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O Jardim das Acácias 1 страница



O Jardim das Acá cias

“Black Douglas”

Violet Winspear

 

 

— Só mesmo um cego poderia sentir al­gum desejo por você! — disse Ret, quando Sabrina rejeitou suas investidas. O insulto fe­riu fundo. Principalmente, por ser verdade. Ela nã o passava de uma garota magrinha, insignificante e assustada. E o ú nico motivo de Douglas, o primo de Ret, tratá -la com tanto carinho era que nã o podia vê -la. Em sua cegueira, Douglas imaginava Sabrina uma fada loura. Mais do que sua enfermei­ra, sua alma gê mea. Mas o que aconteceria se ele recuperasse a visã o? Será que nã o vol­taria para seu antigo amor, a linda Nadi Darrel? Entã o, ela teria que partir daquela ilha de sonhos e viver para sempre sozinha.    

 

 

CAPÍ TULO I

 

Sabrina foi levada até a ilha num pequeno barco que parecia a ponto de ser arrastado pelo vento a qualquer instante. O menino pô s a mala no ancoradouro, olhou-a de alto a baixo e sorriu.

— O chefã o vai chegar daqui a pouco, moç a. — E voltou para o barco, deixando-a completamente sozinha, a nã o ser pelos insetos que zumbiam entre as folhas das bananeiras.

Tinha sido informada por carta que algué m viria recebê -la, e ficou olhando em volta, tentando nã o parecer exageradamente apreensiva com aquele novo emprego, tã o distante de sua terra natal. Tinha vindo de muito longe e nã o queria nem pensar na possibilidade de um desapontamento. Respirou fundo, sentindo o estranho aroma que tomava conta do ar e ficou admirando um pá ssaro de plumagem colorida, pousado numa á rvore que parecia coberta de pompons amarelos. A encantadora beleza tropical tomava conta de seus sentidos e Sabrina rezou para tudo dar certo, para que o emprego lhe desse alguma compensaç ã o... e, talvez, até um pouco de felicidade.

Apesar do sol, havia sinal de chuva no ar, e ela começ ou a imaginar se nã o havia entendido mal, e esperavam que fosse sozinha até a residê ncia da famí lia Saint-Same. Nã o havia tá xis naquele lugar remoto, mas podia tentar encontrar algum tipo de conduç ã o. Atravessou a estrada; pensou em ficar sob as á rvores do outro lado para o caso de começ ar chover a qualquer momento. De repente, um carro apareceu na curva e veio em sua direç ã o, como um raio. Teria sido atropelada, se o motorista nã o pisasse nos freios em cima da hora, derrapando.

— Você podia ter me atropelado! — gritou, furiosa.

— Nã o devia ficar feito uma pateta no meio da estrada — respondeu o homem no mesmo tom. — Você s, pedestres, sã o impossí veis: andam com a cabeç a no mundo da lua e depois a culpa é do motorista.

Os olhos castanhos de Sabrina costumavam se incendiar quando ficava furiosa, e já pareciam duas chamas. O motorista, bonito e insolente, era do tipo acostumado a mandar e ser obedecido.

— Alguns de você s parecem ficar malucos quando estã o atrá s do volante e transformam qualquer estrada num perigo. Isso é um carro, nã o uma arma!

Ele continuou sentado, com um cotovelo apoiado no banco do carro esporte, e ergueu as sobrancelhas claras. Deu uma olhada para o porto, percorreu o ancoradouro com os olhos cinzentos, e depois virou-se para Sabrina, uma mocinha magrinha, segurando a mala, com um aspecto nã o muito diferente do de um gatinho faminto atirado a um mundo onde havia mais pontapé s do que carinhos.

— Estou aqui para apanhar algué m. Por acaso, é a nova enfermeira?

— Meu nome é Sabrina Muir. Sou enfermeira e estou indo para uma casa chamada Snapgates.

— Muito bem, Sabrina — disse ele, estreitando os olhos, que até pareciam duas fendas prateadas, enquanto a examinavam. — Tem certeza de que quer que eu a leve até lá?

-— É claro. — Nã o estava gostando daquele olhar inquisidor. — Fui contratada para cuidar do neto da sra. Saint-Same. Quer ver a carta? Está aqui no meu bolso.

— Nã o é necessá rio. Afinal, parece que é a ú nica pessoa por aqui com mala na mã o e ar dedicado. O que estava querendo dizer é que Douglas, o Negro, já teve seis enfermeiras, que pareciam muito mais valentes do que você, e nenhuma delas durou mais do que algumas semanas. Se quiser um conselho...

— Nunca me passaria pela cabeç a aceitar um conselho que nã o fosse da senhora que me contratou. Nã o sei quem é o senhor e nunca ouvi falar nesse Douglas, o Negro.

— Nã o mesmo? - O homem desceu do carro com um movimento elegante e se aproximou, com passos largos- Era muito alto, e Sabrina teve que inclinar a cabeç a para olhá -lo frente a frente. — Douglas é o paciente que você foi contratada para cuidar... e pode ter certeza de que nã o vai ser fá cil.

Sabrina ficou olhando para ele, e um pensamento passou por sua cabeç a: Se ele é da famí lia Saint-Same, é muito bom eu nã o ser bonita; ele parece um diabo com as mulheres: atraente demais e muito consciente desse fato.

— Esse apelido que usa para meu futuro paciente nã o parece muito adequado para uma crianç a. Será que maus modos sã o um traç o de famí lia? Você é um Saint-Same, nã o é?

Um sorriso maroto apareceu nos lá bios dele e seus olhos começ aram a brilhar.

— Sim, sou Ret Saint-Same. Mas, meu Deus, nã o está pensando que seu paciente é uma crianç a, está?

— Geralmente, cuido de crianç as, — Sabrina franziu a testa. — Quando recebi a carta dizendo que minhas qualificaç õ es tinham sido aprovadas, nã o vi motivo para pensar que Douglas Saint-Sarne nã o seria... um menino.

— Ele nunca foi um menino como os outros. Sempre houve algo de magia negra nele... um ar sinistro. Ret pegou a mala. — Se realmente está disposta a ficar em Snapgates, é melhor irmos andando. Seu paciente costuma ser mais impaciente do que o diabo!

Sabrina deu um olhar cheio de dú vida para o porto e ficou imaginando se devia continuar com aquele emprego. Tinha trabalhado sempre em Londres e com crianç as, e agora estava claro que a sra. Saint-Same tinha sido deliberadamente reticente na resposta à sua carta. Nã o mencionou que o neto era um homem adulto!

Ret abriu a porta do carro e nã o disse uma palavra, enquanto esperava que ela se decidisse. Depois de alguns segundos de hesitaç ã o, Sabrina sentou-se no banco e ouviu-o rir baixinho. Sua perna comprida encostou na dela, quando ele se sentou, e Sabrina se afastou automaticamente. Depois, corou: Que tola! Ele nã o era do tipo de homem que pensaria em flertar com algué m tã o sem graç a quanto ela.

Estava acostumada a só chamar a atenç ã o por sua competê ncia como profissional. Como mulher, se considerava um zero à esquerda. Nã o gostava de trabalhar com adultos porque tinha medo de ser magoada novamente. Uma vez, nos primeiros anos de profissã o, ouviu um paciente exigir uma enfermeira mais bonita, porque nã o aguentava mais " ficar olhando para aquele ratinho da Muir, com seus olhos grandes de morta de fome".

Durante todo o trajeto ficou sentada, muito tensa, contando com sua dignidade de enfermeira para enfrentar as brincadeiras de Ret.

— Nã o me perguntou a que distâ ncia fica Snapgates — disse ele.

— Estava distraí da com meus pensamentos. Mas, pelo que pude entender pela carta da sra. Saint-Same, deve ficar bastante isolada. Parece um pouco estranho,

— É um lugar adequado para uma famí lia estranha. Logo vai notar que há muito pouco movimento na estrada. É por isso que dirijo como se estivesse numa pista de corridas. Os moradores que costumavam plantar fumo e cana-de-aç ú car foram se mudando para lugares mais civilizados. Uma excelente ideia, é claro, mas meu primo tem mania de ser um senhor feudal: recusava-se, terminantemente, a se desfazer da propriedade. Se fosse minha, venderia tudo no mesmo instante. O fato é que ele nã o consegue perceber que ela está começ ando a cair aos pedaç os.

— Ele é doente demais para sair de casa? — perguntou Sabrina com um olhar rá pido para o belo perfil do homem que estava a seu lado.

— Nã o, nã o é um invá lido. O que nã o consigo entender é porque tia Laura fez você acreditar que ele era um rapazinho. Deve ter pensado que nã o viria, se soubesse a verdade.

— A verdade? — Sabrina sentiu um aperto no coraç ã o. Será que mais uma  vez tinha caí do numa casa cheia de paixõ es e conflitos de personalidades? — Gostaria que fosse mais claro, sr. Saint-Same.

— Para ser franco, nã o posso dar maiores explicaç õ es. Fui designado apenas para recebê -la e servir de motorista. Tia Laura me recomendou muito para nã o deixá -la nervosa. O que é uma piada, claro, porque Douglas vai aterrorizar uma mocinha com você.

— Como eu? — Ficou olhando em frente, sentindo aquela antiga e conhecida pontada de dor por ser considerada sem graç a e feia. — Posso nã o ser uma figura muito impressionante, mas acredite que sei lutar minhas batalhas.

— Nã o me entenda mal, enfermeira. Dogulas nã o vai poder notar que você nã o é nenhuma beleza.

— Entã o, deve ser um homem muito fora do comum. Sei, pô r

experiê ncia, que a maioria costuma julgar as mulheres muito mais pelo rosto do que pelo cará ter.

— Parece um pouco triste, mocinha. Por acaso, veio trabalhar nos tró picos por causa de uma desilusã o? Se for isso, acho que meu primo tem algo em comum com você: há muita tragé dia e misté rio na vida dele.

— Parece nã o gostar muito dele, nã o é?

Enquanto falava, Sabrina olhou para as mã os de Ret, que apertaram o volante com forç a. Pelo que estava começ ando a perceber, Douglas Saint-Same era quem contratava a fortuna da famí lia, c Ret devia ser uma espé cie de playboy. Com certeza, invejava um primo com muito dinheiro e sem saú de para gastá -lo.

— Douglas e eu somos como o sol e a lua. Será que estou sendo româ ntico demais para uma enfermeira acostumada com as realidades cruas da vida? Sou a alegria e ele é a tempestade. Sou pobre e ele é rico. Isso satisfaz sua curiosidade?

— Acho que pensa que, por ser bonito, devia controlar a conta bancá ria da famí lia.

Sabrina teve que sorrir. Ret parecia pouco mais do que um menino mimado, como aqueles com que estava acostumada a trabalhar. Devia ser muito querido pela tia, mas tratado com firmeza pelo primo mais exigente. Douglas Saint-Same era o senhor de Snapgates. Agora, seria seu paciente e, pelo jeito, devia ter um temperamento muito difí cil.

O sol começ ava a desaparecer no horizonte, quando se aproximaram de Snapgates, uma grande casa, construí da numa elevaç ã o rochosa muito imponente, com colunas gregas. O potente carro esporte subiu a encosta sem qualquer esforç o, atravessando os campos de cana-de-aç ú car e as terras virgens que pertenciam a Douglas, o Negro, cujo nome continuava a martelar no pensamento da jovem enfermeira que ainda nã o o conhecia.

Quando estavam quase chegando, Ret freou de repente e olhou para Sabrina.

— Lá está. Daqui, temos uma visã o muito melhor. A casa podia ser até bonita, mas, como disse, meu primo nã o se importa mais com a beleza. Está tudo abandonado. Veja, as janelas de trá s dã o para o mar. À noite, a maré sobe até perto da entrada das galerias que dã o para os porõ es. Antigamente, eram usadas para esconder contrabando e rebeldes fugitivos. Sempre houve algo de aventuresco no sangue da famí lia.

— Por que seu primo é chamado de Douglas, o Negro? — Sabrina ficou olhando para o rosto de Ret, enquanto fazia a pergunta.

Ele devolveu o olhar, com a testa ligeiramente franzida, e bateu as pontas dos dedos no volante. Seu terno branco caí a impecá vel no corpo elegante. Usava os cabelos louros e cheios um pouco compridos e tinha a pele bem bronzeada. Era incrivelmente bonito, mas Sabrina nã o sentia a menor atraç ã o. Era como se estivesse vacinada contra o encanto de qualquer homem. A habitual indiferenç a de todos eles a tinha feito se recolher silenciosamente dentro de uma concha de autoproteç ã o. Hoje em dia, ficava surpresa e até satisfeita em poder olhar friamente para algué m como Ret, apenas curiosa em saber mais sobre o dono de Snapgates.

— Há pessoas que nã o podem ser explicadas para um estranho. Vai ter que descobrir por si mesma. Ele tem esse apelido desde que me lembro. E, hoje em dia, é mais apropriado do que nunca.

Depois de deixar Sabrina ainda mais intrigada, ele ligou o motor e continuou até a entrada da casa. Os grandes portõ es de ferro batido estavam fechados. Ret buzinou, até aparecer um homem vestindo calç as pretas e um paletó de algodã o branco, que saiu correndo da portaria.

Sabrina nã o pô de evitar um ligeiro estremecimento, quando ouviu os pesados portõ es baterem atrá s dela. Uma alameda parecia serpentear por entre as folhagens. Percorreram esse caminho sombrio por uns dez minutos e, de repente, viram-se no pá tio em frente da casa. Sabrina desceu do carro, admirando as enormes colunas que formavam uma varanda no té rreo e um terraç o no segundo andar, todo coberto de primaveras coloridas.

Era uma casa estranha, um misto de clá ssico com rú stico como se cada dono tivesse acrescentado a ela uma parte de sua personalidade.

— Vejo que está intrigada com a casa — disse Ret, segurando a mala e subindo os degraus. — É o esconderijo de Douglas. Aqui, ele foge do mundo, com o qual antigamente, estava muito envolvido.

— Você o faz parecer um monstro. Tendo uma saú de tã o esplê ndida, nã o consegue sentir um pouco de pena dele?

— Sentir pena de Douglas, o Negro? — Ret deu uma risada de desdé m. — É melhor nã o fazer isso, enfermeira, ou vai acabar despedida em poucas horas. Nesta casa, há uma regra que está acima de qualquer outra: todos fingimos que ele é igual aos outros homens.

— E nã o é? — gaguejou Sabrina, imaginando realmente algum tipo de monstro.

— Nã o, mesmo antes do que aconteceu, sempre achei que ele nã o era como os outros.

Com essas palavras misteriosas, Ret levou-a peias portas envidraç adas.

Ela viu-se num grande saguã o de má rmore, decorado com está tuas colocadas em nichos nas paredes e tendo ao centro uma graciosa escadaria que levava ao segundo andar.

— Fiz uma viagem muito longa. Gostaria de me arrumar um pouco antes de conhecer o sr. Saint-Same.

Ret olhou-a de alto a baixo, mas nã o disse o que devia estar pensando. O encontro com Douglas teria que acontecer mais cedo ou mais tarde, e o fato de Sabrina estar ou nã o arrumada nã o ia fazer o primo se impressionar com sua aparê ncia.

O rapaz puxou um cordã o, e em poucos segundos um criado entrou no saguã o.

— Charles, quais foram os aposentos escolhidos para a srta. Muir? Os de sempre?

— Sim, senhor. Quer que eu a leve até lá?

Ret hesitou por alguns momentos, distraí do, como se estivesse ouvindo outra coisa alé m da pergunta do criado. Ia falar, quando Sabrina també m ouviu... o ruí do de uma bengala batendo no piso de má rmore, vindo do fundo do corredor, sob a sombra da escadaria.

Ret olhava naquela direç ã o e Sabrina olhava para ele. Podia ver claramente sua expressã o. Um misto de fascinaç ã o e ó dio!

Ouviu passos atrá s de si, calmos, vagarosos, os passos de um homem percorrendo seus domí nios. Gostaria de olhar pela primeira vez para Douglas Saint-Same com uma expressã o firme e controlada, poré m as coisas que o primo tinha insinuado nã o podiam ser facilmente esquecidas e ela se sentiu como uma figura de cera, pá lida e rí gida, enquanto aqueles passos chegavam cada vez mais perto...

— Cuidado! Vai bater em você com a ponta da bengala! — Sabrina levou um susto, quando Ret a puxou para perto dele.

Com os olhos arregalados, ficou olhando para o homem que ia ser seu paciente: era moreno, de ombros largos, bem mais alto do que Ret. Tinha cabelos muito pretos, sobrancelhas grossas e olhos cinzentos quepareciam emitir uma estranha radiaç ã o.

Douglas, o Negro... sua mã o apertava com dedos tensos o cabo de uma bengala branca!

A verdade atingiu Sabrina como um raio. Os olhos que pareciam chegar até o fundo de sua alma eram os olhos de um cego. Inacreditá vel, mas nã o havia duvida: Douglas Saint-Same podia sentir a presenç a dela, mas nã o podia vê -la. Suas narinas tremiam ligeiramente, como se farejasse o delicado perfume que Sabrina usava. Sua cabeç a poderosa, quase nobre, inclinou-se para trá s, tal como a de um animal que tenta ouvir o que está se passando à sua volta, quando tem os olhos cobertos.

— Ret! — A voz era profunda e severa. — Trouxe meu novo anjo da guarda?

— Sim, a enfermeira está aqui ao meu lado.

— Ela sabe falar?

Douglas Saint-Same nã o devia ser muito mais velho do que o primo, mas parecia ter sido amadurecido pelo sofrimento. Rugas profundas marcavam seu rosto. Pelo aspecto dos olhos, Sabrina notou que nã o era cego de nascenç a. Nã o havia qualquer cicatriz visí vel, mas a dor tinha esculpido uma marca entre as sobrancelhas bem delineadas.

— Acho que seria muito confuso um cego ser conduzido por uma muda — continuou ele, com voz cheia de sarcasmo.

— É claro que sei falar. — Sabrina estava chocada, mas decidida a enfrentá -lo sem mostrar qualquer inseguranç a. — Muito prazer, sr. Saint-Same.

— Ah, quer dizer que, desta vez, é uma bem moç a! Nã o só fala, como també m vê, enfermeira. Eu ando na escuridã o, seguindo a trilha dos malditos e condenados, mas meus ouvidos sã o agudos.

Estendeu a mã o, que parecia suficientemente forte para esmagar os dedos de Sabrina. Ela nã o conseguiu deixar de hesitar por alguns segundos, antes de colocar a mã o na dele. Em vez de apertá -la, Douglas passou o polegar pela pele jovem e macia. Parecia tatear os ossos delicados, como se eles pudessem lhe dar alguma idé í a de como era ela.

— Imagino que seja muito dedicada à sua profissã o. Ah, sua mã o ficou tensa. Deve ter um gé nio muito forte. Muir? Significa " mar" no dialeto do norte da Escó cia, nã o é?

— Acho que sim, senhor. — Sabrina falou quase com hostilidade, pois nã o conseguia sentir nenhuma piedade por ele. Só olhar para aquele homem bastava para perceber sua forte personalidade. Douglas, o Negro, tinha o aspecto de um feiticeiro da Idade Mé dia. Um sorriso brincava em seus lá bios, mas, em vez de confortá -la, fazia com que pensasse em se defender.

-— É escocesa? — perguntou, soltando a mã o dela. — Deve ser um poç o de eficiê ncia.

Seu tom era tã o sarcá stico, que Sabrina teve vontade de esbofeteá -lo.

Disse, friamente:

— Talvez possa se divertir, sabendo que fui encontrada na porta de um orfanato. O sobrenome Muir estava costurado nas minhas roupas e a diretora resolveu que eu devia me chamar Sabrina... porquê, nã o sei.

— Sabrina, a ninfa infeliz. — Douglas levantou uma sobrancelha. Estava caç oando dela e també m avisando-a de que o destino nã o tinha sido gentil ao trazê -la a Snapgaies. — Ret, leve a srta. Muir até o meu estú dio. Vou chamar Brutus. Ele saiu para dar uma volta e nã o quero que acabe caç ando algum macaco. Pode se transformar num sanguiná rio.

— Nã o sei por que continua com essa fera.

— Porque ele é minha vista, primo. É minha companhia, mesmo quando tudo sai errado. Tolera meu gé nio e continua sempre leal. Brutus é o meu ú nico amigo verdadeiro.

Sabrina deu uma olhada rá pida para Ret e ficou surpresa ao ver um rubor colorindo seu rosto bonito. Parecia estar se sentindo culpado.

— Vamos por aqui -— disse ele, dirigindo-se a ela.

Enquanto andavam até o fim do corredor, viu o criado subindo a escada com sua mala. Sentiu um leve tremor percorrer seu corpo. Logo estaria sozinha com o paciente mais desafiador de toda sua carreira.

Ret abriu uma pesada porta de carvalho e fez um gesto na direç ã o do estú dio.

— Vou deixá -la aqui como ele mandou. Nã o fique tã o nervosa. Douglas nã o pode vê -la, mas tem um ouvido terrí vel, e qualquer tremor na sua voz nã o passará despercebido. Sente-se e relaxe. Por que sentir medo de um homem que nunca conseguiria alcanç á -la, mesmo que estivesse disposto a persegui-la?

— Nã o seja cruel. Nã o é brincadeira um homem tã o cheio de vitalidade, completamente cego. Quem pode condená -lo por ser impaciente com as pessoas?

— Enfermeira, nã o se iluda, Douglas, o Negro, nunca foi gentil com ningué m. Bem, vou deixá -la a só s com o grande senhor. Até mais tarde. — Ret se inclinou, numa cortesia cheia de desdé m, e saiu fechando a porta.

Sabrina sentiu um arrepio e andou alguns passos para sair do alcance do grande ventilador que zumbia suavemente no teto. O estú dio era grande, imponente e suntuoso, e ela se sentiu muito pequena parada ali. E chocada com sua audá cia em aceitar aquele emprego a milhares de quiló metros de tudo que jamais tinha conhecido em toda sua vida.

 

 

                                                                                      CAPÍ TULO II

 

 

Enquanto esperava, Sabrina tirou dó bolso a carta que tinha recebido da sra. Saint-Same e releu-a, cuidadosamente.

" Há dias em que ele está bastante ativo e nã o mostra qualquer sinal de dor. Mas há outras ocasiõ es em que precisa tomar analgé sicos, e nã o suporto a ideia de ter que aplicar as injeç õ es eu mesma. Suas qualificaç õ es foram aprovadas pelo nosso mé dico, que virá vê -la, quando estiver instalada em Snapgates, para lhe fazer um histó rico sobre a doenç a de meu neto. Ele consegue se vestir e se alimentar sem ajuda... "

Em nenhum trecho, havia qualquer referencia ao fato de o neto da sra. Saint-Same ser um adulto... Aquela frase, sobre ele ser capaz de se vestir e de se alimentar sozinho, é que tinha levado Sabrina a pensar que fosse um menino.

Ficou olhando para a escultura de uma cabeç a de homem que estava sobre a mesa. O rosto era quase real, mas osolhos fitavam cegamente o espaç o. Nesse instante, ouviu a bengala batendo no má rmore do corredor. Ficou tensa, olhando Douglas Saint-Same abrir, a porta e vir em sua direç ã o como se a enxergasse.

Agora que estava a só s com ele, teve certeza de que, antes da cegueira, ele nunca tinha sido um homem que gostava de ficar afastado do mundo. Estava curiosa. Por que algué m com uma propriedade tã o grande como aquela nã o era casado? Ou teria amado alguma mulher e sido rejeitado por ser cego?

— Você nã o fala — disse Douglas, com sua voz profunda e quase impiedosa. — Acho que sei o que está fazendo. Deve estar me analisando, imaginando se vai conseguir cuidar de mim, certo? Nã o sou um homem paciente, enfermeira, e nã o pretendo me deixar levar. Nã o quero piedade. Tenho todas as minhas faculdades, exceto uma, e você só será necessá ria quando eu tiver uma daquelas malditas dores de cabeç a. E, entã o, acha que terá coragem de tratar de algué m como eu?

— Nã o vejo motivo para o senhor falar em coragem. Já lidei com muitas crianç as teimosas e nã o creio que seja pior do que qualquer uma delas.

— Palavras valentes, menina! Só que preciso lembrá -la de que nã o sou uma crianç a.

— Nã o ê isso. Estou simplesmente querendo dizer que, se tenho paciê ncia para tratar de crianç as difí ceis, nã o vejo por que ficar apreensiva com o fato de ter que cuidar do senhor. Por acaso, é algum tirano?

— Sei que todo escocê s é atrevido, mas há algo em sua voz que me diz que nã o é e nunca foi humilde, apesar de ler sido criada num orfanato. Como já disse, meus ouvidos sã o muito sensí veis, o que pode ser uma desvantagem para as pessoas que pensam que escapam à minha observaç ã o.

— Estou certa de que ignora muito pouco do que se passa em Snapgates.

— Você é esperta, mocinha, E bem prová vel que seja uma daquelas mulheres que se tornam enfermeiras na esperanç a de encontrar um bom partido. Vamos deixar tudo bem claro desde o iní cio: nã o sou do tipo de ficar encantado com uma voz bonita.

— Isso nunca passou pela minha cabeç a. A verdade é que escolhi a enfermagem porque gosto da profissã o, nã o porque achei que fosse um caminho fá cil para arranjar um casamento,

— Ah, uma mulher de carreira. '

— É assim que penso, sr. Saint-Same.

— Acha que vai gostar de trabalhar aqui? Olhe à sua volta. Posso me lembrar de cada detalhe deste aposento. Tudo foi mantido no lugar exato para eu nã o tropeç ar e cair de cara. É muito bonito, nã o?

Sabrina olhou os lambris de madeira de lei, a lareira de má rmore e o pesado damasco vermelho das cortinhas. Havia vá rios abajures e uma grande estante com livros elegantemente encadernados.

— Há um quadro na parede entre as janelas, enfermeira. Veja como eu

costumava ser.

A pintura que mostrava uma figura poderosa, montando um cavalo com uma crina tã o negra e selvagem como os cabelos do dono. Homem e animal estavam retratados galopando em uma plantaç ã o de cana-de-aç ú car, sob um cé u pesado de nuvens. Os olhos cinzentos do cavaleiro brilhavam, cheios de forç a e orgulho. O quadro era tã o ví vido, que os dois pareciam a ponto de saltar da moldura.

—- Agora sabe com quem vai lidar, srta. Muir. Com um homem que foi extremamente ativo e que agora é obrigado a andar lentamente. E o que acaba com minha paciê ncia e me faz rugir como um animal enjaulado. O que me diz?

— Que o senhor é muito parecido com um leã o de juba preta. Sempre

soube que eles sã o os mais perigosos.

— Perigosos, hein? Isso significa que tem medo de mim?

— Acho que gosta que os outros tenham medo do senhor. Assim, pode

mantê -los a distâ ncia.

— Muito inteligente! — Douglas aproximou a bengala, até bater na ponta do sapato de Sabrina, de modo a poder julgar a que distâ ncia ela estava. — Por que nã o senta? Há uma poltrona bem perto de você.

Era uma enorme peç a forrada de veludo vermelho, onde Sabrina se sentiria pequenina e em desvantagem para enfrentá -lo. Preferiu uma cadeira com espaldar reto.

— E o senhor, nã o vai sentar?

— Por quê? Porque sou cego e doente?

— Nã o, porque fico com dor no pescoç o de ter que olhar para cima. Douglas deu uma risada seca e tateou à procura da poltrona. Quando

sentou,. o paletó e os cabelos pretos formaram um contraste impressionante com o veludo vermelho.



  

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