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O Jardim das Acácias 2 страница



— Já trabalhou no Caribe? -— perguntou, ateando na mesinha ao lado, até encontrar uma caixa de cedro de onde tirou um charuto. — Espero que nã o se incomode com o fumo, enfermeira.

— Nã o, senhor, pode ficar à vontade — disse Sabrina, olhando-o, fascinada, acender o charuto com um isqueiro especialmente projetado para se adaptar à ponta. Seu rosto pareceu relaxar um pouco, quando deu a primeira baforada de fumaç a.

 Douglas Saint-Same era tã o independente como podia ser... e talvez por isso ficava tã o irritado por precisar de uma enfermeira quando tinha dores e precisava tomar injeç õ es.

— E que tal trabalhar aqui no lago Colorido? Tenho impressã o de que vai ser uma novidade.

— É verdade. Nunca trabalhei fora de Londres. Sou um pardal da cidade.

— Eu també m costumava passar a maior parte do tempo em Londres, e devo dizer que tinha fama de ser uma á guia nos negó cios. — Douglas puxou a fumaç a com forç a e suas  sobrancelhas formaram um arco sombrio. Parecia sofrer intimamente com a cruel carga que o destino tinha colocado em seus ombros.

Á guias cegas nã o podem voar, pensou Sabrina, e sentiu-se tomada por aquela compaixã o que ele tanto odiava.

— O trajeto do porto até aqui deve ter lhe mostrado que estamos bem longe da cidade mais pró xima e de locais de divertimento. Isso a incomoda?

—- Será uma boa mudanç a. Poderei andar bastante e nadar nas minhas horas de folga.

— As á guas em torno desta ilha sã o perigosas. Há uma corrente traiç oeira que pode lhe causar problemas ainda maiores do que os que terá com seu paciente. Nã o posso bancar o heró i, e se o valente Ret nã o estiver por perto, minha bela enfermeira pode morrer afogada.

Sabrina nã o conseguiu evitar um sorriso. Douglas Saint-Same nã o podia vê -la e devia estar pensando que ela era uma mocinha bonita, vestindo um uniforme engomado, decidida a flertar com o primo bonitã o.

Simples palavras jamais o convenceriam de que era dedicada ao trabalho.

— Vamos conversar sobre as suas tarefas. — As palavras foram pronunciadas num tom sé rio, cheio de ressentimento. — Minha avó já explicou o que costuma acontecer comigo?

— Ela falou muito pouco sobre sua... doenç a. Aliá s, tive a impressã o de que o senhor era... muito mais jovem.

— Você hesitou um pouco, antes de dizer as ú ltimas palavras. Acha que sou velho?

— Nã o, mas pensei que fosse bem mais novo. Estou habituada a cuidar de crianç as e adolescentes.

— Quer dizer que veio a Snapgates pensando que eu era um menino? Deve ter sido um choque encontrar um homem de mais de trinta anos e, ainda por cima, cego como um morcego.

— Confesso que foi mesmo um choque. Mas já estou me recuperando.

— Ó timo. Como acabou de dizer que sempre tratou de crianç as, fiquei curioso sobre sua idade. Seria deselegante perguntar?

— Tenho vinte e trê s anos, senhor.

— Muito jovem! É enfermeira diplomada?

— Sou. Comecei o curso de enfermagem com dezessete anos.

— Bem, acho que Nan devia ter explicado melhor as coisas. Meu ú nico traç o infantil é que à s vezes costumo derrubar o que esta à minha frente. — No instante em que falava, a cinza do charuto caiu na lapela de seu paletó. — No entanto, nã o vai precisar cantar para eu dormir, nem beijar meus ferimentos. Acha que pode cuidar de mim? Se nã o, seja

franca e fale agora.

— Acho que conseguirei, senhor, se for um pouquinho paciente

comigo, no iní cio.

— Pois saiba que nã o vai ser fá cil, enfermeira. É preciso que lhe diga que meu temperamento sempre foi um pouco explosivo e tenho a tendê ncia de exigir café à s horas mais incivilizadas da noite. També m gosto de passear de carro de vez em quando, mas Ret e eu nã o combinamos. Sabe dirigir?

— Sim, e tenho carta.

— Otimo. Espero que saiba dirigir sem matar de susto o passageiro. Minha ú ltima enfermeira era pior do que um motorista de caminhã o.

— O senhor tem medo?

Um sorriso brincou nos lá bios de Sabrina. Era estranho como certos homens podiam ser tã o valentes quando enfrentavam as grandes dores e totalmente covardes com simples alfinetadas. Douglas Saint-Same parecia um deles. Seria capaz de escalar uma montanha, mas ficaria furioso com uma pedra em seu caminho que nã o pudesse ver para chutá -la para longe.

— E você, é medrosa? Nã o parece. Como pô de aceitar um emprego tã o longe de casa, sem fazer um monte de perguntas? O que a trouxe aqui como um pedaç o de coral arrastado pela maré? Uma desilusã o amorosa?

 — Nã o. — Sabrina sentiu o sangue subir ao rosto. Aquele homem sentia o que nã o podia ver e sabia que ela estava fugindo de alguma coisa intolerá vel. — Achei que estava precisando de mudanç a, de modo que, quando vi o anú ncio de sua avó, decidi que tinha chegado a hora. Fiquei entusiasmada com a ideia de trabalhar numa ilha do Caribe e gostei do nome da sua casa. Quando a vi, nã o fiquei desapontada. É muito bonita, considerando-se a mistura de estilos.

— A beleza sem um pouco de mistura fica cansativa. Tal como a mú sica, deve ter alguns tons e notas dissonantes. Antes de ficar cego, eu nã o era muito interessado em mú sica, mas, hoje em dia, ela é uma das poucas coisas que me consolam. Será que estou sendo aborrecido? — Douglas fez uma pausa e olhou diretamente para Sabrina, daquele modo que a confundia tanto... era difí cil acreditar que nã o podia vê -la. — É claro que nã o, senhor. Estou muito interessada. ~ Verdade? Nã o posso ver seu rosto, e vozes podem ser enganosamente doces. Sei que quando um homem fica cego há mulheres que passam a achá -lo tremendamente aborrecido.   Um cego nã o pode admirar um novo penteado ou um vestido mais sedutor. Nã o adianta tentar ser lisonjeiro, porque as palavras soam falsas. Conversas bonitas sob o luar se tornam absurdas, porque ele vive num tipo de noite que nã o tem lua nem estrelas. Ele tem raiva da compaixã o, porque é a ú nica coisa que pode esperar... especialmente se a mulher for muito bonita. Enfermeira... — a voz de Douglas estava suave e quase perigosa — você é uma moç a atraente?

Se ele a tivesse esbofeteado Sabrina nã o ficaria mais chocada. Oh, como seria fá cil mentir, dizer que nã o havia um homem que ficasse indiferente à sua presenç a. Poré m, com tranquila honestidade, confessou:

— Nã o, senhor. Sou baslante comum.

E modesta demais para uma mulher. — O sorriso seco aprofundou as rugas em torno dos olhos e da boca.

— Por isso, també m serei honesto com você. Quando me vir furioso com minha cegueira, deixe-me sozinho. Nã o tolero ser animado e detesto ter que depender das pessoas. Fico transtornado em nã o poder ver se minha gravata está certa e se nã o estou usando um paletó roxo com calç as verdes.

Sabrina riu, antes de perceber que devia chorar. No entanto, ele, que teria ficado furioso com as lá grimas, permitiu que um leve sorriso aparecesse em seus lá bios.

__É estranho como se consegue rir de tudo isso, nã o? Bem, é melhor

do que chorar, o que só serve para deixar as mulheres com o nariz vermelho. — O sorriso se acentuou. — A propó sito, gosta de cachorros? Estou ouvindo Brutus farejando a porta do lado de fora. Ele é preto como o diabo, como eu, e se vai ficar aqui é melhor ir se acostumando com ele. Vá e abra a porta. O danado vai entrar como um raio, mas nã o tenha medo que ele nã o morde. Você tem cabelos vermelhos? Uma das minhas enfermeiras era ruiva e Brutus nã o gostou muito dela.

— Nã o, nã o sou ruiva,

Sabrina levantou, sabendo que Douglas estava testando sua coragem. Cachorros de cegos geralmente eram muito dó ceis, mas Ret tinha dito que aquele era uma fera. Respirou fundo, foi até a porta, abriu uma das folhas e afastou-se rapidamente, para dar passagem ao pastor alemã o, grande e preto, que correu para perto da poltrona envolta na fumaç a do charuto.

Douglas estendeu a mã o e afagou o animal, que ganiu, mostrando sua afeiç ã o, mas nã o saltou em cima dele. Tinha sido treinado para respeitar as necessidades, restriç õ es e medos instintivos dos cegos. Depois de cumprimentar o dono, Brutus olhou para Sabrina, eriç ando os pelos, cheio de suspeita.

— Pare com isso. A nova enfermeira já me disse que nã o é ruiva. Nã o sei porquê, mas tenho a impressã o de que é loira. Estou certo, meu velho?

Decidida a mostrar que nã o tinha medo de nenhum dos dois, Sabrina voltou calmamente até a cadeira. O cachorro rosnou, e imediatamente Douglas segurou a coleira.

— Quieto, Brutus. Está com ciú me? Nã o tenha medo, enfermeira. Fale com ele. Chame-o pelo nome.

— Alô, Brutus. — Sabrina fez o possí vel para manter a voz firme. — Você é muito bonito. Vamos ser amigos, nã o é? — Perguntou, estendendo a mã o para o animal.

Douglas estava com os olhos sobre ela, como se pudesse enxergar a cena. Talvez visualizasse uma jovem loura e encantadora, absolutamente segura de si. acostumada a ser apreciada por todos. Sabrina sabia que. se quisesse ser bem-sucedida naquele emprego, teria que conquistar a confianç a do cachorro. Na opiniã o de Douglas Saint-Same, ele era um membro mais importante da casa, e o animal parecia ter consciê ncia disso. Um cego vivendo num casarã o perto de rochedos nã o podia confiar apenas numa bengala. O cã o estava ali para guiá -lo pelas trilhas entre os, penhascos... para evitar que morresse numa queda.

Brutus ficou olhando para a mã o de Sabrina, e ningué m jamais poderá imaginar como o coraç ã o dela batia, quando o cã o levantou as orelhas e encostou o focinho na pele macia, farejando-a, desconfiado.

Depois, para enorme alí vio de Sabrina, Brutus lambeu sua mã o e olhou-a de modo tã o esquisito, que ela deu uma risadinha nervosa.

— Espero que isso seja um beijo de boas-vindas e, nã o, que esteja me experimentando, antes de tirar um pedacinho.

— Acho que Brutus gostou do seu leve sotaque, enfermeira. Ele foi comprado num canil da Escó cia, de uma velha amiga da famí lia que treina guias para cegos. Qual é a sua opiniã o sobre ele?

— Combina muito bem com o dono. Douglas riu e afagou a cabeç a do animal.

Você deve estar precisando de uma boa xí cara de café; fez uma viagem longa. Foi tudo bem?

— Ah, sim, muito bem. O võ o foi perfeito. Só senti um pouco de medo quando fui trazida até a ilha. O barco era tã o frá gil, que parecia que ia virar a qualquer momento. Agora entendi por que as á guas em torno da ilha sã o chamadas de lago Colorido. Tê m todas as tonalidades de verde e de azul.

— Sim, é como uma pedra preciosa. Poré m, seria muito perigoso se o barco virasse. Há muitos tubarõ es que vê m atrá s dos cardumes de peixes que ficam nos recifes. No tempo em que eu podia navegar sem me enfiar no meio das pedras, costumava ir até lá e cheguei a ver um enorme tubarã o branco. Sã o os mais ferozes. A beleza pode ser bastante traiç oeira. As vezes, esconde coisas muito perigosas. Douglas indicou um cordã o de campainha.

— Chame Charles, por favor. Tomaremos café juntos. Como vai ter que se acostumar com a minha companhia, é melhor começ ar o quanto antes. Disse que seu nome é Sabrina, nã o? A ninfa feliz.

— Foi o senhor quem disse isso.

— Sim, e pode ser muito mais verdade do que pensa... e, pelo amor de Deus, pare de me chamar de " senhor". Faz com que me sinta um desses professores de bengala, pronto a castigar os pobres alunos. É melhor me chamar de Douglas. Deixe meu apelido para quando eu nã o estiver por perto.

— Eu jamais sonharia...

Pare, Sabrina! Nã o diga isso! É claro que sonharia. Todas as moç as sonham com o amor e todas essas bobagens.

Antes de Sabrina poder responder que o amor era algo que tinha afastado definitivamente do pensamento, Charles entrou no estú dio e recebeu ordens para trazer o café.

-—- Traga també m alguns doces. Mocinhas bonitas gostam muito de doces. Diga-me, como é a srta. Muir?

— Ela é clara e simpá tica, senhor.

O criado devia ter sido franco, pensou Sabrina. Dizendo que era simpá tica, estava fazendo uma descriç ã o que podia dar uma idé ia errada a Douglas. Já sabia o quanto ia ficar magoada, se um dia ouvisse Ret, com seus modos debochados, contando a verdade ao primo:

— Ela é um ratinho meu velho. O tipo de garota que ningué m notaria, a nã o ser que estivesse perdido numa ilha deserta.

 Nos dias que se seguiram à sua chegada, Sabrina começ ou a descobrir; que Snapgaies tinha uma beleza que pertencia a um passado distante. Vinha dos tempos em que o aç ú car era uma grande riqueza e os engenhos trabalhavam a todo vapor. Hoje em dia, o casarã o estava mergulhado no silê ncio, mas sua beleza irregular era um testemunho daquela é poca de esplendor. Tinha muito mais personalidade do que qualquer mansã o cuidadosamente planejada.

Alguns salõ es imensos, com riquí ssimos candelabros de cristal que imitavam ã brisa dos ventiladores, faziam Sabrina pensar em luxuosas recepç õ es, onde as damas usavam longos vestidos de seda. Em contraste, havia també m uma ala mais moderna, com uma piscina, quadras de té nis, terraç os com trepadeiras floridas e um pavilhã o para festas informais.

Poré m, atualmente, era raro o dia em que havia algum hó spede nas iponentes poltronas de vime da varanda, e os jardins estavam maltratados e quase selvagens sob o sol tropical. O casarã o ficava cada vez mais isolado na ilha, e Douglas Saint-Same parecia nã o se importar com essa falta de cuidados que permitia que a floresta fosse lentamente conquistando seu territó rio, à medida em que os galhos das á rvores se relanç avam, formando sombras cada vez maiores, e que as trepadeiras cresciam selvagemente, sem serem podadas. Red ficava irritado com essa indiferenç a do primo. Sabrina entendia o que

ele sentia, mas achava que devia ser mais tolerante. Afinal, vivia à s custas de Douglas, apesar de ostensivamente administrar, sem muito impenho, a plantaç ã o de café. Todos os outros interesses da famí lia

tinham sido abandonados e os empregados, desiludidos, foram trabalhar em outras terras.

A ilha, que lembrava uma grande serpente flutuando no mar, era agora o refugio de um cego. Um paraí so onde nã o havia futuro, pouco mais do que um lugar para abrigar os poucos membros restantes da dinastia dos Saint-Same.

— A histó ria de sua famí lia daria um bom livro de aventuras — disse Sabrina a Ret, que tinha estado lhe mostrando os cafezais. — Você tem alguma inclinaç ã o para escritor?

Gostava de conversar com Ret. Sentia-se à vontade com ele, curiosamente imune a seu charme, que teria feito qualquer outra mulher perder a cabeç a. Ficava feliz por isso; teria detestado se transformar naquela figura de piadas, na menina feia apaixonada pelo belo e jovem fazendeiro.

Ret era uma companhia agradá vel porque tinha sempre muitas histó rias interessantes a contar sobre a famí lia Saint-Same. No entanto, era comum haver uma expressã o divertida em seus olhos cinzentos, como se ele nã o fosse totalmente indiferente à ideia de flertar com ela. Poré m, Sabrina era equilibrada demais, recolhida demais à sua concha, para se deixar envolver. Sabia muito bem que aquela atenç ã o toda só acontecia por ela ser a ú nica moç a branca e jovem que havia em Snapgates.

— Nã o tenho vocaç ã o para escritor. Estou interessado em assuntos muito menos sé rios. E você, nã o pensa em mais nada, a nã o ser na sua carreira de anjo da guarda?

— Nunca me considerei um anjo. Sou apenas uma pessoa habilitada, capaz de contribuir para o bem-estar dos outros. Gosto de dar um pouco de mim. Talvez nã o entenda isso, Ret, você é uma daquelas pessoas que vieram ao mundo para gozar a vida.

— Quer dizer que sou como a cigarra que canta enquanto os outros trabalham? Bem, Sabrina, se é do tipo que gosta de se dar, o que tem para mim? — Ret parou e forç ou-a a parar també m.

Estavam sob as á rvores, e a sombra esverdeada punha um estranho tom nos cabelos alourados dela. Seus olhos, grandes demais para o rosto, mostravam indulgê ncia, em vez de qualquer tipo de alarme.

— Desde muito jovem, aprendi que os homens me consideram um patinho feio; portanto, nã o precisava desperdiç ar seus talentos comigo.

 — Sabe de uma coisa? Você desperta minha curiosidade. Por que nã o gosta dos homens? O que aconteceu para ficar assim tã o precavida contra qualquer avanç o? Vamos! Prometo nã o contar seu segredo a Douglas.

— Acho que se tivesse que contar meus segredos a algué m, ele seria a pessoa mais indicada.

— Ah, quer dizer que está começ ando a se apaixonar por seu trô pego e sombrio paciente? Sei que isso à s vezes acontece.

— Nã o comigo.

— Por que nã o? É uma mulher, nã o?

— Sim, mas...

— Cuidado, mocinha! — Os olhos de Ret caç oaram da hesitaç ã o dela. — Tratar de crianç as e de um homem adulto sã o coisas completamente diferentes. Nã o esqueç a: quem está na escuridã o nã o vê como nó s, que estamos ao sol.

Sabrina corou e fez um movimento para passar por Ret. Mas ele a pegou pelo pulso e puxou-a para perto do corpo elegante e musculoso.

— Olhe aqui, menina, vamos ficar um bom tempo sob o mesmo teto; portanto, é melhor sermos amigos.

— Nã o estou me recusando a ser sua amiga, sr. Saint-Same.

Os dedos de Ret apertaram ainda mais seu pulso e ele ficou estudando seu rosto desafiador.

— Você podia ser até engraç adinha, se usasse um pouco de maquilagem. — Levantou o rosto de Sabrina com a ponta do dedo. — Alguma vez já foi beijada?

— Como se atreve...

-— É a minha natureza, estou sempre desafiando o diabo. Todos os Saint-Same sã o um pouco arrogantes e autoritá rios. Acho que vou beijá -la, e entã o veremos se continua a me olhar como seu eu fosse um menino malcriado precisando de umas boas palmadas.

Quando Ret abaixou a cabeç a para beijá -la, Sabrina achou a situaç ã o tã o ridí cula que explodiu numa gargalhada. Foi como se tivesse atirado uma cobra no pescoç o dele. Ret soltou-a, chocado, e depois uma expressã o de desdé m tomou conta do rosto dele.

—- Quem iria querer você, afinal? É uma coisinha de nada, e só um cego poderia sentir atraç ã o! Tem certeza de que vai ficar para titia é por isso que é tã o cheia de fricotes. Sabe muito bem que nenhum homem teria coragem de andar com você. Morreria de vergonha dos amigos!

Com essas palavras crué is, Ret saiu, furioso, em direç ã o da casa. Sabrina encostou-se numa arvore e pegou uma orquí dea que florescia no tronco. Era amarela, aveludada, linda... e logo lá grimas quentes e doloridas surgiram em seus olhos. Piscou com forç a para afastá -las. Chorar por um homem como Ret Saint-Same era puro desperdí cio.

Toda a vida, ele tinha sido mimado e agora se vingava dela tocando fundo em seu ponto fraco, com toda a raiva de um homem que se vê rejeitado pela primeira vez... e por uma moç a que devia ter ficado agradecida com a atenç ã o dele!

Sabrina amava a beleza com toda a paixã o secreta daqueles que sã o feios, e nunca conseguiria ficar magoada com a atitude de Ret. No entanto, uma frase dele ainda doí a como uma chicotada.

" Só um cego... " Só algué m que vivia na escuridã o podia sentir algum desejo por Sabrina Muir.

Bem, já tinha mostrado a Ret Saint-Same que nã o estava para brincadeiras. Colocando a orquí dea no bolso de cima do uniforme, continuou seu caminho, dizendo a si mesma que, daquele momento em diante, teria que ficar atenta a qualquer rachadura no muro que tinha construí do à sua volta. Como jamais havia conhecido o afeto, seria uma presa fá cil para qualquer sorriso mais carinhoso, e só ela sabia como era sensí vel.

Chegou à casa por uma entrada lateral e atravessou o pá tio sob o alegre chilrear das cigarras. Quando passou pelo caramanchã o coberto de flores brancas e perfumadas, parou, muito quieta, imaginando se o homem que estava fumando perto da fonte tinha percebido sua presenç a.

Douglas nã o deu sinal de ter ouvido. Tirou uma baforada do charuto e pegou o copo que estava na mesinha a seu lado. A um observador casual, pareceria igual a qualquer outro homem, capaz de admirar toda a beleza do jardim ã sua frente. Poré m, de repente, ele levantou a cabeç a diretamente para o sol. Só um cego poderia fazer isso.

Havia um certo apelo primitivo em sua figura. Observando-o sem ser notada, Sabrina sentiu nele a desilusã o de algué m que tinha amado e perdido. Será que a mulher nã o conseguira aceitar sua cegueira? Ele mesmo teria se afastado por nã o poder mais andar no mundo como a á guia das finanç as, respeitada e temida pelos outros homens?

Em sua solidã o, a necessidade de afeiç ã o devia ser imensa; poré m, seu orgulho era tã o grande, que Sabrina podia facilmente imaginá -lo rejeitando o amor, só por pensar que estava misturado com piedade.

— Quer tomar um ponche comigo, Sabrina?

— Como sabe que estou aqui? — Cada dia ficava mais impressionada com aquela incrí vel capacidade de sentir uma presenç a e estar quase sempre certo ao adivinhar quem era,

— Porque ningué m mais nesta casa tem o dom de ficar parada em completo silê ncio como você.

— Seja honesto.

— Ouvi o ruí do de seu uniforme engomado, quando passou pelas folhagens. Foi um segundo antes de você parar, como uma corç a que tivesse avistado um leã o.

Sabrina riu, mas havia um inegá vel elemento de verdade na comparaç ã o. Douglas nã o podia saber que, mesmo cego, parecia mais vigoroso e mais perigoso do que qualquer outro homem.

Na é poca em que podia ver, teria passado por ela sem um segundo olhar, mas agora, Sabrina fazia parte de sua rotina diá ria e estavam quase que intimamente envolvidos. Ela ainda encontrava alguma dificuldade em tratar de um paciente adulto e exigente. Na noite anterior, Douglas tinha tocado a campainha que ficava no quarto dela, e, quando Sabrina correu até ele, encontrou-o, nã o sentindo dores como esperava, mas inquieto, querendo uma xí cara de café bem quente e que ela lesse um capí tulo de um livro sobre barcos a vela. Nem por um instante, pareceu pensar que Sabrina podia estar cansada e com sono. Quando ele finalmente adormeceu, o reló gio da sala batia duas vezes no silê ncio do casarã o.

Sabrina nã o sabia dizer se Douglas fazia isso por arrogâ ncia ou por causa do medo solitá rio de nã o ser necessá rio ou amado. Se nã o fosse enfermeira, talvez tivesse a mesma falta de consideraç ã o pelos outros; talvez vivesse no mesmo isolamento. Essa era uma das coisas que tinha que se esforç ar por combater: a tendê ncia de Douglas de se transformar num recluso, fazendo os empregados estarem prontos a saltarem à s suas ordens.

Resolveu falar com a sra. Saint-Same. Ela devia convidar pessoas. Os portõ es de ferro seriam abertos para deixar entrar os amigos de Ret, enchendo os jardins e terraç os com risos e alegria. Nã o haveria nenhum mal. Tentaria convencer a avó de Douglas de que o neto precisava de companhia, de mulheres bonitas e pessoas interessantes que o fizessem sentir que nã o era bom ficar afastado de um mundo onde ainda havia risos e afeto.

— Vou chamar Nim para lhe trazer um copo de ponche.

Douglas ia gritar pelo rapazinho que costumava ficar sempre por perto para servi-lo, mas Sabrina o interrompeu.

— Pode deixar. Vou procurá -io para pedir que me traga um suco de

laranja com bastante gelo.

— Há gelo em sua voz, enfermeira, e aposto que está de cara feia. O que eu fiz agora?

— O senhor parece pensar que todos nesta casa tê m que estar sempre em alerta para servi-lo. Que todos giramos em torno do senhor e de seus caprichos.

— E é isso mesmo. Nim é um malandro que passa a maior parte do tempo dormindo embaixo das á rvores ou pegando conchas na praia. A obrigaç ã o dele é ficar sempre por perto para o caso de eu precisar. A sua també m.

— É mesmo?

— É sim, enfermeira.

Apesar de sua intenç ã o de ser firme com ele, Sabrina descobriu que toda sua decisã o ia sumindo, quando olhava para aqueles olhos cinzentos... tã o profundos e bonitos, mas que nem mesmo podiam saber se ela estava sorrindo.

— Vou procurar Nim. Seu copo está vazio, senhor. Quer mais um pouco de ponche?

— Sinto que gostaria de me dar umas boas palmadas pelos meus maus modos, nã o é, Sabrina?

— Duvido de que fizessem muito efeito.

— Por que meu couro é duro e sua mã o, macia? Cuidado, enfermeira! Nã o quero piedade de ningué m. Essa maldita cegueira já é bastante ruim de se tolerar, mas eu me tornaria menos do que um homem, se aceitasse compaixã o. Poderia ficar tã o furioso, que teria que provar que ainda sou homem... entendeu?

 — Sim. — Sabrina falou com uma vozinha fraca e afastou-se para ficar fora do alcance dos braç os dele ou da bengala.

— E melhor encher meu copo novamente.

Sabrina hesitou por alguns segundos, e um sorriso cheio de malí cia apareceu no rosto moreno.

— Está com medo que eu tente agarrá -la?

— Por favor, me dê o copo, senhor.

— Covarde! — A mã o de Douglas fez um daqueles movimentos calculados em direç ã o do copo e, como se os dedos dele fossem imantados, pegou-o sem o menor erro.

Sabrina se afastou, sentindo que podia adivinhar a moç a que Douglas estava criando na imaginaç ã o: magra, mas de corpo bem-feito, loira e atraente no uniforme branco. O lipo de mulher que conseguiria despertar desejos severamente reprimidos há tanto tempo. Uma enfermeira que estava sempre no quarto dele e que lhe servia café de madrugada, enquanto o resto da casa dormia,

Encontrou Nim cochilando à sombra de um jacarandá e acordou-o delicadamente, pedindo que fosse buscar o suco de laranja e dois copos. . Douglas já tinha bebido bastante rum para uma tarde, uma bebida gelada talvez pusesse um freio em sua imaginaç ã o.

O negrinho saiu correndo e Sabrina ficou sob a á rvore por alguns minutos, até recuperar o sangue-frio. Quando voltou para perto de Douglas, sentou-se na beirada de má rmore da fonte,

— Esteve passeando com Ret? Viu algo de interessante? — Como sempre, a pergunta foi feita num tom de ironia.

— Sim, ele me mostrou o cafezal. Nunca pensei que um pé de café pudesse ser tã o bonito,

— Essa beleza dura pouco tempo. Logo os frutos tê m que ser colhidos, armazenados e vendidos.

— O senhor faz tudo parecer tã o comercial!



  

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