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CAPÍTULO IVCAPÍTULO IV
Miranda voltou à hacienda com Rafael, no carro dele. Ela não queria ir e tinha certeza de que ele também não desejava levá-la. Mas Juan insistiu. Disse que precisava de tempo para conversar com a criança, para explicar-lhe a situação — e isso seria mais fácil sem a presença de Miranda. Para a própria Miranda estava tudo errado. Ela devia falar com Lucy, explicar as circunstâncias que a haviam conduzido até o vale, numa tentativa de despertar a mente imatura da criança para o que acontecera, sem tornar isso tudo doloroso demais para ela. Em vez disso, deixou Juan assumir o comando e, embora soubesse que Rafael se opunha a ele, não havia nada que pudessem fazer sem criar um clima de hostilidade. Lucy acreditava plenamente em Juan, agarrava-se a ele como um nadador a uma corda. E, embora Miranda compreendesse, não conseguia entender por que Juan tornava esse sentimento mais forte com suas próprias atitudes. Seu poder sobre a criança era tão grande que só ele conseguiria rompê-lo; só Juan poderia dirigir as ações de Lucy sem provocar reações histéricas. E ele parecia não ter intenções de diminuir esse poder... O padre, padre Esteban, era diferente. Queria apenas o que fosse melhor para a criança, e fora gentil e compreensivo com Miranda. Convenceu-a, após a apresentação, a ser paciente, a não esperar demais em pouco tempo. Lucy só tinha oito anos. Era natural que precisasse de uma âncora nos mares incertos em que se encontrava, mas que mais cedo ou mais tarde a natureza tornaria seu rumo e sua memória seria recuperada. Miranda o escutara atentamente, mas durante todo tempo a incerteza continuava crescendo dentro dela. Quanto tempo levaria a natureza para restaurar a memória da criança? Quanto tempo passaria antes dela se lembrar o que acontecera, que seus pais estavam mortos? Quantos meses seriam necessários ainda para que descobrisse sua identidade? E Miranda ia continuar aqui durante todo o tempo? À parte qualquer outra coisa, Mo podia se dar ao luxo de ficar. David concordara em lhe dar duas semanas de licença, mas depois disse... E, de qualquer forma, não podia aceitar a hospitalidade dos Cueras por tempo indefinido, e ficar mais do que duas semanas num hotel ou pension estava simplesmente além de suas posses... Um suspiro fraco escapou de sua garganta e ela atraiu a atenção de seu acompanhante. — O que há, señorita? A situação não está fácil como imaginava? — Sabe muito bem que não! — Miranda lançou-lhe um olhar impaciente. — Nem sei o que fazer. — O que está querendo dizer? Miranda suspirou novamente. — E se Lucy não se lembrar de mim? — Então tem certeza de que é Lucy? — Oh, claro! É Lucy, naturalmente. Mas... fez uma pausa — seu irmão não torna as coisas fáceis. — Achou que ele faria isso? — Não sei. Não sei o que esperava. Acho que não pensei na possibilidade dele estar tão apegado à menina. Foi o que tentou me dizer quando viemos, não foi? — Entre outras coisas — admitiu Rafael, secamente. — Meu irmão sente-se envaidecido pela devoção da criança. É uma experiência nova para ele. Passará. — Enquanto isso, o que devo fazer? — perguntou Miranda, virando as palmas das mãos para cima. — Não posso ficar aqui esperando Lucy recuperar a memória! — Por que não? — Por que não? — Miranda estava surpresa. — Señor, tenho um emprego e uma casa. Tirei duas semanas de licença para resolver os problemas de Lucy. Pelo menos metade desse tempo será necessário para arranjar as coisas quando voltarmos a Londres. — Uma estimativa otimista — Rafael sacudiu a cabeça. — Não é uma estimativa. É um ultimato! David, isto é, o sr. Hallam, meu chefe, exige eficiência. — Fala dele com muita familiaridade para uma funcionária — observou, com ironia. — Não! — Miranda soltou uma exclamação exasperada. — As pessoas não são tão... formais na Inglaterra. De qualquer forma, não é só isso. Não posso ficar mais do que duas semanas, mesmo que quisesse. — Por que não? — Se quer saber, não tenho condições financeiras. — Ficar na hacienda não vai lhe custar nada. — Talvez não. Mas não posso continuar lá! — Arriscando a me repetir novamente, por que não? Parece estar criando uma série de dificuldades quando a coisa é tão simples! Miranda gaguejou. — É fácil para o senhor dizer isso. Seu irmão talvez não pense assim. — Não pense assim, como? — Sobre minha permanência na hacienda. Como me disse, não tem parte nela. Seu irmão é o proprietário. — Ah! — Os dedos de Rafael se enrijeceram em volta do volante. — Bien, nominalmente é assim. — Nominalmente? — É uma coisa muito complicada, señorita. Só posso dizer que, se eu quiser que fique na hacienda, não tema, meu irmão não fará objeções. Miranda sacudiu a cabeça. — Preciso voltar. — Com... ou sem sua sobrinha? Os olhos de Miranda turvaram-se. — Acha que seu irmão a seguraria aqui? — Mesmo contra a vontade dela? Mas não será assim. Se... Lucy... não recuperar a memória, acho que não vai querer partir. Pelo menos, por enquanto. Miranda apertou os lábios para evitar o tremor. — Oh, que confusão! — Confusão, señorita? Lucy é feliz aqui. Isso deve significar algo, não? Miranda virou a cabeça e ficou olhando pela janela aberta. — É muito fácil o senhor dizer isso, não? — Mal via os campos de trigo que flanqueavam a estrada. — Mas o que vou fazer? — Acho que está sendo um pouco... precipitada, no? É cedo demais para começar a se preocupar com o que vai acontecer. A criança não se lembra de você. Precisa começar a conhecê-la de novo. Miranda sacudiu a cabeça. — E quanto tempo levará isso? Quanto tempo até Lucy desistir de... tudo isto? — Apontou para o céu azul acima deles; e o calor começava a fazer sua blusa grudar no corpo. — Quem sabe? — Rafael encolheu os ombros. — Poderia levá-la de qualquer jeito. — Poderia — concordou Rafael calmamente. — No entanto, acho que não devia forçá-la. Que começo seria esse para a vida em comum que pretende ter com ela? — O senhor é tão... tão prático, não? Mas não está envolvido, não é mesmo? Que pena que Lucy não esteja sob seus cuidados! Rafael diminuiu a marcha pois um pequeno rebanho bloqueava a passagem. O vaqueiro acenou e gritou, cumprimentando Rafael que se inclinou para fora do carro enquanto passavam, falando no patois nativo, totalmente incompreensível para Miranda. Depois, quando o gado ficou para trás, disse: — Por que supõe que eu seria mais condescendente se fosse o guardião da criança, señorita? Miranda olhou para as próprias mãos. Honestamente, não sabia. A impressão que Rafael lhe causara não fora favorável. Mesmo assim, por alguma razão inexplicável, achava que era um homem honesto, um homem que não usaria métodos escusos para conquistar o afeto de uma criança. — Não sei — disse, finalmente. Depois ergueu o olhar. — Por que seu irmão faz isso? Sabe que cedo ou tarde Lucy irá recuperar a memória. — Não posso responder por meu irmão, señorita. Talvez devesse perguntar a ele. Miranda voltou a contemplar as mãos. — Eu... não sei como. Oh, Deus, gostaria de saber o que fazer. Eu... eu gostaria que alguém... Pôde sentir as lágrimas querendo saltar dos olhos e esfregou o rosto com a mão, impaciente. O que estava acontecendo? Sempre fora capaz de contornar qualquer emergência — livre, independente, igual a qualquer homem. E, agora, sentia-se tão desamparada como um bebê de colo. Aproximavam-se do grupo de casas que parecia ser a rua principal da comunidade, com o armazém e o consultório médico. Para surpresa de Miranda, Rafael desviou o carro da trilha e abriu caminho entre as moradias desbotadas, com a perícia de quem conhecia o percurso há tempo. Crianças agachadas na lama, seminuas, gritavam enquanto ele passava e as mulheres paravam o que estavam fazendo para levantar a mão num cumprimento. Era óbvio que Rafael era bastante apreciado por ali, embora isso fosse natural sendo o irmão do patron, pensou Miranda cinicamente. Mesmo assim, perguntou-se onde a estaria levando e começou a pensar na reação de Juan quando descobrisse que não o estavam seguindo. O elegante conversível, com Juan na direção e Lucy pulando de excitação a seu lado, deixara o mosteiro antes do carro, pois Rafael se demorara conversando com o padre Esteban. Através das portas abertas das casas pôde ver o interior e apertou os lábios ao recordar a refinada elegância da Hacienda Cueras. Tanto luxo numa comunidade tão pequena era algo errado. Naturalmente, não disse nada a respeito. Deixaram as casas para trás e enveredaram por uma ladeira que conduzia ao rio. Aqui o ar era mais fresco. No alto da ladeira havia uma pequena construção de pedra, com telhado inclinado. As venezianas brancas estavam abertas, as janelas não tinham vidros e da porta pendia uma trepadeira com pequenas flores vermelhas. Rafael acelerou até a casa e desligou o motor. Miranda virou-se, para olhá-lo com surpresa, e ele flexionou os músculos do ombro com ar de preocupação, chamando inconscientemente a atenção para a cruz de prata pendurada numa correntinha que descansava sobre os tufos de pêlo em seu peito. Depois, ao sentir que ela o examinava, saiu do assento, dizendo abruptamente: — Venha! Vou lhe dar um pouco de café, señorita. — Esta é sua casa? — Sim, señorita. É onde moro quando estou aqui. Não é tão bonito como a hacienda, eu sei, mas é limpo e serve muito bem para mim. — Eu... eu não quis dizer, isto é, acho-a encantadora! — exclamou, sem jeito. Rafael não respondeu e precedeu-a no caminho até a porta. Uma passagem de pedra ia da frente até o fundo da casa, contendo diversas portas. Lá dentro estava fresco, depois do calor do dia, é havia um cheiro de café no ar. Rafael abriu a porta à direita quando entraram e mostrou uma pequena sala de visitas. O chão fora coberto com tapetes e havia um sofá confortável, uma escrivaninha e uma mesa. — Se quiser se sentar, não demorarei — sugeriu polidamente e Miranda não conseguiu dizer nada. No entanto, depois que ele saiu da sala, começou a andar nervosamente pela sala, abriu a porta que dava para o corredor e olhou para fora. Devia ter-se oferecido para fazer o café, pensou com impaciência por não ter tido essa idéia antes. Será que ele morava sozinho ou dividia a casa com alguém? Lembrou-se novamente do que Constância disse a respeito de Rafael pensar como um médico. Seria um médico? Aqui seria seu consultório e sua casa? E o que quis dizer quando declarou que essa era sua casa quando estava no vale? Onde mais ele morava? Não na hacienda, estava certa. Como a porta da sala de visitas estava aberta, caminhou pelo corredor. Todas as demais estavam fechadas, exceto uma, no final do corredor, ao espiar para dentro viu que era a cozinha e que Rafael estava aquecendo uma cafeteira elétrica num pequeno fogão a gás. — Posso ajudar? — perguntou e ele se voltou quase com irritação. Mas por quê? Ele a trouxera para sua casa. Não pedira para vir. — Não, posso me arranjar sozinho, señorita — recusou, brevemente. — Está quase pronto. Miranda vacilou. Podia sentir que não era bem-vinda. Mas como não conseguia entender por que, não via motivos para ser enxotada como um rato empestiado. — Mora aqui sozinho? — perguntou, correndo os dedos pela superfície áspera de uma mesa toda desmantelada que servia obviamente para trabalhar e comer. — Mais ou menos. — O que quer dizer com isso? Ele desligou a cafeteira quando começou a ferver. — Às vezes o doutor Rodrigues deixa um paciente sob meus cuidados. Tenho quartos de sobra. — E o senhor é médico? — Estou habilitado a escrever "doutor" antes do nome, se é isso que quer saber, señorita. Não entendeu a observação ambígua e ficou silenciosa por uns instantes enquanto observava Rafael despejar o café forte e quente em grossas canecas brancas. — Lamento não poder lhe oferecer porcelana chinesa — comentou ele, passando-lhe uma caneca e indicando a jarra de leite e o açucareiro sobre a mesa. — Por favor, sirva-se, Miranda colocou o açúcar na xícara e mexeu-o. — Está ótimo! — disse, forçando um sorriso educado. — Vamos voltar à sala, señorita? — Não, não há necessidade. —Sentou-se num banquinho de madeira ao lado da mesa. — Aqui está bem. Ele se apoiou na pia de pedra. Miranda o observava de soslaio e estava curiosa a respeito dele. Era atraente, é verdade, mas já conhecera homens mais bonitos. Então o que tinha ele que a tornava tão sensível àquela máscula presença? Por que seus olhos constantemente atraídos por um rosto tão pouco sorridente? Para um corpo tão rígido? Dava para ver os músculos de suas coxas tensos sob as calças justas de algodão — e reparou que as pernas eram longas e fortes. Olhou para dentro da caneca. O que faria se demonstrasse que o achava atraente? Seria divertido descobrir. Nunca conhecera um homem tão arredio a seus encantos. Depois, mordeu com força o lábio inferior. O que estava pensando? Não estava aqui para ficar imaginando flertes promíscuos com o mexicano de olhos escuros. Estava aqui para conseguir a confiança de Lucy, para levá-la de volta. Seguindo seus pensamentos, disse: — Então é da opinião de que eu devia esperar mais alguns dias para tomar qualquer decisão quanto a Lucy? Rafael tomava café, com a cabeça para trás, e os olhos de Miranda acompanharam a linha móvel dos músculos em sua garganta. Depois, abaixou a xícara e olhou para ela. — Naturalmente, cabe a você decidir o que acha melhor, señorita. Miranda ficou exasperada. — Precisa continuar me chamando de señorita? Por que não me chama de Miranda? — Meu irmão a chama de Miranda, señorita? — perguntou com voz grave e o nome dela dito por ele tinha um som curiosamente estranho. — Não, é claro que não. Mal conheço seu irmão. — Mal me conhece também, señorita. Tinha razão. Mas, por algum motivo, seu relacionamento com Rafael era diferente do que com Juan. Não entendia o motivo, mas estava começando a confiar em Rafael. — Eu... eu sinto como se já o conhecesse — disse, vagarosamente. — Não... não posso explicar exatamente, mas... bem, é diferente com o senhor, de alguma forma. — Miranda estava chocada com a dureza que suas palavras provocaram na expressão de Rafael. — Está enganada, señorita — garantiu ele, friamente. — Nosso relacionamento não é diferente, de maneira alguma! Aliás, devia estar confiando suas dúvidas a meu irmão, não a mim! — Jogou a caneca na pia. — E agora, se já terminou... — Ainda não. — Miranda franziu os lábios indignada. — E não consigo entender por que ficou tão zangado só porque lhe disse algo que podia ser tomado como um elogio. Rafael ficou de costas para ela, batendo na perna com dedos impacientes. — Não preciso de seus elogios, señorita. Os dedos de Miranda tremiam enquanto segurava a xícara. — Então, não entendo por que me trouxe até aqui, já que acha minha companhia tão desagradável! — Se quer saber, tive pena de você — disse roucamente, enquanto ela tomava fôlego. — Oh, oh, está bem! — Engoliu o resto do café de uma vez e quase queimou a boca. — Já acabei. Vamos embora logo. Rafael virou-se, as feições já recompostas, os longos cílios encobrindo a expressão de seus olhos e ocultando os sentimentos que ela sabia nada tinham de calmos. Apontou para a porta e saíram pelo longo corredor de pedra até o calor do dia lá fora. A viagem até a hacienda transcorreu em silêncio, mas quando ele parou o carro junto aos degraus baixos que iam dar no terraço, Miranda não resistiu. — De qualquer forma, obrigada pelo café. Gostei dele. E gostei de sua casa, também. Os olhos de Rafael se escureceram ao pousar sobre sua cálida beleza, demorando um pouco sobre a maciez da boca. Entretanto seu tom foi duro ao dizer: — De nada, señorita. Não foi nada. Teria partido naquele momento mas, repentinamente, a voz da mãe o deteve. — Rafael, Rafael, uno momento! Con te quiero hablar. Miranda afastou-se, enquanto dona Isabella descia majestosamente os degraus em direção aos dois. No entanto, nem olhou para Miranda dirigindo-se diretamente ao carro, falando em tom de reprovação com o filho. Não tinha idéia do que ela estava dizendo, mas era óbvio que algo tinha perturbado a velha senhora. Sentindo-se levemente demais, Miranda começou a subir os degraus em direção ao terraço. — Não vá, señorita. Desejo lhe falar. Miranda voltou-se, surpresa, e viu dona Isabella que se aproximava. — Sim, dona Isabella? — murmurou educadamente, parando num degrau a meio caminho. Rafael escancarou a porta do carro e saiu. — Madrecita, não deve interferir. Dona Isabella o olhou com ar de reprovação. — Rafael, isso já foi longe demais! Juan está apatetado com a criança. A srta. Lord deve levá-la de volta à Inglaterra imediatamente! Miranda olhou para cada um dos dois, a testa franzida sobre os olhos preocupados. — Dona Isabella, é exatamente o que pretendo fazer... — estava dizendo, quando foi interrompida por Rafael. — Señorita, minha mãe sabe muito bem que seria cruel separar a criança das pequenas coisas que se tornaram familiares para ela, atirando-a numa sociedade da qual não tem lembrança. — E o que você sugere, Rafael? — exclamou Dona Isabella, com voz trêmula. — Que dê tempo à srta. Lord de conhecer a sobrinha e ganhar sua confiança, para poder falar com ela sobre os pais. Dona Isabella soltou uma exclamação de impaciência. — Quanto tempo levará isso? Como pode a srta. Lord se aproximar da sobrinha, se Juan monopoliza sua atenção? Rafael suspirou. — Está tornando as coisas difíceis, madre mia. Não há urgência! Pelo menos — seu olhar pousou sobre Miranda — no que nos diz respeito, não é? — Então a srta. Lord deve ficar na hacienda? Rafael ergueu os olhos para o céu. — Onde mais poderia ficar? — Sei. Miranda sentiu-se mal. — Se houver algum outro lugar... — aventurou-se a dizer, mas Rafael recebeu tão friamente sua tentativa que ela ficou calada. — Vai ficar na hacienda, señorita. Não é assim, mãe? Dona Isabella olhou para o filho de maneira estranha. — Está dando ordens, Rafael? — perguntou em tom baixo e Miranda ficou atônita ao ver o espasmo de emoção que torceu o rosto do jovem. — Si. Si — murmurou ele, virando-se para entrar no carro. — Preciso ir. Prometi a Rodrigues que iria ver a criança de Calero. — E o que prometeu a mim, Rafael? — peguntou emocionada, apelando os lábios com um lencinho de renda. Rafael voltou-se para olhá-la com olhos torturados. — Eu... o que quer de mim? Dona Isabella ergueu a cabeça e Miranda desejou sumir da face da terra. — Quero que venha para a hacienda, Rafael. Prometeu que viria. Não mereço uma parte de seu tempo? Rafael atirou-se no assento do carro. — Hoje é impossível — exclamou, ligando o motor. — Então amanhã. — Ela insistiu. — Venha para o jantar. — Lançou um olhar a Miranda. — Tenho certeza de que a srta. Lord ficará contente em vê-lo. — Esta bien. Virei para o jantar — concordou brevemente e, sem uma palavra de despedida, foi embora. Nem bem Rafael partiu, um silêncio desagradável caiu sobre as duas. Sentindo que precisava dizer alguma coisa, Miranda estendeu as mãos. — Não sei como lhe agradecer por me deixar ficar aqui, Dona Isabella. A senhora olhou-a, depois começou a subir os degraus com passo pesado. — Não me agradeça, señorita. Não tenho autoridade aqui. — Mesmo assim, sou-lhe grata. Só queria que Lucy tivesse me reconhecido. — Eu também, señorita. — Dona Isabella passou por ela e continuou subindo os degraus. Quando chegaram ao terraço, perguntou: — Diga-me, señorita, onde foi com meu filho? — Com seu filho, Dona Isabella? Ora, fomos ao mosteiro ver Lucy, naturalmente. — Não Juan! — O tom de dona Isabella era de impaciência. — Onde foi com Rafael? — Ah! Ah, já sei. — Miranda sentiu que ficava corada e desprezou-se por permitir que essa mulher autoritária a intimidasse. — Nós... nós fomos à casa dele, señora, — Foi à casa de meu filho, señorita? Foi lá sozinha com ele? — Dona Isabella parecia terrificada. — Por que foi? Miranda percebeu um pouco tarde que aquilo era digno de reprovação sob o ponto de vista restrito de dona Isabella. — Eu... nós... tomamos café — retrucou, forçando um sorriso. — Eu... é uma casa agradável, não é? Pequena, mas atraente. E muito conveniente para os pacientes, acredito. Dona Isabella torceu os lábios. — Não conheço a casa dele, señorita. Pelo que me concerne, a hacienda foi e sempre será o lar de meu filho. Miranda enfiou desajeitadamente os polegares no cinto. — É... Bem, é sempre uma tristeza quando uma pessoa da família deixa o lar... — Não sabe o que está falando, señorita. — Dona Isabella foi quase rude. — Aqui não é a Inglaterra. A propriedade Cueras não é um dos seus modestos lares ingleses! Não faz idéia do que Rafael está abandonando! — Sinto muito. Só estava tentando explicar que toda mãe tem de encarar esse problema a uma certa altura da vida. E a senhora tem Juan para administrar a propriedade... — Como já disse, a senhorita não entende. — Respirou profundamente. — Desculpe. Alguns assuntos exigem minha presença. E, sem mais, afastou-se pelo terraço, uma figura pequena mas elegante no vaporoso vestido de voal que enfeitava as linhas miúdas de seu corpo. Depois que ela se afastou, Miranda também respirou profundamente. Por que tudo isso? Mexeu a cabeça sem conseguir entender nada. Tanta emoção, tantas coisas ditas pela metade! E só presenciara uma leve abertura. O que estaria escondido em águas mais profundas? O som da voz excitada de Lucy a distraiu. Vinha da parte lateral da casa e, com passos curiosos, seguiu a linha do terraço até que pôde avistá-los — Lucy, Juan e Constância, jogando bola no gramado que conduzia a uma piscina ornamental. Juan avistou-a imediatamente e levantou o braço para saudá-la: — Hola, señorita! — gritou. — Venha. Junte-se a nós! Miranda desceu os degraus que levavam ao gramado, decidida. Não adiantava deixar que as emoções conflitantes dos outros a influenciassem. Estava aqui por uma única razão: identificar Lucy e, depois, levá-la de volta à Inglaterra.
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