Хелпикс

Главная

Контакты

Случайная статья





Pale Dawn, Dark Sunset. Digitalização e revisão: Tinna. CAPÍTULO I



 

O Vale do Sol

Pale Dawn, Dark Sunset

Anne Mather

 

 

Miranda foi ao México verificar se a criança recolhida por uma missão católica era mesmo sua sobrinha Lucy, cujos pais tinham falecido num acidente. A criança estava em boas mãos: as de Juan Cueras, que gostava muito da menina. Juan era gentil e prestativo, mas foi seu enigmático irmão, Rafael, quem atraiu Miranda. E ela logo percebeu que teria problemas com Juan, por não querer separar-se da criança, e com Rafael, justamente pelo motivo contrário: ele parecia não se importar com o que acontecesse a Miranda e a sua sobrinha. E isso — essa indiferença — talvez fosse o mais difícil de suportar...

 

Digitalização e revisão: Tinna


 

 

Copyright: ANNE MATHER

 

Publicado originalmente em 1975 pela

Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra

 

Título original: Pale Dawn, Dark Sunset

 

Tradução: MARIA ANTONIETA SCARAVELLO

 

Copyright para a língua portuguesa: 1979

ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL - SÃO PAULO

 

Composto e impresso nas Oficinas da

ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAI.

Caixa Postal 2372 São Paulo

 

Foto da capa: ERIC BACH

 

 

CAPÍTULO I

 

O sol já estava clareando e um suave tom de rosa-pêssego tocava as nuvens macias que escureciam o horizonte. A cerração erguia-se das árvores com uma aparência fantasmagórica, enquanto o sino da pequena capela tocava o "Angelus". O ar estava frio, e ao aproximar-se da porta, Rafael respirou profundamente, sentindo frio apesar de estar suando.

Ainda podia ouvir os gritos agudos da criança e os protestos de alívio do pai. Que a mãe também estivesse viva, era mais a vontade de Deus do que a habilidade dos parteiros improvisados. Porque Franco Maqueras não sabia nada a respeito de partos, embora esta fosse a sétima filha que a mulher lhe dava.

De alguma forma, tinham sido bem-sucedidos e Rafael pôde sentir o cansaço se espalhando por todo o seu corpo dolorido. No dia anterior, dirigira cerca de cento e sessenta quilômetros até Sustância para participar da celebração da missa na nova catedral; mais tarde, no meio da noite, Franco viera bater à sua porta, implorando ajuda, em pânico, pois sua mulher estava para dar à luz e o médico encontrava-se a quilômetros de distância, em Pagueri. Rafael concordara em acompanhá-lo, para pôr em prática o que aprendera há muitos meses. Mas, apesar do sucesso, não sentia o menor orgulho; só cansaço. A camisa de algodão fino e a calça estavam grudadas no corpo e gotas de suor, agora geladas, corriam sobre os pêlos finos e escuros do peito. Tudo que queria era um chuveiro, roupa limpa e algumas horas de sono.

Mas era um luxo que não podia se permitir. Pelo menos não agora. Havia coisas mais importantes exigindo sua atenção. Enquanto refrescava o rosto e o pescoço na torneira do pátio, se lembrou que padre Domênico devia estar esperando por ele na capela, para ajudar na missa. Depois, ainda havia a mensagem deixada por Juan, na noite passada, solicitando sua presença na hacienda. Espreguiçou-se e pensou com cinismo se tinha feito bem em abandonar temporariamente os estudos na Cidade do México para voltar para casa, a fim de assistir aos funerais do tio. Sua mãe estava tão ansiosa por rever o filho mais velho, que ele não pôde recusar. O tio empenhara sua vida a serviço da fé e era lógico que o sobrinho assistisse ao enterro.

Isso tinha sido há quase dois meses, e, no entanto, ele ainda estava em Guadalima. Esperava ausentar-se do seminário por uma ou duas semanas, no máximo, mas as circunstâncias o haviam retido. Padre Domênico começava a contar com sua assistência, as pessoas das aldeias traziam a ele seus problemas, enfim, começava a envolver-se novamente...

Passou os dedos longos e finos pelos cabelos grossos. Logo, disse a si mesmo rapidamente, logo precisava voltar ao seminário para terminar os estudos e aceitar qualquer responsabilidade que lhe fosse confiada, assim que se tornasse membro do clero. Não passaria a vida ali, no fértil e remoto vale dos Chiapas, onde sua família vivera durante gerações. Ia viver a milhares de quilômetros, em alguma parte do vasto continente americano.

Virou-se para entrar na casa de um único quarto, onde os Maqueras e os cinco filhos que haviam sobrevivido moravam, comiam e dormiam. Franco Maquera estava na porta, as largas feições de mexicano abrindo-se num sorriso, e estendeu as grossas mãos de camponês num gesto extravagante.

— O que posso dizer, señor? — perguntou. — Estou muito grato pelo que fez. Sem sua ajuda... — Fez um gesto expressivo. — Estou em dívida, señor.

Rafael sacudiu a cabeça.

— Não, meu amigo, não me deve nada. Deve agradecer a Deus pelo parto de sua esposa. Nada fiz a não ser servir de instrumento.

— Oh, sim, señor, claro, señor! — Franco fez o sinal da cruz piedosamente. — Sabe, estou tão aliviado por Maria estar bem e a criança ser saudável, que não me expressei claramente. Se há alguma coisa que eu possa fazer, qualquer serviço que possa realizar para o señor...

— Eu sei, eu sei. — Rafael flexionou os músculos doloridos das costas e entrou no quarto, para ir buscar a jaqueta de algodão que tirara na noite anterior.

Maria Maqueras jazia prostrada entre as cobertas revoltas com o bebê parecendo uma pequena trouxa no xale a seu lado. Um gesto de impaciência escureceu por um instante o rosto de Rafael. Depois, levantou os ombros num gesto característico. Não cabia a ele questionar o fardo que essa boca extra a alimentar seria para a família. Essa gente aprendia a aceitar seu quinhão e a agradecer. Apenas algumas vezes tinham dúvidas a respeito da vida ser baseada em premissas tão precárias; logo, porém, reprimiam-se com determinação.

— Chamará o doutor Rodrigues assim que voltar? — confirmou com Franco e o homem assentiu.

— Claro, señor. Sem dúvida ele ficará feliz por ver que não precisamos de sua ajuda. — Movia a cabeça de um lado para o outro, filosoficamente.

Rafael assentiu, hesitando um instante ao ver a cor do rosto de Maria. Estava exausta. Em poucos dias teria que retornar suas tarefas de esposa e mãe junto ao marido e aos seis filhos. Como iria fazer? Como poderia lavar, limpar e preparar a comida com o bebê sugando cada grama de força dos seios magros? Cerrou os punhos. Isso não lhe dizia respeito. Podia sentir simpatia, compaixão; e era tudo. Não tinha alternativas a oferecer.

Depois de trocar mais umas palavras com Franco, atravessou o pátio onde galinhas esqueléticas ciscavam à procura de alimentos e entrou no carro sujo de poeira que pertencia à propriedade. Levantou a mão num gesto de despedida e ligou o motor com um soco.

Depois de pegar um atalho, chegou ao vale, que fora seu lar durante mais de trinta anos. Era sua herança, o patrimônio dos Cueras, administrado agora por seu irmão Juan.

Mas não o quis. Desde criança interessava-se mais em alimentar a mente do que o corpo. E as pessoas e seus problemas foram sempre sua principal preocupação. Ele e o pai haviam discordado muito a esse respeito. O patrimônio estava nas mãos da família por mais de trezentos anos, desde os tempos dos conquistadores. Seu antepassado, Alberto Cueras, era um homem rico e influente no velho país — a Espanha —, mas, depois de chegar a esse vale fértil, abandonou a idéia de voltar à terra natal. Construiu uma casa e fixou raízes, mandando buscar a esposa e os filhos. Nos anos seguintes expandiu sua propriedade, que era hoje a maior do distrito. Filhos mais velhos sucederam aos filhos mais velhos, sempre trabalhando para o patrimônio, sempre ganhando mais dinheiro, explorando os trabalhadores e usando suas mulheres para o próprio prazer.

Porém Rafael tinha se rebelado. Acostumado desde a infância a tomar o que quisesse como um direito seu, seguiu o exemplo do pai até que o próprio egoísmo o levou ao tédio. Ficou chocado quando soube que o pai tinha amantes; mas, sob a orientação dele, acostumou-se a conquistar as afeições de qualquer mulher que lhe passasse pela cabeça. Na verdade, não encontrava oposição. Sua boa aparência desarmava as doncellas mais relutantes e era sempre muito generoso com as mulheres que perseguia.

Depois foi para a universidade. Longe do pai, sua decência inata começou a se definir, e o estudo passou a ocupar cada vez mais o seu tempo. Durante as férias, a pobreza dos peons ou camponeses, as deploráveis condições de habitação, as doenças — tudo o que via o perturbava, até que não tinha mais nenhum traço de identificação com o inanimado pedaço de terra que herdara.

Nem sabia o que teria feito se o pai ainda estivesse vivo. Sabia que sua decisão de abdicar à fazenda o teria espantado. Mas o pai morrera de um ataque cardíaco, enquanto Rafael estava fora, estudando Medicina. E, naturalmente, seu irmão mais novo, Juan, que nunca mostrou tendências intelectuais e que estava na hacienda na época da morte do pai, assumiu a administração.

Depois disso, ao menos por algum tempo, sentiu-se contente. Já podia praticar a Medicina e as coisas estavam correndo bem. Mas a mãe começou a ficar preocupada, aconselhando-o a casar-se, pois já era tempo de ter filhos para continuar a linhagem dos Cueras, e isso o deixou agitado. Rafael não tinha vontade de se casar, de ter filhos. A decadência da juventude o marcara e as belas garotas espanholas destinadas a seu prazer não lhe despertavam o interesse sexual. Pelo contrário, duvidava seriamente de que alguma mulher ainda pudesse atraí-lo. Além disso, queria servir à comunidade, não à sua família. De modo que, apesar das lágrimas e recriminações da mãe, à dúvida sucedeu o seminário...

Agora o carro estava atravessando a planície cortada pelas águas impetuosas do rio Lima. Em ambos os lados do rio estendiam-se acres de campos de trigo e milho. Uma luxuriante vegetação elevava-se no vale, interrompida aqui e ali pelos telhados de palha das casas dos camponeses.

Do outro lado do vale, no ponto mais alto de uma ladeira, pôde ver os muros de uma construção mais imponente. Era a Hacienda Cueras, o lugar onde nascera, onde vivera até ir para a universidade, onde viviam sua mãe, irmão e irmãs mais novas. Por enquanto, teriam de esperar por ele mais um pouco.

Atravessou o rio por uma ponte de madeira, cujas ripas já consertadas testemunhavam as numerosas ocasiões em que a ponte quase fora varrida pelas águas da chuva. Podia ouvir os sinos da capela, cada vez mais persistentes. À sua frente, entre as árvores, a Capela dos Inocentes parecia uma noiva vestida para o casamento. Seus muros cinzentos estavam cobertos de flores vermelhas e brancas, pequenas flores em forma de estrela, com as cores da Eucaristia. Logo pôde ver mulheres que subiam os gastos degraus de pedra, trazendo as cabeças cobertas por lenços pretos, e sentiu um tranqüilo bem-estar que sempre lhe vinha quando cumpria o dever. Era isso o que queria, disse a si mesmo. Tudo o mais vinha em segundo plano.

Mais tarde, quando o sol estava alcançando seu apogeu, Rafael entrou pelos grandes pilares de pedra que levavam às terras da hacienda. Embora ainda fosse cedo, as venezianas já estavam abertas e havia no ar um cheiro de cera de abelhas, que ele sempre associava aos assoalhos brilhantes. Lembrou-se de como escorregava neles quando era criança, provocando a zanga de Jezebel, a empregada que sempre sabia a quem culpar ao encontrar marcas de pés enlameados toldando a superfície brilhante. Jezebel, Rafael sorriu. Quem escolheu seu nome prestou pouca atenção ao significado.

Entrou no amplo saguão e olhou à sua volta com satisfação. Era uma bela construção antiga que sempre lhe agradara. Este saguão, as duas salas anexas e a galeria acima eram o que restara da construção original; o resto tinha sido modificado e reconstruído através dos anos, e hoje a casa se estendia por meio acre, tendo praticamente dois andares. Á mobília, antiga na maioria, tinha a patina dos anos, mas sua elegância desbotada combinava bem com a madeira trabalhada pesadamente e os ferros barrocos.

— Señor Rafael! — A voz da empregada tinha um tom caloroso e devoto. No que dizia respeito a ela, Rafael ainda era o dono.

— Bom dia, Jezebel. — Rafael olhou amorosamente para a velha nativa que servia sua família há mais de trinta anos e que ainda dirigia a casa com bastão de ferro. — Recebi um recado de que Juan queria me ver. Sabe onde ele está?

Jezebel reparou nas marcas de olheiras em volta dos olhos do jovem.

— Você não se cuida bem naquela pequena cabana na aldeia...

— Não é uma cabana, Jezebel — protestou suavemente. — Onde está meu irmão?

— Señor Juan está tomando café no pátio, señor. Já tomou café?

— Para ser franco, não. — Rafael sacudiu a cabeça.

Jezebel olhou com reprovação.

— Viu? Não come, não dorme...

— Jezebel, tive de trabalhar ontem à noite!

— Ay, ay! — Jezebel balançou a cabeça. — Claro! Eu me lembro! Foi a mulher de Maqueras, não foi? Estava na hora. O marido veio aqui procurá-lo ontem à noite, bem tarde!

— É isso mesmo! — Rafael ergueu os ombros num gesto de preocupação. — Maria teve outra filha. E, agora, preciso ver Juan.

— Vou levar-lhe café e croissants, señor — insistiu Jezebel, decidida.

Rafael concordou com a cabeça, passando por ela com um leve sorriso. Atravessou a entrada em arcos e dirigiu-se à sala de recepções que se abria para um pátio no fundo da casa.

Juan Cueras estava sentado numa cadeira de junco perto de uma mesa com tampa de vidro. Parecia-se com Rafael, mas era diferente. Rafael era alto, magro e moreno, com as feições bem marcadas. Juan não era tão alto, nem tão magro; mas havia semelhanças entre eles. na cor da pele, na curva das sobrancelhas, na boca pequena e firme. A boca de Juan talvez fosse um pouco mais carnuda, ligeiramente mais sensual, o que não causava espanto num homem que não compartilhava do desejo de pureza do irmão.

— Bom dia, Rafael! Vejo que recebeu meu recado.

— Você duvidava? — Rafael deixou-se cair na cadeira à frente do irmão. — Agradeceria se fosse breve. Tenho muito que fazer hoje.

Jezebel apareceu com uma bandeja carregada, colocou-a sobre a mesa, servindo mais café, creme e açúcar, croissants e anéis de manteiga, além de geléia de damasco.

— Agora faça uma boa refeição, señor — disse severamente, lançando um olhar nada respeitoso para Juan. — Por uma vez, seu irmão pode lhe dar um bom exemplo!

Rafael escondeu um sorriso enquanto pegava obedientemente um croissant e passava um pouco de manteiga. Jezebel esperou um instante até se certificar de que ele pretendia mesmo comê-lo, e depois foi embora, resmungando contra qualquer pessoa que negligenciasse as necessidades básicas da vida.

Juan esperou até Rafael começar seu segundo croissant, depois disse:

— Gostaria que me fizesse um favor, Rafael.

— Sim?

— É. — Juan procurou sua caixa de charutos. — Você se lembra da criança da missão, não é?

— A menina inglesa? Claro. — Rafael franziu a testa.

— Bem, parece que seu nome é Lucy Carmichael.

— Parece?

— Isso mesmo. Como a criança aparentemente esqueceu seu nome, é impossível dizer exatamente quem ela é. Mas a bordo desse avião que caiu há algumas semanas, havia uma família chamada Carmichael: mãe, pai e uma menina de cerca de oito anos.

— Sei. E você pensa que pode ser a criança que Benito Sanchez encontrou?

— Bem, pode.

— É possível! Onde caiu esse avião?

— Nas montanhas, a mais ou menos trinta quilômetros daqui.

Rafael enxugou a boca com o dorso da mão.

— Parece bastante difícil.

— Não deixa de ser uma possibilidade. Infelizmente, as autoridades insistem que eu investigue essa possibilidade.

— Infelizmente? — Rafael estava intrigado.

— Sim, infelizmente. A criança ficou minha amiga, veio me visitar aqui diversas vezes.

Rafael recostou-se na cadeira olhando o irmão com os olhos apertados, e Juan notou com inveja que Rafael emanava uma aura de sensualidade sem fazer nada para isso. E não era justo, já que estava para negar até sua própria masculinidade.

— Mas quais eram suas intenções? — perguntou, com curiosidade. Juan suspirou.

— Não sei. É muito cedo para dizer. Talvez a adoção.

— Adoção? — Rafael ergueu os ombros em sinal de surpresa. — Mas ela pode ter parentes!

— E tem. — Juan levantou-se com a expressão irritada. — Por isso preciso de sua ajuda.

— Minha ajuda?

Juan soltou baforadas impacientes.

— As autoridades descobriram que existe alguém... uma tia, irmã da mãe da criança, que vive na Inglaterra.

— E foi informada da possibilidade de sua sobrinha ainda estar viva?

Juan assentiu com a cabeça.

— Sim, foi. E é nisso que você pode me ajudar.

Rafael franziu a testa.

— Sim. — Juan passou a língua nos lábios. — Essa mulher está a caminho de Guadalima para ver a criança, para averiguar pessoalmente se é na verdade Lucy Carmichael.

— Sei... — Rafael inclinou a cabeça. — Mas como posso ajudar?

— Espere, espere! — Juan estava obviamente encontrando dificuldade em traduzir seus pensamentos para o irmão. — Sabe, Rafael, é assim. Essa mulher... seu nome é Lord, srta. Lord, vai chegar da Inglaterra amanhã. Eu... bem, eu quero que vá a seu encontro!

— Eu? — Rafael estava atônito. — Por que eu? Onde ela vai chegar?

— Na Cidade do México, onde mais?

— Juan! — Rafael olhou incrédulo para o irmão. — Não está falando sério! Não posso ir à Cidade do México para encontrar essa mulher. Ela não me conhece. Mal conheço a criança. Se deseja vê-la, vá você mesmo.

Juan atirou-se para trás na cadeira. Deu um profundo suspiro e estendeu as mãos num gesto expressivo.

— Pede que eu faça isso? — Sacudiu a cabeça. — O que vou dizer a ela?

— E o que eu vou dizer? — retrucou Rafael, secamente.

— Para você é diferente! — exclamou Juan, inclinando-se para o irmão novamente. — Você está acostumado a falar com as pessoas. Tem... autoridade. Além disso, domina o inglês melhor que eu.

Rafael serviu-se de café.

— E foi por isso que mandou me chamar?

— Foi.

Tomou um pouco do café preto com ar de reflexão.

— Não compreendo — disse, finalmente. — Por que as autoridades não dão um jeito de trazer essa mulher a Guadalima?

— O padre Esteban, da missão, deixou o caso em minhas mãos.

— Sei. E o que espera conseguir?

Juan ruborizou-se levemente.

— Conseguir? É uma palavra curiosa, Rafael. Cheira a conspiração.

Rafael sacudiu a cabeça.

— Pelo contrário! O que você quer fazer por essa criança é admirável. Não posso acreditar que Valentina receba bem uma criança já pronta em seu lar.

— Valentina e eu ainda não estamos casados, Rafael.

— Não. — Rafael concedeu-lhe esse ponto, hesitante. — Mesmo assim, sabe-se que isso é esperado.

Juan fez uma carranca.

— Vai encontrar-se com a mulher? Madre de Dios, Rafael, o que eu poderia dizer a uma solteirona de meia-idade? Como poderia explicar-lhe o que sinto pela criança? Se ela for mesmo essa Lucy Carmichael, como posso persuadi-la de que a criança seria mais feliz aqui conosco do que lá naquele país frio e insensível onde nasceu?

Rafael deu um meio-sorriso.

— Acho que está sendo injusto, Juan — comentou brandamente —, não sabe nada a respeito da Inglaterra. Além disso, a criança pode ficar contente em voltar para a tia, ou um parente próximo. E ver a tia novamente talvez lhe restaure a memória.

— Eu sei, eu sei. Acha que não pensei nisso? — Juan parecia impaciente. — É por isso que quero que você fale com essa mulher, essa srta. Lord. Quero que lhe fale a meu respeito, para explicar-lhe que não tenho más intenções com relação a sua sobrinha. Quero que lhe diga que a própria criança gosta de mim, que a acho encantadora. E que levá-la de volta sem antes considerar o que ela pode estar perdendo seria... precipitado.

— Em outras palavras, quer que eu enalteça suas qualidades — retrucou Rafael, com ironia. — Acha que ela vai encarar com mais simpatia a possibilidade de deixar a criança aqui?

Juan tamborilou com as unhas sobre o vidro da mesa, com irritação. Do outro lado do pátio, um jardim cercado de rosas emanava uma fragrância deliciosa e pássaros zunidores competiam com as borboletas em cores. Voltou-se novamente para o irmão.

— E você, Rafael? Não acha que a criança seria mais feliz aqui, entre todas essas coisas? — Estendeu as mãos novamente. — Essa mulher... essa tia, provavelmente não pode dar a ela o que eu posso.

— Como sabe?

— É óbvio. As roupas da menina... as coisas miseráveis que estava usando quando foi encontrada não são trajes de uma criança rica. As reações a tudo que tenho feito por ela não são as reações de uma criança habituada ao luxo.

— E ela não poderia ter esquecido essas coisas, também?

— Não. Das coisas do cotidiano, ela se lembra. Esqueceu os detalhes pessoais. — Juan esmagou o toco do charuto no cinzeiro de ônix. — Os médicos acreditam que ela vai se recuperar. É apenas uma questão de tempo. Mandei buscar Delgado na Cidade do México.

— Ramon Delgado?

— Sim. Conhece-o?

— Estivemos juntos na universidade.

— Ah! — Juan torceu os lábios. — Bem, como dizia, Delgado é de opinião que é só uma questão de tempo, para que recupere totalmente a memória. Não é preciso dizer que essa notícia me traz sensações estranhas. Naturalmente, quero que recupere a memória. Mas tenho medo de que essa mulher venha, estimule a memória da criança e depois a leve embora, sem dar a ela a oportunidade de escolher.

— Mas você diz que a criança tem apenas oito anos.

— Isso mesmo.

— Então como pode saber o que é melhor para seu futuro? Juan, tem de aceitar que é muito difícil ajudá-lo.

— Não, não aceitarei isso. — O rosto de Juan estava inflexível. Virou-se novamente para o irmão. — Rafael, peço-lhe muito pouco... certamente não é muito pedir-lhe que me ajude nisso...

— Não vejo como poderei mudar alguma coisa.

— Rafael, você tem influência. Não pode usá-la? A influência de sua posição?

Rafael sabia que chegariam a isso.

— Juan — disse, pacientemente. — Juan, não tenho influência. Ainda não sou nada.

— Mas logo será. Já ajuda padre Domênico...

— Mas apenas numa função leiga! — Rafael sacudiu a cabeça, afastando a xícara e o prato sujo. — Essas pessoas, os Carmichael, eram católicas?

— Eu... não! Acho que pertenciam à Igreja da Inglaterra.

Rafael deixou cair a mão pesadamente sobre a mesa.

— E você espera que essa mulher deixe a sobrinha, a única sobrevivente da família da irmã, com você, o irmão de um homem que está prestes a tornar-se sacerdote da Igreja Católica Romana?

— Então não vai me ajudar?

— Não vejo como poderia.

— Então não está me escutando, Rafael. O que essa mulher... essa tia, pode dar à menina? Não é nem casada! Não tem a ajuda de um marido. É secretária ou algo parecido numa firma em Londres. Não tem dinheiro, nem influência, nem posição na sociedade!

— Essas coisas não são tão importantes para algumas pessoas — salientou Rafael, rapidamente. — Não estou falando apenas por mim. Se essa mulher vive só, pode desejar a companhia da menina.

— Mas como vai poder cuidar dela? Se trabalha o dia todo, como vai arranjar-se? Supondo sempre que, tenha condições de sustentá-la...

— Se quer mesmo ajudar a criança, poderia eventualmente oferecer-se para sustentá-la.

Juan olhou fixamente para Rafael, atônito.

— Não! Não, não poderia fazer isso.

— Foi apenas uma sugestão, nada mais.

Juan parecia pensativo.

— Não, vai nem ao encontro dessa mulher? — perguntou, num apelo. Fez uma pausa. — Pode ser que consiga persuadi-la a mudar de idéia...

O rosto de Rafael tornou-se sombrio.

— Juan! Não está pensando em oferecer-lhe dinheiro, não é?

Juan moveu-se, pouco à vontade.

— Eu disse isso?

— Estava implícito em suas palavras. — Rafael endureceu o queixo, jogando-se para trás na cadeira. Depois, se levantou repentinamente. — Muito bem, vou encontrar sua srta. Lord. Mas só vou porque temo que, com minha recusa, você pense em algum outro jeito de ficar com a criança. — Balançou a cabeça. — Nunca o vi tão obcecado por qualquer outro ser humano.

Agora que conseguira o que queria, Juan pôde sorrir.

— Não chamaria a isso de obsessão, Rafael. Eu gosto da criança, admito isso. Agrada-me saber que me trata como o pai que perdeu. É uma sensação agradável sentir-se o centro do mundo de uma criança.

— E quando ela recuperar a memória? O que acontecerá? A perda dos pais terá que ser encarada, mais cedo ou mais tarde.

— Eu sei. Mas espero que até lá a vida que lhe dei aqui compense.

— E se isso não ocorrer?

— Encararemos essa contingência. Se, e quando, ela ocorrer. — E depois: — Agora, vá ver nossa mãe, sim? Sabe que lhe partiria o coração se soubesse que visitou a hacienda sem passar um tempo com ela.

Rafael assentiu, enfiando as mãos nos bolsos traseiros da calça. Teria preferido deixar a hacienda imediatamente, voltar a sua própria casa e meditar sobre os inquietantes aspectos da situação, enquanto tomava banho e trocava a roupa. Mas não seria possível.

Sua mãe ainda estava na cama quando ele entrou no quarto em frente à escada. Era um belo aposento, o chão coberto de mosaicos com tapetes cor de canela e ouro. Amplas janelas davam para um terraço, ornamentado com ferro batido, que ficava sobre o pátio; uma brisa suave agitava as cortinas de chiffon cor de limão. A cama de quatro colunas era esplêndida: dizia-se que datava do século XVIII e era ampla e confortável; a mãe de Rafael estava apoiada em macios travesseiros. Uma bandeja com o café da manhã já tomado fora posta de lado e ela lia um jornal; à entrada do filho, jogou-o rapidamente para o lado e estendeu-lhe ambas as mãos.

Rafael cumprimentou-a afetuosamente, segurando-lhe as mãos e abaixando-se para beijar-lhe a face perfumada. Depois endireitou-se e ficou de pé diante das portas abertas do terraço.

— Então você vai à Cidade do México encontrar a mulher, Rafael — observou dona Isabella suavemente.

— Você ouviu?

— Era impossível não escutar. Juan é tão veemente! — Sua mãe suspirou, segurando o lençol de seda. — Você acha que ele não deveria fazer isso?

— Só temo... — Sacudiu a cabeça. — Juan tem idade suficiente para tomar suas próprias decisões.

— É mesmo? Tenho dúvidas a esse respeito. — Olhou de modo penetrante para o filho mais velho, e uma expressão preocupada fechou seu rosto. — Rafael... Rafael, se você for à Cidade do México, vai voltar, não vai?

— Claro. De que outra forma essa mulher vai encontrar o caminho? Mas logo, logo preciso voltar para o seminário.

— Não tão cedo, Rafael, não tão cedo.

— Estou aqui há dois meses! — protestou ele.

— Eu sei, eu sei. Mas o vemos tão pouco, meu querido. Vem tão raramente à hacienda...

— Tenho tantas coisas a fazer... — começou, quando a mãe o interrompeu amargamente.

— Eu sei. Todos precisam de seu tempo, de seu conselho, de seu conhecimento médico, enquanto que eu, sua mãe, só tenho direito a alguns minutos por semana!

Rafael aproximou-se da cama, sentando-se ao seu lado e tomando-lhe as mãos novamente:

— Madre mia, sinto muito! — murmurou roucamente, sentindo-se culpado por negligenciá-la. Ergueu-lhe os dedos e beijou-os gentilmente. — Mas você precisa entender que não posso negar minha ajuda a Rodrigues.

Dona Isabella colocou-lhe uma das mãos sobre a cabeça, alisando o cabelo revolto. Depois suspirou.

— Sinto muito, também, Rafael. Não sou uma velha egoísta. Mas saber que você está no vale e não fica conosco na hacienda... Não podia ficar conosco?

— Sabe que a hacienda é muito distante da aldeia. Minha casa é de acesso mais fácil. Além disso, lá, posso ficar sozinho.

— Isso é importante para você, não é? — A voz da mãe tinha um tom de resignação. — Muito bem, Rafael, não insistirei para que venha ficar aqui. Mas, certamente, depois desta viagem à Cidade do México, poderia passar um pouco mais de tempo conosco. Afinal, quando deixar o vale, Rodrigues terá de arranjar-se, não?

Rafael levantou-se.

— Muito bem, madrecita. Virei tão freqüentemente quanto puder. Mas agora — deu uma olhada para o relógio de ouro que tinha no pulso —, preciso ir. Estou sujo e com calor e preciso de um banho. Além disso, devo dizer a padre Domênico que vou à Cidade do México logo de manhã cedo. Vejo você amanhã à noite, quando voltar com a srta. Lord.

— Muito bem, Rafael. Tome cuidado!

Quando chegou ao pátio, duas moças desciam dos cavalos à sombra do carro, auxiliadas por um cavalariço mexicano de pele escura; Rafael reconheceu suas irmãs mais novas, Carla e Constância. Eram gêmeas e tinham dezoito anos; eram os últimos filhos que o pai procriara antes da doença fatal. Quando viram Rafael, aproximaram-se dele com exuberância, abraçando-o com entusiasmo e protestando que não deveria partir ainda.

— É preciso — insistiu Rafael, soltando-se. — lenho coisas a , fazer.

— Acho que Juan lhe pediu para ir esperar essa mulher, essa tia 'l da pequena, para ele, não é? — sugeriu Carla, com perspicácia.

— Você vai?

Rafael parecia preocupado. Fez que sim com a cabeça.

— Acho que não devia. — Quem falou foi Constância, a mais quieta e mais introspectiva das duas. — Deixe que o próprio Juan vá ao encontro dela!

— Eu concordo — respondeu Carla, harmonicamente. — Por que você deveria perder tempo para ir ao encontro de uma solteirona velha e enjoada?

— Já basta, Carla. — A voz de Rafael estava seca. — Você nada sabe a respeito da srta. Lord e acho que não devemos fazer comentários desagradáveis sobre uma pessoa que nos é totalmente estranha.

Constância aproximou-se e tocou-lhe o braço.

— Gostaria de poder ir com você, Rafael — murmurou com esperteza e, por um instante, ele se sentiu tentado a levá-la. Porém, pela expressão indignada de Carla, percebeu que era impossível levar uma sem a outra.

— Não haveria lugar no helicóptero — respondeu, tocando-lhe a face com um dedo. — Nos vemos amanhã, certo?

 



  

© helpiks.su При использовании или копировании материалов прямая ссылка на сайт обязательна.