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O Jardim das Acácias 8 страница



— Sou forte como um carvalho. É você, sua boba, que vai ficar doente, se nã o vestir alguma coisa seca. Dê minha calç a e vista minha camisa e o paletó.

— Oh, mas..,

— " Mas" é uma palavra tola, que nã o vai ajudar em nada, enfermeira. Nã o posso ver você; portanto, nã o precisa ficar envergonhada. Tire logo essas roupas molhadas e nã o seja mais idiota do que já foi. Onde já se viu, deixar Nan enchê -la de pâ nico. O que foi que você s duas pensaram? Que eu ia afogar minhas tristezas no oceano?

Sabrina nã o pô de responder porque ele tinha chegado muito perto da dor e do medo que ela havia passado na ú ltima meia hora. Enquanto um raio cruzava o cé u, encontrou as roupas e deu as calç as a ele,

— Vai vestir em cima do calç ã o molhado?

— Nã o, enfermeira -— disse Douglas, num tom divertido.

— Ah... está bem. — Virou-se rapidamente e, dizendo a si mesma para nã o ser uma boba, afinal, era uma enfermeira, tirou as roupas molhadas e vestiu a camisa, que a cobriu quase como um vestido. Pô s o paletó em volta dos ombros, abotoou-o e, de repente, começ ou a rir,

— Qual foi a piada? — perguntou Douglas, do meio da escuridã o.

— Eu! Estou parecendo uma ná ufraga. Suas roupas ficam enormes em mim.

— Posso imaginar. 0 importante é que ficará aquecida. Por falar nisso, veja se encontra alguns galhos secos para acendermos uma fogueira. Acho que ficaremos presos aqui até a maré baixar.

— Sua avó vai ficar terrivelmente preocupada.

— Sei disso, mas nã o há outro jeito. Foi sorte estarmos perto da caverna. Agora me dê a bengala e poderei ajudá -la a procurar alguma coisa para queimar. 0 isqueiro está no bolso do paletó e deve haver algum papel na minha carteira para ajudar a acender o fogo. Uma fogueira vai alegrar um pouco este lugar. Ouç a só as ondas batendo nas pedras!

Sabrina sentiu um arrepio ao ouvir o ruí do e ficou feliz com a ideia de ter alguma luz naquela escuridã o. Assim, poderia ver o rosto de Douglas.

— Teria se preocupado em acender uma fogueira, se estivesse sozinho?

— Duvido. Foi loucura sua ter vindo para cá na hora que a maré ia subir, mas, apesar das suas maluquices, você nã o é má companhia. Ah, acabo de encontrar um monte de algas secas. E você?

— Há bastante madeira seca por aqui, mas estou com medo de pegar. Nã o sei o que pode estar escondido perto delas.., Ai!

— O que foi?

— Um caranguejo quase me pegou.

— Entã o, vamos já acender o fogo. Depois, você terá claridade para procurar mais madeira. Passe minha carteira para pegar algum papel.

Sabrina pô s a madeira no chã o, pegou o isqueiro e ficou esperando, enquanto Brutus farejava os cantos da caverna. Provavelmente, estava com fome, mas nã o haveria saí da até a maré baixar. Um trovã o mais forte ecoou pelas paredes de pedra.

— Acho que os relâ mpagos devem estar iluminando alguma coisa. Olhe, encontrei dois envelopes com cartas, mas nã o estou certo se sã o de alguma importâ ncia. Dê uma olhada. Sabrina pegou as cartas. Quando outro relâ mpago cortou o cé u, pô de ver que uma delas falava sobre livros para cegos e a outra estava num envelope colorido e perfumado. Soube instantaneamente que tinha sido escrita por uma mulher. Nadi? O envelope estava aberto e provavelmente a carta nã o linha sido lida, porque Douglas nã o pediria à avó que o ajudasse e, até aquele momento, Sabrina só tinha respondido a cartas comerciais e impessoais. Por um instante, sentiu vontade de deixá -la queimar, mas depois colocou-a na mã o de Douglas,

— Essa é pessoal. Está perfumada.

— Uma carta de amor, hein? Bem. como nã o posso ler. é melhor usá -la para nos aquecermos. Vou ajeitar a madeira, como fazem os escoteiros, e você ficará com a tarefa de acender.

— Muito obrigada. E bom saber que sirvo para alguma coisa.

— A maioria das mulheres termina servindo para alguma coisa. — Douglas deu alguns passos sentindo a direç ã o do vento e escolheu um lugar mais abrigado. -— Aqui. Sabrina, este vai ser o lugar da nossa humilde fogueira. Assim que eu arrumar as algas e a madeira, queime o papel e ponha em baixo.

Agora que a preocupaç ã o tinha desaparecido, Sabrina sentiu algo como uma excitaç ã o, quase como se estivesse tomando parte numa conspiraç ã o, sozinha com ele no meio da tempestade... como um homem das cavernas e sua companheira. Quando a madeira começ ou a queimar, ela soube que jamais trocaria aquele instante por qualquer outro, mesmo que fosse por uma ocasiã o com champanhe, caviar e luz de velas.

— Como está indo? Posso sentir o cheiro das algas queimando. Parece a fumaç a de um caldeirã o de bruxa.

— As chamas estã o fortes.

Agora podia ver o rosto de Douglas, moreno e forte, com os cabelos embaraç ados por causa da á gua do mar, os olhos tã o brilhantes que parecia incrí vel que nã o vissem. A luz avermelhada da fogueira batia em seus ombros fortes e desaparecia por entre os pê los escuros do peito. Vestido como estava, só com a calç a, tinha uma masculinidade tã o absoluta que fez Sabrina tomar consciê ncia do pouco que estava usando.

— É melhor sentarmos no chã o, enfermeira. Me dê a mã o para me guiar. Como está fria! Está nervosa por ficar assim sozinha comigo?

— Já estive sozinha com você muitas vezes.

— Ah, mas nessas ocasiõ es eu nã o estava tã o bem. Hoje a tempestade entrou em minhas veias, enfermeira. Sinto-me revigorado depois de ter nadado no mar revolto. Sempre gostei do perigo e há algo no ar esta noite... um leve cheiro de enxofre!

— Se está tentando me assustar só porque vim procurá -lo, cumprindo o meu dever, você é injusto e indelicado.

— É o jeito de ser dos homens, bela Sabrina.

— Nã o... por favor!

— Nã o precisa entrar em pâ nico. Já é bastante ruim ser cego. Ná o vou acrescentar a isso a indignidade de tentar seduzir uma mulher que ná o posso ver. A arte da seduç ã o pertence aos homens que tê m " todas" as faculdades. Por exemplo: como pode um cego dizer a uma moç a que gosta muito do sinalzinho aveludado que ela tem no pescoç o?

— Como sabe... — Sabrina se interrompeu, corando, pois ele podia estar simplesmente se referindo a uma coisa hipoté tica e ela havia tomado como algo pessoal.

— Digamos que as pontas dos meus dedos tê m olhos.

Sabrina sentiu o pescoç o muito quente como se o rubor tivesse descido. Ele havia sentido o sinal quanto tateou seu rosto e lembrava dele. Nada poderia ser mais arrasador... era como uma dessas pequenas coisas de que um homem lembra da mulher com quem fez amor.

— Por favor, sente aqui — disse, esforç ando-se para falar com a voz fria e composta de uma enfermeira treinada. —- Nã o vai ficar perto demais do fogo, mas poderá se aquecer.

—- Tire esse gelo da voz ou vou morrer congelado, enfermeira.

Douglas sentou no chã o e Brutus veio deitar perto dele, com o focinho no meio das patas. No lado de fora da caverna, a tempestade rugia furiosamente e as ondas se atiravam contra as pedras.

— Onde está sentada, enfermeira? — Douglas estendeu a mã o e encontrou a perna magra de Sabrina, — Nã o está na correnteza da entrada da caverna, nã o é?

— Nã o... estou bem.

— Relaxe, mocinha. Quase posso ver gravadas na sua testa as palavras " nã o me toque". Sã o parte do seu trauma? Há cenas frases que ficam gravadas no nosso cé rebro. No meu, está sempre escrito: " você nã o vai poder me ver... está cego! " Acho que todas as mulheres gostam de que os homens lhes sirvam de espelho.

— Nã o sou assim, por favor, acredite. — Sabrina lutou contra as lá grimas.

— Está sozinha comigo numa caverna isolada e com medo de que eu tente usá -la para me vingar de Nadi. — Douglas suspirou e apoiou-se no cotovelo. — Nã o precisa nem pensar nisso. Você nã o é Nadi, de modo que pode relaxar e esquentar essas mã os na fogueira.

Sabrina afastou o olhar do rosto de Douglas para nã o ver a ironia que devia estar estampada nele. Chegou a sentir quase pena de Nadi, tã o superficial, tã o fraca.

— Está com fome? — ele perguntou, depois de vá rios minutos de silê ncio, só cortado pela tempestade, pelo crepitar do fogo e pelos pequenos ganidos de Brutus, que cochilava.

— Humm, bem que gostaria de um pedaç o de torta de queijo com cebolas. E um bule de café quentinho.

— Pois estou pensando em costeletas com batatas. Vou fumar um charuto. Nã o quer um? Ajudaria a fazê -la esquecer a sua fome.

— Acredito, mas vou deixar esse prazer para outro dia. Aqui estã o os

charutos e o isqueiro.

— Obrigado. — Douglas abriu a caixa de couro e tirou um charuto, que acendeu, com evidente prazer. — Ah, você nã o sabe o que está perdendo! Já avisei que vai demorar para sairmos daqui. Sabe cantar?

— Só canç õ es para crianç as, e nã o acho que sejam adequadas para este lugar.

— Talvez nã o. Entã o, fale sobre Billy.

Ela ficou muda de espanto. Nem sonhava que Douglas pudesse saber daquilo!

— Quem é Billy? — ele insistiu.

Sabrina sentiu um estremecimento... é claro, agora lembrava. Tinha gritado o nome na praia, transtornada de tanta preocupaç ã o.

— Billy era um menininho de quem cuidei.

Sentiu um alí vio imenso em poder falar nele, ali, naquele lugar deserto, com um homem que nã o podia ver sua expressã o chocada... a mesma expressã o que tinha no dia em que Lester Nader, furioso, a chamou de solteirona complexada, que nã o tinha cuidado direito do filho de outra mulher porque sabia que nunca encontraria um homem para lhe dar um

que fosse só seu!

— Continue — Douglas pediu suavemente. —- Este é um momento para confidê ncias, e ningué m melhor para escutar do que um cego. Estou ouvindo, Sabrina.

— Ele tinha dois anos e era loiro e de olhos azuis, tâ o lindo que nã o havia quem nã o parasse para olhar, quando eu o levava para passear. Tinha um pequeno sopro no coraç ã o e os pais o amavam tanto que nã o hesitaram em arranjar uma enfermeira permanente. O pai era muito rico e muito mais velho do que a esposa. Era um homem duro. severo e frio, que só amava ao filho. A mã e era muito moç a, fez um casamento por conveniê ncia e tinha um temperamento româ ntico e nervoso. Foi ela quem... quem levou o bebe para passear naquele dia. Ficou lendo um romance no parque, enquanto ele brincava na grama. Estava sempre lendo romances, acho que para compensar o fato de ter casado com um homem só para lhe dar um herdeiro. Quando levantou os olhos, Billy tinha sumido. Algué m o levou e a mã e, distraí da com a leitura, nã o viu nada.

Sabrina ficou olhando para o fogo e toda a afliç ã o daqueles momentos voltou. O pâ nico de Berenice Nader. o modo como insistiu com a polí cia e com o marido que Sabrina é quem estava cuidando do menino. Morria de medo do marido...

— Ela me ofereceu jó ias e dinheiro. Eu conhecia o gé nio de Lester Nader: ele a teria estrangulado se soubesse da verdade. Que estava lendo histó rias de amor, enquanto o ú nico filho era raptado.

— E você aceitou a culpa. Sabrina deu um sorriso triste.

— Billy ficou desaparecido por vá rios dias e Berenice quase enlouqueceu. Ficava histé rica cada vez que o marido entrava no quarto. Acho que teria enlouquecido mesmo se ele nã o tivesse outra pessoa em quem descarregar a raiva. Ouvi coisas horrí veis, que jamais esquecerei. Finalmente, a polí cia encontrou o menino abandonado num pequeno apartamento, num dos bairros mais pobres da cidade. Mais tarde, conseguiram capturar a raptora, uma empregadinha irlandesa que estava precisando de dinheiro. Depois... bem, acho que você pode imaginar.

— Sim, acho que posso

— Fui intimada a comparecer diante de uma junta de investigaç õ es do conselho de enfermagem e nã o sei o que teria me acontecido se a sra. Nader nã o confessasse, finalmente, que era a culpada. Acho que a volta de Billy a fez recuperar a coragem. Eu podia ter perdido minha licenç a para trabalhar. Apesar de tudu ter terminado bem, fiquei abalada, e foi entã o que respondi ao anú ncio de sua avó. Queria me afastar de tudo.

— Pobre Sabrina, deve ter sido terrí vel levar a culpa por uma coisa como essa. Imagino exatamente como aconteceu; conheç o muito bem sua vocaç ã o para Joana D'Arc.

— Acha que devia entrar para um convento? — Agora que tinha tirado

aquele peso do coraç ã o, Sabrina podia brincar novamente.

— Nã o, você nã o seria um boa freira, nã o é muito disciplinada. Tropeç aria nas saias compridas toda vez que fosse salvar algué m.

— As saias das freiras estã o mais curtas.

— Verdade? É estranho como os cegos vivem um pouco no passado. Lembram de coisas que viram há tempos, antes das luzes se apagarem. — Douglas atirou a ponta do charuto na direç ã o do fogo. — Sabe do que sinto mais falta?

— Deve haver muitas coisas.

— Uma delas é a mais importante. É o sorriso de uma mulher. Daria tudo para ver uma mulher sorrir. É a coisa mais linda que existe, principalmente quando vem do fundo do coraç ã o, passa pelos lá bios e fica nos olhos. Acredite ou nã o, um sorriso de mulher é uma das coisas mais sensuais para um homem.

— Vou pegar mais lenha para o fogo — disse Sabrina, querendo evitar que a conversa passasse para assuntos mais pessoais.

Quando voltou com os braç os cheios de pedaç os de madeira, viu Douglas com os olhos voltados na direç ã o do fogo... estava lembrando do sorriso de Nadi, tã o cheio de seduç ã o e promessas, iluminando os olhos verdes como esmeraldas.

— Parece que os trovõ es estã o diminuindo — disse Sabrina, pondo a lenha no fogo e sentando no chã o duro. — Ai, gostaria de ter uma almofada!

— Pobre crianç a. Posso fazer uma sugestã o?

— Se nã o for muito iró nica...

— Vindo de mim, é extremamente gentil. Ponha o paletó no chã o e eu

a aquecerei nos meus braç os.

Por um instante, Sabrina ficou em pâ nico. Se recusasse a oferta, ele ficaria ofendido. Se aceitasse, estaria num paraí so perigoso, experimentando uma alegria que, para Douglas, era apenas uma gentileza.

— Sabrina?

Ela sorriu, timidamente. Só de ouvi-io dizer seu nome sentia as pernas bambas. Se Douglas a tocasse, se a tomasse nos braç os musculosos... Ela tirou o paletó e sentou-se em cima dele.

— Assim está bem.

— Nunca vi uma enfermeira tã o pudica! — Quase com raiva, Douglas estendeu os braç os e puxou-a para perto, deitando a cabeç a dela no peito. A batida firme do coraç ã o dele deu-lhe calma e confianç a. Sabrí na podia sentir sua pele, os pê los do peito, a pressã o firme dos mú sculos,

— Moç as boazinhas sempre complicam as coisas, quando um homem quer ser delicado. Porque sã o puras, logo acham que estã o sendo perseguidas. Ficam todas cheias de nã o-me-toques.

Enquanto ficassem naquela conversa, podia lutar contra o desejo de se entregar a ele. Douglas era um homem faminto por afeiç ã o, que procurava o amor na escuridã o. Mas, logo que a paixã o terminasse, lembraria de quem ela era e nã o a acharia mais uma moç a boazinha.

— Parece que você vive de chá de limã o e flores de ló tus. — As mã os dele apalpavam suas costas. — Menina, você quase chega a me assustar. Só santos e iogues deveriam ter um corpo como esse.

— Isso é um cumprimento muito duvidoso, monsieur. Douglas riu baixinho.

— Nessas circunstâ ncias, enfermeira, é muito mais seguro para você ser mais espí rito do que maté ria. Lembre: sou cego e estou em jejum há muito tempo.

— Sinto muito... pelo aborrecimento que passou esta tarde. A srta. Darrel é tã o linda...

— A Bela e Douglas, o Negro. Todos diziam que é ramos o par perfeito, como duas metades de um talismã do amor. — Um suspiro fez seu peito se levantar contra o rosto de Sabrina. -— Durma um pouco, menina. Apesar de a tempestade já estar passando, a maré nã o vai começ ar a baixar antes da meia-noite.

— Você está confortá vel?

— Sempre de serviç o, nã o é, Muir? Feche esses olhos vigilantes e durma. Sonhe com algum rapaz bonito... mas nã o permita que seja Ret. Nã o a aconselharia a dar seu coraç ã o a ele.

— Por quê? — murmurou, sonolenta, aquecida pela proximidade de Douglas e meio tonta por estar nos braç os dele.

— Porque um anjo e um sá tiro nã o devem se misturar.

— Nã o sou nenhum anjo.

Sabrina sorriu. Douglas jamais poderia imaginar os pensamentos que estavam passando por sua cabeç a enquanto a aninhava nos braç os, tratando-a como uma crianç a, sem perceber que ela era uma mulher.

 

                                               CAPÍ TULO X

 

Saí ram da caverna e se encontraram sob a maravilhosa noite tropical, onde as estrelas pareciam ainda maiores e mais brilhantes depois da tempestade. O ar estava limpo e agradá vel, e andaram lentamente até a trilha nos rochedos, batendo os pé s para reativar a circulaç ã o nas pernas dormentes, antes de iniciarem a subida até a casa. Os degraus estavam ú midos e cheios de folhas caí das, e Sabrina insistiu com Douglas para que se apoiasse em seu braç o. A certa altura, pararam para tomar fô lego e ele levantou a cabeç a para o cé u.

— Há estrelas, Sabrina?

— Sim. Parecem jó ias cintilando no vestido de uma deusa. Milhõ es delas.

— Que româ ntico. — Apertou mais o braç o de Sabrina. — Quase posso vê -las. Deve ser triste uma pessoa que nã o tem um pouco de imaginaç ã o, nã o acha?

— É sempre melhor ser româ ntico. •

— E eu que pensei que você fosse uma enfermeira impassí vel e composta! Gostou do drama da tempestade, nã o foi?

— Quando soube que você... que nó s está vamos a salvo na caverna, pude até apreciar o que aconteceu. Mas agora é melhor nos apressarmos, sua avó deve estar muito preocupada.

— Sim, a qualquer momento, ela vai mandar grupos de salvamento à nossa procura. Bem, Sabrina, agora vai ter alguma coisa para contar a seus filhos; que uma vez precisou ficar escondida numa caverna com um homem chamado Douglas, o Negro. Vã o pensar que era um pirata.

— Tem cada ideia, monsieur! — Riu e continuavam subindo, sentindo o cheiro do oceano, ainda mais forte por causa do ar muito limpo.

— Quantos filhos pretende ter, Sabrina?

— Uma dú zia, talvez.

—- Uma famí lia muito grande para uma moç a tã o pequenina. Nã o acha que vai ficar ocupada demais? Nã o vai sobrar muito tempo para fazer carinhos no seu marido, coitado.

— Nã o haverá monsieur. Cuidado com os galhos.

— Sem marido? E o que dirã o os vizinhos? Sabrina deu uma risada gostosa.

— Terei um de cada vez. Depois de Billy, pensei... pensei que nã o teria mais coragem de cuidar de crianç as. Mas, desde que lhe contei o que aconteceu, sei o que vou querer fazer, quando deixar a ilha.

— Nã o poderia suportar outro paciente adulto depois de mim? — Havia um tom estranho na voz de Douglas.

Atravessaram o jardim escuro e entraram pela porta lateral. As luzes do saguã o ainda estavam acesas. Quando Sabrina se virou para ele, viu a ironia estampada em seu rosto, as rugas profundas em volta dos olhos claros e brilhantes. Sentia vontade de suavisá -las com uma mã o amorosa. Sabia que, no dia em que se separasse daquele homem, ficaria triste e vazia, como uma estrela apagada. Poré m, teriam que se separar, porque Douglas amava Nadi e, inevitavelmente, ele acabaria fazendo o que ela queria. Douglas se submeteria à operaç ã o porque nã o era homem de conseguir viver sem amor.

Na escura e estranha intimidade da caverna, Sabrina tinha estado mais perto dele do que jamais estaria novamente, e agora sabia que um homem tã o viril nã o havia sido feito para ficar solteiro nem para ter paixõ es momentâ neas. Douglas era o tipo que respondia à s forç as da natureza como uma á rvore obedecendo aos instintos de deitar raí zes e criar galhos poderosos.

A fú ria com que disse a Nadi para nã o ficar lembrando de coisas que deviam ser esquecidas era um indí cio de quanto ele ainda a desejava.

Naquele instante, a porta do estú dio se abriu e Laura veio correndo para abraç ar o neto. Depois, virou-se e olhou surpresa para Sabrina, vestindo a camisa e o paletó de Douglas.

— Minha pobre menina! — Laura teve que rir. — O que aconteceu com você? Caiu no mar e Douglas precisou salvá -la?

— Digamos que um salvou o outro, Nan. Olhe, minha doce senhora, estamos mortos de fome e desesperados por uma xí cara de café. Brutustambé m está de barriga vazia. Pode mandar preparar alguma coisa para nó s, pobres ná ufragos?

— Nurn minuto, querido. — Laura passou os dedos pelos cabelos emaranhados do neto. — Charles está acordado... queria sair atrá s de você s, mas eu impedi. A maré estava alta e a tempestade foi horrí vel; seria muito perigoso. Tive as visõ es mais pavorosas. Imaginei os dois afogados e sendo levados peio mar... Oh, queridos, você s estã o pé ssimos! Precisam de um banho quente e uma boa refeiç ã o. Mandarei levar alguma coisa no quarto. Imagino que tenham se abrigado na caverna grande, nã o foi?

— Até acendemos uma fogueira. Por isso, nã o ficamos tã o mal. Enquanto puxava o cordã o da campainha para chamar Charles, a velha

olhou í nquisidoramente para Sabrina, passando os olhos pela camisa de seda que cobria seu corpo magro. Eles tinham ficado sozinhos por vá rias horas, numa situaç ã o incomum, enfrentando o perigo, e no olhar de Laura havia uma pergunta muda que fez a moç a corar.

Sabrina sentiu um enorme alí vio quando se viu sozinha, relaxando na banheira cheia de á gua quente, tomada de sentimentos de dor e felicidade. Aquelas horas passadas na caverna a tinham feito perceber que amava Douglas desesperadamente. Cada nervo do corpo gritava seu amor por ele e, no fundo do coraç ã o, sabia que nunca haveria outro homem em sua vida.

Douglas també m devia estar tomando um banho quente naquele momento. Com timidez, Sabrina fechou os olhos tentando afastar a visã o dos mú sculos poderosos de seu peito moreno. Abraç ada à quele homem, tinha sentido toda a potê ncia e todo o perigo que havia nele e sentiu-se perdida. Sem nem mesmo tê -la beijado, Douglas, agora, a possuí a.

Nã o se atreveu a pensar nos dias que estavam por vir, nas manhã s cheias de sol ou na tarde dourada pelo crepú sculo, em que Douglas lhe diria que estava voltando para a Inglaterra para consultar seu mé dico, sir Damien Williams.

Na caverna, tinha sentido a â nsia por amor que havia nele... o desejo de viver fora das barricadas impostas pela cegueira. Agora que Nadi estava de volta, sabia que nã o poderia viver sem ela e era por isso que tinha entrado no mar raivoso: para provar a si mesmo que era capaz de enfrentar tudo e voltar vivo e triunfante.

Sabrina sentiu um frio enorme, enquanto se enxugava e vestia o pijama e o roupã o. Ficou um pouco mais alegre ao entrar no quarto e ver que a mesa estava preparada para uma refeiç ã o. Charles voltou depois de cinco minutos, trazendo uma bandeja e um grande bule de café. Puxou uma cadeira para ela, gentil como sempre, e havia uma expressã o de alí vio em seu rosto que mostrava a satisfaç ã o de saber que seu patrã o estava a salvo.

— Muito obrigada, Charles. — Sabrina descobriu a bandeja e viu fatias de presunto, ovos fritos e um puré de batatas com um aspecto delicioso. — Você é um má gico!

— Coma bastante, enfermeira, deve estar precisando, — Serviu o café. — devo dizer que foi muito corajosa, saindo atrá s do sr. Douglas.

— Era meu dever, Charles. — Sorriu e tomou vá rios goles do café quente e delicioso. — Espero que ele tenha tomado um banho bem relaxante.

— Sim, senhorita, eu mesmo cuidei de tudo. Deixei-o comendo.

— Charles, você é um tesouro inestimá vel! — Sorriu novamente para ele e notou que o criado estava com uma expressã o diferente da má scara impassí vel que costumava mostrar. — O que aconteceu? Está querendo dizer alguma coisa?

— Fiquei muito preocupado, enfermeira. Se alguma coisa acontecesse ao patrã o, seria o fim de Snapgates. Esta casa está aqui há tantos sé culos, seria uma pena vê -la demolida.

— Acha que isso aconteceria?

— O sr. Ret nã o é como o patrã o. Hã rumores de que um grupo americano está querendo comprar a ilha para fazer um centro turí stico. Para isso, seria preciso construir um aeroporto, e ouvi dizer que o lugar ideal é aqui, nas terras dos Saint-Same. Sinto um arrepio, só em pensar!

— Tem razã o, Charles, seria horrí vel ver toda esta beleza destruí da em nome do lucro. Poré m, estou certa de que nada acontecerá ao sr. Saint-Same.

— Quem pode dize? — O criado ficou olhando para ela, com uma

expressã o infeliz. — A senhorita precisava ter conhecido o sr. Dougias, antes de ele ficar cego. Sempre que vinha à ilha saí a no barco, enfrentando as ondas como se fosse um brinquedo. E tí nhamos os melhores cavalos para ele cavalgar pelas terras. Como era diferente! Dí ga-me, enfermeira: há alguma esperanç a de operaç ã o?

— Nã o posso dizer. Charles. só sei que seria muito arriscado. Ele está cego agora, mas ainda tem a forç a e o cé rebro perfeitos. Se perdesse isso... quem sabe, com o tempo, talvez se acostume com a cegueira e volte a ser um homem ativo, dentro das novas limitaç õ es. No entanto, só ele pode fazer a escolha.

Depois que Charles saiu. Sabrina continuou a comer sem realmente saborear a comida e depois foi se deitar. Demorou a pegar no sono, sentindo o coraç ã o pesado. Tinha a estranha convicç ã o de que Dougias tinha tomado uma decisã o na caverna, durante a tempestade.

Os dias que se seguiram foram de cé u claro e sol muito quente. O mar tranquilo parecia uma turquesa lí quida e nenhuma veia no horizonte quebrava a solidã o que havia naquele lado da ilha.

A tarde, o sol era tã o quente que chegava a ser um tormento. O ú nico lugar para escapar dele era sob as á rvores frondosas do jardim.

Certa manhã, Lucille torceu o tornozelo e nã o pô de levar o almoç o de Ret no cafezal. Sabrina se ofereceu para ir em seu lugar. Estava fazendo o possí vel para evitar o rapaz e pensou em deixar o cesto com a refeiç ã o no bangalô que ficava no meio da plantaç ã o sem ser vista por ele. No entanto, quando entrou. Ret estava sentado numa poltrona de vime. sob o ventilador.



  

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