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O Jardim das Acácias 3 страница



— Ecomo foi que Ret falou?

— Ele me contou como o café foi trazido para as ilhas e toda a histó ria dessas plantaç õ es. A ilha é um verdadeiro paraí so; é pena que tantas á reas estejam abandonadas.

— Pois é assim que vã o continuar. Nã o me venha com palpites, entendeu?

— Sim, senhor.

— Vou mandá -la embora no primeiro barco, se nã o parar de me chamar de " senhor"! Já nã o lhe disse isso?

— Sim, mas...

— Entã o, quer fazer a gentileza de me chamar pelo nome? Diga, vamos... Douglas.

— Nã o... nã o posso. — Sabrina corou violentamente. — O senhor é meu patrã o... meu paciente. Nã o ficaria bem.

— Entendo. Nã o quer ser minha amiga. Reserva sua amizade para o meu belo e encantador primo. Já notei que o chama de Ret, sem a menor hesitaç ã o.

— É preciso uma certa formalidade entre a enfermeira e o paciente.

Posso chamá -lo de monsieur, como fazem os empregados?

— Sabrina, por acaso, você se considera minha criada?

— Foi o senhor mesmo quem disse que estou aqui para servi-lo.

— Leva sempre tã o a sé rio o que os homens dizem?

Sabrina podia ter respondido que os homens, na maioria das vezes, mal se preocupavam em falar com ela. Mas, de repente, começ ou a sentir uma certa emoç ã o em ser o centro da atenç ã o de um deles. Mesmo sentada longe de Douglas, sentia nele uma procura por um contato, magné tica, solitá ria e até raivosa.

Sabia que pensava que ela era bonita e, pela primeira vez, sentiu o que era ser admirada por algué m. Tirou a orquí dea do bolso e ficou olhando para ela. Há poucos instantes tinha jurado continuar fechada e protegida em sua concha, e agora já estava se deixando levar pelo desejo de ser apreciada por Douglas.

— Está de cara feia? Será que ainda nã o se acostumou com meu detestá vel senso de humor?

— Faz seis anos que trabalho como enfermeira, senhor, e já estou habituada com os mais diferentes temperamentos.

— Está bem, está bem! Pode me chamar de monsieur, em vez de Douglas. Mas, por caridade, diga " você isso", " você aquilo". Essa histó ria de " senhor" é pedante e desagradá vel.

Nim chegou com a jarra de suco e dois copos. Sabrina encheu um eles e colocou-o na mã o de Douglas, que tomou um gole, enquanto ela ficava esperando por uma observaç ã o sarcá stica. Poré m, em vez disso, ele sorriu, fazendo um movimento de lá bios e sobrancelhas que foi muito mais expressivo do que qualquer palavra. — Bom e cheio de gelo. Igual à minha enfermeira, essa mã o sem rosto que me oferece socorro na escuridã o. Que só me toca para sentir o meu pulso, arrumar a minha gravata ou me dar uma bebida gelada para aplacar meus impulsos tropicais. Cuidado, Sabrina! Agora, você també m está nos tró picos e pode perder a compostura.

— Sou muito bem treinada, monsieur.

— Posso imaginar sua chefe ensinando à s enfermeirinhas como se comportarem nas mais variadas situaç õ es. Espero que nã o esteja pensando em me dar uma surra. Nã o seria fá cil.

— Tenho certeza de que seria perigoso. É preciso um chicote para domar um leã o, e nã o trouxe nenhum na bagagem.

— Você nã o precisou de nada para seduzir Brutus. Está sempre fazendo carinhos nele?

— Nã o, monsieur. Corremos pela praia, atiro pedaç os de pau na á gua para ele buscar, nada mais. Sei que foi treinado para cumprir uma tarefa e prometo nã o mimá -lo.

— Você s devem fazer um lindo par... a bela e a fera.

Sabrina corou, imaginando o que Ret diria, se ouvisse aquela observaç ã o,

— Ficou quieta como um passarinho.  Por acaso, é proibido um paciente fazer um elogio à sua enfermeira?

Já... já lhe disse desde o iní cio: sou um tipo muito comum.

— Como posso saber? Só sei julgar os outros pelas vozes. Meu mundo é cheio de sons de portas que se abrem para deixar entrar pessoas sem rosto. Minha escuridã o é absoluta. Nunca poderei ver de novo, a nã o ser que esteja disposto a enfrentar a morte.

As palavras foram ditas num tom tã o absolutamente calmo que Sabrina sentiu um estremecimento.

— Algué m já deve ter lhe contado. Eu estava indo a Telaví vi para participar de uma reuniã o de negó cios, quando o aviã o foi sequestrado e desviado para o deserto, onde ficamos como refé ns. Como você já sabe, tenho um pé ssimo gé nio e nã o consegui ficar calado. Um dos terroristas me atingiu vá rias vezes com a coronha da metralhadora. Quando recobrei a consciê ncia, tudo havia terminado e eu estava no hospital, com a cabeç a quebrada. A fratura foi muito grande e uma lasca de osso ficou enterrada na parte do cé rebro relacionada com a visã o. Se tentarem remover esse maldito pedaç o de osso, poderei morrer. Ou, como se costuma dizer, me transformar num vegetal.

O silencio caiu sobre eles, pesado, prolongado, só quebrado pelo canto das cigarras, sempre presentes no meio das folhagens.

— Minha avó já deve ter lhe falado sobre isso.

— Sim, mas nã o dessa maneira tã o crua. Tem certeza de que,..

— Os mé dicos foram muito francos... e é por isso que a verdade dó i tanto. Odeio ser cego, mas, pelo menos, estou vivo, sabendo o que. se passa à minha volta. Poré m, nã o me conformo, Sabrina, apesar de saber que foi por culpa minha, do meu gé nio, dessa semente de fú ria plantada na nossa famí lia pelo primeiro Douglas, o Negro, um guerreiro normando. Foi ele també m o primeiro moreno de cabelos pretos. A maioria dos Saint-Same é loira, como Ret, mas a heranç a do cavaleiro negro ainda persiste. — Deu uma gargalhada iró nica. — Cabelos pretos... coraç ã o negro... escuridã o... é a cor do demó nio.

— Por favor, nã o seja tã o amargo. Todos os seus outros sentidos sã o perfeitos, melhores do que os da maioria das pessoas. Você tem uma inteligê ncia brilhante. Ainda pode viajar, fazer sucesso nos negó cios. Nã oestá tudo acabado!

— Nã o, nã o há mais nada. Sempre planejei viver nesta ilha no final de minha vida. Bem, a aposentadoria chegou mais cedo do que eu esperava, e agora tenho que me conformar com ela. Eu era um pá ssaro inquieto; agora, minhas asas estã o cortadas. Aqui, posso tropeç ar e cair como um idiota, e só minha famí lia e minha enfermeira verã o. Nã o adianta, Sabrina, sou orgulhoso e nunca mudarei.

— Com o tempo...

— Nã o, nã o mudarei. Nasci nesta ilha e conheç o tudo com a palma de minha mã o. Posso visualizar toda a beleza que existe à minha volta, e levo uma vida razoavelmente normal. O difí cil foi me acostumar a nã o poder saber se é dia ou noite. Tive que me habituar a esperar pelo canto dos pá ssaros para saber se o sol está nascendo, a sentir seu calor e o mundo acordando. De certo modo, foi como aprender a viver de novo... nascer adulto... um bebezã o. — Douglas deu uma risadinha amarga.

 — Um bebé que gosta mais de rum do que de leite. Acho que você é um homem de muita coragem.

Ele ficou pensativo e depois levantou os olhos diretamente para Sabrina, usando sua voz como guia.

— Posso pedir uma coisa muito pessoal?

— Pessoal? — Ela sentiu o coraç ã o acelerar.

— Conheç o sua voz, mas gostaria de saber como é o seu rosto. Nã o posso ver, mas poderia sentir. — É só por um instante.

— Quer dizer... quer dizer que gostaria de tocar o meu rosto?

— Se você deixar. Nã o vai doer nada. — O sorriso iró nico voltou.

Sabrí na ficou olhando para ele, com o coraç ã o descompassado. Aquele era um momento decisivo. Se recusasse, estava certa de que Douglas só faria uma observaç ã o sarcá stica, encolheria os ombros e mudaria de assunto. Se permitisse, ele logo perceberia que nã o era bonita... e ela talvez nã o conseguisse esquecer tã o facilmente a sensaç ã o de ter sido tocada por ele.

— Está com medo de mim?

 — Ná o.

Tomando uma decisã o repentina, Sabrina levantou e foi para bem perto de Douglas. Ajoelhou-se em frente dele e lutou consigo mesma para nã o tremer, enquanto ele tateava seu rosto com toques firmes e seguros. Os dedos magros e bem-feitos passaram por seus cabelos, sentindo a textura e o comprimento, e seguiram os contornos dos ossos da face. Depois, as mã os escorregaram pelo pescoç o fino e pararam, quando chegaram aos ombros.

— Qual é a cor dos seus olhos?

— Sã o castanhos.

— O cabelo é claro, nã o é?

— Sim.

— Foi desagradá vel fazer o que pedi?

— Nã o... mas nã o é uma situaç ã o muito é tica. Uma enfermeira devia ter mais controle sobre o paciente.

Os dedos de Douglas tocaram os lá bios de Sabrina, enquanto ela falava, procurando por um sorriso, mas encontraram apenas um leve tremor.

Sempre esqueç o que você está habituada a cuidar de crianç as e que deve estar estranhando ter que trabalhar para um adulto... um homem temperamental, difí cil e exigente. Você é jovem e pequenina. Seu rosto cabe inteiro na minha mã o.

Nesse instante, Sabrina ouviu passos no calç amento do pá tio e se afastou rapidamente, mas percebeu que Ret tinha visto a cena: ela ajoelhada em frente de Douglas, que segurava seu rosto. Muito pá lida, ergueu os grandes olhos, numa sú plica muda para que Ret nã o risse do que estava vendo.

— É você, Ret?

— Sim, Douglas. Vejo que estava conhecendo melhor a srta. Muir.

— Queria saber se o rosto dela combina com essa voz tã o incomum.

— E combina? — Ret olhava diretamente para Sabrina, que amassava lentamente a orquí dea amarela entre os dedos.

— Você sabe melhor do que eu. Pode vê -la.

Ret continuou encarando Sabrina, até ela corar violentamente e sair correndo em direç ã o da casa.

 

                                               CAPITULO IV

 

O mar brilhava ao luar. Encostada na grande janela do corredor que ficava perto de seu quarto, Sabrina admirava aquela vista maravilhosa, encantada demais para ter sono. Mesmo de longe, podia sentir o cheiro salgado e ouvir o suave lamento do oceano.

Seguindo um impulso repentino, entrou noquarto e pegou um maio e uma saí da de banho na gaveta. Mudou de roupa e desceu a escada com os chinelos na mã o, saindo por uma porta lateral que dava para o lado do pá tio e para a trilha que ia até a praia.

O mar a chamava e ela nã o conseguia resistir a esse apelo. Passara praticamente toda a vida numa cidade cinzenta, sentindo-se quase que acorrentada ao leito dos pacientes e agora, naquela ilha, uma sensaç ã o de liberdade e uma â nsia de viver despertavam dentro dela. Parou por um instante, soltou os cabelos e saiu correndo ao encontro do mar, sentindo o vento salgado bater-lhe no rosto.

Jamais havia encontrado coisas para amar e, naquele lugar paradisí aco, já conseguia pensar sem má goa na infâ ncia sem sol e na adolescê ncia solitá ria, quando ansiava por um grande amor, enquanto passava os dias trabalhando para poder estudar à noite.

Ao chegar à praia, tirou a saí da de banho e entrou na á gua, sentindo a carí cia da espuma prateada. Sabia que havia uma corrente perigosa, perto dos recifes, e nã o pretendia ir tã o longe. Numa noite como aquela, nã o podia acontecer nada de mau. Todos os seus problemas estavam como que congelados no espaç o e nã o havia ningué m para quebrar o encantamento.

Nadou por longo tempo, até ficar cansada. Voltou para a areia com os

cabelos molhados grudados no rosto, sentindo-se uma estranha para si mesma, com o corpo agradavelmente relaxado depois do exercí cio.

Quando uma pessoa está sozinha, só pode ser magoada pelos pró prios pensamentos, e Sabrina esforç ou-se para nã o pensar em nada, senã o na beleza da noite tropical. A lua brilhava num cé u cheio de estrelas que faiscavam como diamantes sobre o veludo negro. Negro... a palavra lhe trouxe à mente o rosto moreno de Douglas. Vá rios dias tinham se passado, desde que Ret vira o primo acariciando o rosto dela. Como o rapaz nã o tocou no assunto, parte do embaraç o de Sabrina já estava desaparecendo. Afinal, nã o havia nada de estranho num cego tentando sentir o rosto que nã o podia ver.

Deitou na areia e ficou olhando as estrelas por entre as folhas das

palmeiras que balanç avam suavemente ao vento.

Douglas já estava mais acostumado com a presenç a dela e agora lhe pedia para responder as cartas que continuavam a chegar do exterior. Na vé spera, enquanto procurava um envelope nas gavetas da escrivaninha, Sabrina tinha deixado cair uma pasta cheia. de fotografias. Douglas, fumando na poltrona perto da janela, distraí do, nã o percebeu que ela estava ajoelhada no tapete espesso, juntando as fotos e examinando-as. Em todas elas aparecia a mesma moç a... de braç o dado com ele, saindo de um famoso restaurante, sorrindo entre vá rias personalidades, entrando num carro de ú ltimo tipo. Sempre vestida com sedas e peles, e linda.

Entã o, era ela! Sabrina conhecia a moç a das fotos. Nadi Danel, a modelo, filha de um famoso joalheiro, a menina dos olhos das mais sofisticadas revistas de moda do mundo; admirada e cortejada por homens de todas as idades, todos riquí ssimos,

Sabrina nã o ficou surpresa ao descobrir que aquela mulher maravilhosa era a dona do coraç ã o de Douglas e entendeu por que tinham se separado quando ele ficou cego. Nadi amava a vida social. Isso estava estampado no rosto dela. Vivia para os flashes dos fotó grafos, gostava de ser o centro das atenç õ es de um mundo onde só havia alegria e despreocupaç ã o. Douglas Saint-Same nã o podia mais acompanhá -la aos clubes e restaurantes internacionais. Nã o podia admirar sua beleza que agora, para ele, nã o passava de uma lembranç a.

Sabrina estava tã o distraí da com seus pensamentos, que quase morreude susto, quando uma voz sussurrou perto dela.

 — A lua está linda, nã o?

Ret estava a seu lado, vestido a rigor, com o paletó branco realç ando sua pele bronzeada e os cabelos dourados levemente despenteados pefa brisa.

— Está sozinha com o luar e seus pensamentos? — Os olhos cinzentos examinaram os cabelos molhados de Sabrina. — Vejo que esteve na á gua. Nã o tem medo de nadar á noite?

— Nã o; gosto de ficar sozinha.

— Fala isso de modo muito convincente.

Continuava olhando para ela, examinando cada detalhe de seu corpo iluminado pelo luar.

— Você fica diferente, assim, com os cabelos soltos e embaraç ados, em vez de presos naquele coque de professora velha.

Estava se divertindo com o esforç o que Sabrina fazia para disfarç ar o medo. Medo de que ele resolvesse falar da cena que tinha visto. Ret riu baixinho.

— Meu primo teve um grande amor, sabe? Ela era morena e maravilhosa, com olhos verdes e brilhantes. Uma bonequinha mimada, amante do luxo. Quando ele ficou cego, ela se afastou, mas estou certo de que ficou com as esmeraldas, as peles e o Rolls Royce que Douglas lhe deu de presente. E, pelo que estou sabendo, també m ficou com o coraç ã o dele.

— Nadi Darrel — murmurou Sabrina.

— Ele lhe contou? — Havia surpresa na voz de Ret. — Vejo que está conseguindo ganhar a confianç a de meu primo. Bem, nã o é de admirar: você é do tipo que inspira confidê ncias.

— Nã o gosta de mim, nã o é, Ret?

— Isso importa?

— Nã o. Que adianta a gente se importar com o que é inevitá vel? Nem todas as lá grimas do mundo podem mudar isso.

— Lá grimas, Sabrina? — A voz de Ret mudou. — Está dizendo que eu a faç o ficar com vontade de chorar? Foi por causa do que eu disse no outro dia, quando fomos ver o cafezal? Ficou magoada comigo?

— Fiquei, mas já me recuperei. Há sempre um pouco de crueldade em quem tem beleza, e pessoas como eu acabam se acostumando com observaç õ es maldosas.

— Sabrina...

— Por favor, nã o tente se desculpar. Você estava sendo sincero e estou muito longe dos meus dezenove anos...

— Quando ficou traumatizada com alguma coisa?

— Talvez.

— Apaixonou-se por algué m e foi rejeitada?

— Nunca me apaixonei por ningué m.

Sabrina levantou-se e começ ou a calç ar os chinelos.

Deu um gritinho de surpresa, quando Ret a pegou pela cintura, puxando-a para junto dele. Estava incrivelmente bonito, com os cabelos dourados caindo na testa e os olhos brilhando de desejo.

— Você parece uma peç a de porcelana que foi estilhaç ada e que está precisando ser consertada. Nã o lute, Sabrina. Relaxe, aproveite esta noite, este luar...

— Me larga! Nã o pense que sou uma bobinha que vai servir de divertimento para você, só porque está entediado. Tire as mã os de mim!

— Por quê? Só quer as mã os " dele"?

Ret agarrou os cabelos molhados de Sabrina e puxou sua cabeç a para trá s com tanta forç a que ela pensou que fosse quebrar seu pescoç o. Contorceu-se, cheia de dor, tentando evitar os lá bios famintos que se aproximavam. Lutou, chutando as pernas de Ret, mas ele continuava rindo. Parou, de repente, quando ouviram uma tossinha discreta e a vozde Charles.

— Com licenç a, sr. Ret, mas será que a enfermeira pode ir ver o patrã o? Ele está com dores, e madame me pediu para vir procurá -la.

Surpreso com a chegada inesperada do criado, Ret relaxou os braç os e Sabrina aproveitou a oportunidade para se soltar e sair correndo pela trilha entre os rochedos, sem se importar com as pedras que machucavam seus pé s. O sofrimento de seu Douglas estava acima de qualquer dor. Nã o se envergonhava com o que Charles poderia estar pensando. Ele era muito dedicado a Laura Saint-Same e seria discreto. Quanto a Ret... oh, como gostaria de esbofetear aquele rosto perfeito!

Sabrina entrou correndo na casa e encontrou a sra. Saint-Same no corredor que levava aos quartos. Ofegante, começ ou a se desculpar:

— Sinto muito... estive nadando.

— Depressa, filha, ele está com uma daquelas dores terrí veis. Fui lhe

 dar boa noite antes de me deitar e o encontrei caí do na cama, torcendo os

travesseiros. Por favor, corra!

Sabrina entrou rapidamente no quarto para pegar a caixa com as injeç õ es. Nem passou por sua cabeç a que podia ser estranho ir atender o paciente em trajes de banho. Sua ú nica preocupaç ã o era aplicar-lhe o remé dio o mais rá pido possí vel para acabar com a dor.

Quando Douglas sentiu as mã os de Sabrina cuidando dele, deu um pequeno gemido de alí vio, misturado com uma raiva surda.

— Desculpe por nã o estar aqui. Eu...

— Nem pense nisso. O que me deixa louco é minha pró pria impotê ncia numa hora dessas. É possí vel um homem estar morrendo de dor e nâ o poder fazer nada por si mesmo. Ah... já me sinto melhor! Você tem mã os de fada, enfermeira. Faz com que a picada da injeç ã o pareç a com uma mordidinha de amor.

— Por favor... relaxe, senhor.

— Senhor? — um sorrisinho cansado apareceu nos lá bios de Douglas. Sabrina també m sorriu e afastou os cabelos molhados de suor da testa dele. Estava pá lido, mas as rugas de dor iam ficando menos marcadas, à medida em que o remé dio fazia efeito. Quando se inclinou sobre ele para arrumar os travesseiros, Douglas disse:

— Posso sentir o cheiro do mar em você.

— Estive nadando. Por isso nã o estava aqui, quando você tocou a campainha. Nem sei como me desculpar...

— Nã o toquei a campainha. A princí pio, tentei lutar contra a dor;

depois, Nim entrou e me viu.

— Douglas, querido... - Laura chegou perto da cama, desesperadamente preocupada, com o lindo penhoar de chiffon flutuando à sua volta. Podia ser uma mulher de aç o, quando cuidava da administraç ã o da casa e lidava com os empregados, mas ficava totalmente indefesa, quando as crises de dor atiravam o neto num poç o de tormentos. — Está melhor agora, meu bem? A dor já está passando?

— Sim, vovó. Nã o precisa ficar assim tã o aflita.

Sabrina deu um sorriso confiante para Laura, tentando acalmá -la, e aproveitou sua presenç a para ir rapidamente até o quarto, trocar de roupa. Vestiu o pijama e um roupã o mais quente. Pretendia ficar ao lado de Douglas até ele se acalmar e pegar no sono.

Um estremecimento percorreu seu corpo, enquanto penteava os cabelos. O pescoç o ainda doí a por causa da brutalidade de Ret, mas o coraç ã o doí a por causa de Douglas. Sabia que uma enfermeira nã o devia ficar tã o envolvida com o paciente, mas nunca tinha tratado de algué m tã o cheio de vitalidade e, apesar disso, tã o complctamente à mercê da dor e

da escuridã o.

Sabrina se olhou no espelho. Quando tinha dezenove anos, em plena idade româ ntica, descobriu o que era ser rejeitada por um paciente por nã o ser bonita. O que diria Ret Saint-Same, se descobrisse o outro trauma que havia em sua vida... aquele que a fez sair correndo da Inglaterra, como uma lebre fugindo dos caç adores?

Respirando fundo, Sabrina endireitou o corpo, apertou o cinto do roupã o e foi para o quarto de Douglas, tentando aparentar uma tranquilidade que nã o sentia.

Com muito tato e firmeza, conseguiu convencer Laura a voltar para a cama. Era difí cil acreditar que ela já estava com quase setenta anos. Os cabelos brancos e brilhantes emolduravam o rosto de feiç õ es bem feitas, valorizando a pele fina e tratada. Laura Saint-Same tinha herdado toda a beleza da famí lia porque era filha de um casal de primos.

Havia sido ela a primeira a falar com Sabrina sobre os Saint-Same morenos, descendentes diretos do primeiro Douglas, o Negro.

— Parece que sã o amaldiç oados. Raramente encontram a felicidade. Agora, olhando para o neto deitado na cama, ela hesitava em se afastar dele.

— Boa noite, Sabrina — disse finalmente, com um sorriso triste. — É em noites como esta que sinto como se Snapgates estivesse morrendo. Antigamente, havia felicidade aqui. Ainda consigo ouvir o canto dos trabalhadores cortando a cana e levando os cachos de banana para os barcos... lembranç as da minha juventude. Agora, está tudo tã o quieto, tã o

triste...

— Algué m devia escrever a histó ria de Snapgates, sra. Saint-Same.

— Douglas poderia fazer isso. Só teria que usar um daqueles gravadores. — Laura deu um suspiro dolorido. — Poderia, mas nã o vai fazer. Só fica pensando naquela moç a... Boa noite, meu bem, cuide bemdele!

 Sabrina foi até a cama e pegou o pulso de Douglas. Já estava quase normal e, aos poucos, a cor voltava ao rosto dele.

— Como está se sentindo?

— Como se flutuasse nas nuvens. Nã o é muito agradá vel. É como estar girando num carrossel com as luzes apagadas, perdido no vazio. — De repente, pegou a mã o de Sabrina e apertou-a com forç a. — Sabe?, quando durmo, tenho sonhos e neles eu posso ver. Vejo rostos que conheci. Nos sonhos, posso amar... viver...

— Entendo. E que nos sonhos você liberta o seu inconsciente, que nã o precisa dos sentidos fí sicos.

— Você é uma crí aturinha muito inteligente. Por que, diabo, ainda está solteira, sem compromisso? Será que os homens que vê em sã o mais cegos do que eu?

— Sou uma mulher dedicada à carreira. — O sorriso desapareceu dos lá bios de Sabrina e ela quase perdeu sua compostura profissional. — Durma, monsieur. Vai se sentir bem melhor pela manhã.

— Será mesmo, Sabrina?

— As coisas parecem sempre mais difí ceis à noite.

— Para mim, é sempre noite. — A mã o de Douglas subiu pelo pulso de Sabrina e encontrou a manga do roupã o. — Ah, está vendo como confundo as horas? Pensei que estivesse de uniforme e agora percebo que já é muito tarde e que você já devia estar na cama. Sou mesmo um grande egoí sta.

— Nã o diga isso! Só estou cumprindo a minha obrigaç ã o, que é cuidar de você quando sofre. Foi para isso que vim a Snapgates.

— Diga, está gostando dé viver nesta casa velha, tã o afastada de tudo?

— E claro. A ilha é um verdadeiro paraí so. Todos sonham com ilhas tropicais, palmeiras e á guas azuis. Estou muito feliz por ter respondido ao anú ncio.

— E por que fez isso?

Sabrina nã o conseguiu evitar um certo enrijecimento dos mú sculos e sentiu os dedos de Douglas se apertando ainda mais em volta de seu pulso.

— Já disse que estava precisando de uma mudanç a.

— Teria vindo, se soubesse que o paciente era cego, e ainda por cima, um pouco arrogante?

— Um pouco? — Sabrina deu uma risada. — Acho que mais arrogante é impossí vel.

— Deve estar estranhando viver nesta casa, cheia de lagartixas andando pelas paredes, aranhas no banheiro e com a bicharada fazendo barulho o tempo todo.

— Gosto muito das cigarras e dos grilos. É como se estivesse sempre ouvindo mú sica.

— Ah, uma enfermeira tem que ser eternamente discreta e educada, nã o é? — Largou-a deixando o calor dos dedos na pele macia. — Bem, acho que vou dormir agora.

Sabrina continuou sentada em silê ncio, até as feiç õ es de Douglas serenarem e ele cair num sono profundo. Quantas noites tinha passado assim, em vigí lia, cuidando de um paciente? Só que, nas outras vezes, eram crianç as doentes... e agora tinha à sua frente um homem. Forte, bonito, irresistivelmente atraente.

— Durma, Douglas, e sonhe com ela, se nã o puder evitar. — Murmurando essas palavras, levantou-se da poltrona sem fazer barulho e saiu do quarto, fechando a porta atrá s de si com todo o cuidado.

Sabrina decidiu aproveitar tudo que sua estada na ilha podia oferecer. Nã o sabia quanto tempo ficaria. A qualquer momento, Ret poderia tomar sua situaç ã o insustentá vel. Pelo menos, quando voltasse para a Inglaterra, teria bons momentos de beleza e calor para lembrar.

Douglas se recuperou rapidamente e, dentro de poucos dias, estava livre da dor e ansioso para dar um passeio. Mandou que o carro fosse tirado da garagem e informou Sabrina de que devia levá -lo à cidade, que ficava a uns vinte quiló metros de Snapgates.

O automó vel era um conversí vel preto, forrado de vermelho, confortá vel e luxuoso. Laura veio ver se o neto estava bem instalado no banco da frente.

— Tome bem conta dele — sussurrou no ouvido de Sabrina, mas Douglas nã o perdeu uma só palavra.

— Ora, pare com isso, Nan — gemeu, fazendo uma careta.

— Que ouvido, meu Deus do cé u!

— Preciso de algum tipo de proteç ã o contra essa mania de você s, mulheres, ficarem me mimando. Pare de me tratar como se usasse fraldas, em vez de bengala, e ficarei muito agradecido.



  

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