesmo tem­po. Na expressão de seu rosto, ela pôde ler todas as horríveis recordações que o atormentavam: a morte da mãe em seus braços, o sangue dela se misturando ao dele, que escorria do ferimento que lhe deixara a cicatriz. Só por ser uma Ronay,

Diane despertara nele o cruel desejo de vingança... Ela quase perdeu o fôlego quando o sheik se inclinou, aproximando-se dela. Teve a impressão de que ele iria esganá-la ali mesmo. Então, arregalou os olhos, trêmula.

— Sabe que não estou brincando, não é? — Ele estendeu uma das mãos e segurou o tornozelo de Diane que não estava machucado, apesar de ela ter tentado esconder as pernas sob as almofadas.

Em seguida, Khasim deslizou a outra mão, acariciando o peito dela.

— Não faça isso! — Diane tentou se esquivar daquele contato, mas, imediatamente, sentiu os dedos dele segurarem com força seu pé.

— Que pezinho pequeno... tão macio e sensível! Os pés das mulheres do deserto ficam chatos e grosseiros de tanto andar descalças. Porém, você foi bem tratada sem dúvida... Ainda não posso entender como seu avô foi deixá-la visitar o deserto sem uma acompanhante! E espantoso!

— E quem disse que ele deixou? — Diane indagou. — Já lhe falei que minha dama de companhia ficou em Dar-Arisi, e deve ter notado minha falta quando não voltei para almoçar no hotel. Você não pode me manter aqui, escondida...

— Acha mesmo que não? — ele replicou, arqueando as so­brancelhas, com ar de ameaça. — Pensa que eu não conside­raria a possibilidade de você ter uma dama de companhia em Dar-Arisi? Mas isso seria fácil de resolver. Poderia mandar um de meus homens lá para verificar isso. Acontece que já sei a resposta. Além disso, não acho que seja do tipo que gosta de fazer amizade com aqueles turistas barulhentos e chatos que ficam no hotel. Você deve ter outros interesses, não é? Afinal, é uma Ronay, e seu avô teve uma vida cheia de expe­riências interessantes! Aposto como gostava de ouvi-lo contar às aventuras que viveu. O grande herói de cavalaria, com suas medalhas militares numa caixa e a velha farda dependurada para que a neta a admirasse! Que romântico ter um avô que percorria as areias escaldantes do deserto montado em seu cavalo árabe! — O sheik fez uma pausa significativa e fitou os olhos de Diane. — Um homem com um passado desse vai saber o que imaginar quando receber o medalhão da neta junto com a notícia de que ela está nos confins do deserto, nas mãos do chefe de uma tribo que jurou fazer justiça por causa da morte da mãe e de inocentes.

Diane estava arrasada, mas não conseguia desviar o olhar daquele rosto moreno de traços arrogantes. Era como se esti­vesse sendo puxada para dentro dos olhos dele por uma força estranha. Sua proximidade era uma ameaça, e ela sabia disso, seu corpo de mulher lhe dizia...

— Será que não tem nem um pouco de piedade? — pergun­tou, com voz trêmula. — Será que é tão cruel assim, como quer parecer?

— O sentimento que tenho é forte demais, é brutal. Preciso satisfazê-lo até me sentir saciado para que fique livre dele. Vendo-a aqui, desse jeito, convenço-me cada vez mais de que o destino traça os caminhos que devemos seguir.

— No entanto, todos no acampamento sabem que estou aqui e devem estar esperando que você me devolva para minha gente...

— Minhas obrigações para com meu povo não têm nada a ver com minha vida privada, com meu relacionamento com uma mulher. Você me entende, não é?

Diane entendeu muito bem o que ele quis dizer e o que viu no olhar insinuante que Khasim lhe lançou. Sentiu-se descon­certada. Era perturbador estar ali, sozinha, com aquele homem de presença tão marcante.

De repente, o sheik começou a assobiar baixinho, num tom melodioso, e Diane reconheceu a música. Era Chanson d'un Coeur Brisé, que significava Canção de um Coração Ferido.

— Você se diverte com tudo isso, não é? Sente um enorme prazer!

— É claro. — Ele riu de maneira cruel. — Só Alá sabe quanto esperei por este momento! Apenas nunca imaginei que a opor­tunidade de vingança surgiria na forma de uma bela garota!

— Vingança... Você é um selvagem!

— O que disse? Como tem a presunção de querer me julgar?! Sei que é inexperiente e não conhece os homens, por isso não pode saber o que sou.

— Como já disse antes, sheik Khasim, basta um olhar para saber que é um ditador acostumado a ser obedecido e a fazer o que quer com as pessoas.

— Sem dúvida, posso fazer o quiser com você, sem o menor esforço... — concordou ele, com um sorriso insinuante, e colocou a mão sobre o ventre de Diane. Ela tremeu e se retraiu. —

Tocar o corpo de uma mulher é um deleite! A pele, as curvas... tudo é tão delicado sob as mãos rudes de um homem... Entre­tanto, poderia fazê-la em pedaços...

— Não — disse ela, meneando a cabeça. Não podia ignorar a mão cálida acariciando-a quase com delicadeza. — Você é bem mais sutil, sheik Khasim. Sei o que está tramando... Não pretende me bater ou me matar, e sim me devolver para meu avô com a alma ferida.

— Que garota esperta! — exclamou.

Diane tentava ignorar a mão dele que agora acariciava suas pernas, mas aquele contato a atormentava, e, num gesto brusco, ela se desvencilhou dele, encarando-o com os olhos bem abertos.

Khasim riu.

— Ah... esses seus olhos... parecem pedras preciosas. Que sorte a minha que você seja assim! Agradeço ao destino e a Philippe Ronay, Diane. Daqui a dois dias, mais ou menos, quando sua pele já não estiver assim, tão vermelha, vou adorar voltar para a minha tenda ao anoitecer e encontrá-la esperando por mim!

Essas palavras cravaram-se na mente de Diane, como se fossem punhais. Imaginou-se ali, esperando com medo o mo­mento em que ele a possuiria sem amor, para consumar a vingança pelo que havia sido feito a seu povo. E ela teria de pagar por isso. Talvez fosse mesmo seu destino.

 



  

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