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CAPÍTULO V
O cais do porto de Antí gua estava muito movimentado na manhã seguinte, quando Samantha e Craig desembarcaram. As tripulaç õ es dos grandes iates entraram e saí am, carregando caixas e engradados com mantimentos, alé m de galõ es de petró leo e ó leo diesel, levando-os a bordo ou entã o descarregando latas vazias e sacos plá sticos com lixo. Bandeiras de vá rias naç õ es flutuavam nos mastros. As quilhas dos iates, muito envernizadas, refletiam a luz do sol e todo mundo se chamava pelo nome. Apó s trocar algumas palavras com Jonas Smith, o jovem que cuidava do Falcã o Azul sempre que ele estava no porto, Craig se retirou e Samantha o seguiu. Já se haviam passado quatro dias desde que ela partira daquele lugar, com a firme intenç ã o de nunca mais voltar. Lá estava novamente, seguindo aquele homem altivo, cuja pele queimada de sol contrastava com a alvura de sua camiseta e de sua bermuda. Apesar de ter dormido apenas algumas horas, ele nã o parecia estar nem um pouco cansado. Andava apressado e Samantha sentia dificuldade em manter o passo. Ela ainda estava a poucos metros de distâ ncia quando ele dobrou à direita, indo diretamente ao terraç o do hotel. Nesse exato momento algué m surgiu diante de Craig: uma mulher e cujos cabelos ruivos emolduravam um rosto triangular, semelhante ao de uma bruxa. Morgana Taylor usava naquela manhã um vestido cor-de-rosa, estampado com folhas verdes e flores amarelas, uma combinaç ã o de cores que valorizava o tom de sua pele. Ao vê -la, Samantha parou, sentindo o ciú me tomar de si. Tinha vontade de lhe dar as costas e sair correndo, mas se controlou, fingindo nã o se importar nem um pouco com a presenç a daquela criatura. — Craig, querido! — exclamou Morgana, estendendo os braç os e beijando-o no rosto. — Quando foi que você voltou? Fiquei muito surpresa ao saber que tinha ido velejar sozinho. Nã o tinha a menor necessidade de partir só. Eu me sentiria muito feliz por ir com você. Foi só entã o que Morgana notou a presenç a de Samantha. A expressã o de seu rosto se alterou imediatamente. O sorriso com que tinha acolhido Craig morreu e ela apertou os lá bios. Em seus olhos surgiu um brilho hostil. — Samantha! — exclamou Morgana e todo vestí gio de prazer e gentileza tinha sumido de sua voz, dando lugar a um toque quase hostil: — O que está fazendo aqui? Pensei que tivesse partido com alguns amigos para um cruzeiro atravé s das ilhas. Farley me disse que você nã o voltaria para cá, mas regressaria à Inglaterra assim que o cruzeiro chegasse ao fim. — Nunca se deve acreditar no que Farley diz — observou Craig, com ironia. Antes que Samantha conseguisse imaginar uma resposta, ele lhe passou o braç o em torno dos ombros, puxando-a para si. — Eu nã o tinha condiç õ es de partir quando os amigos de Samantha a convidaram. Ela se foi sem mim e nó s nos encontramos mais tarde. Samantha e eu acabamos de chegar e vamos tomar o café da manhã no terraç o do hotel, antes de voltar para casa. Vamos sentar aqui, meu bem? — Ele fez a pergunta com grande ternura e lanç ou um olhar significativo para Samantha. Ela concordou e Craig manteve o braç o em torno de seus ombros, enquanto procuravam uma mesa num canto afastado. Sentaram-se um ao lado do outro e uma garç onete veio atendê -los. Quando ela se voltou para entrar no hotel quase se chocou com a Morgana, que os tinha seguido. — Pode trazer café para mim — disse à garç onete com voz autoritá ria, sentando-se numa cadeira, na extremidade da mesa. — Devo dizer que me alegro com a sua volta, Craig. O sr. Clifton se recusou a ver papai, enquanto você estava ausente. Carla diz que ele nã o quer discutir negó cios sem que você esteja perto. — Com um gesto nervoso, Morgana abriu a bolsa e tirou um maç o de cigarros e um isqueiro de ouro. — Como você pode imaginar, papai quase chegou a ficar irritado. Nã o gosta de esperar, mesmo num lugar tã o agradá vel quanto este. — Morgana, você nã o precisava ter vindo com ele. Sua presenç a nã o era necessá ria — disse Craig, com frieza. A ruiva ficou muito pá lida, e seus olhos lanç aram fagulhas. A atmosfera se tornou subitamente muito tensa, enquanto os dois se encaravam. Finalmente ela se pô s a rir, jogando a cabeç a para trá s. — Oh, querido, eu adoro quando você faz o papel de homem de negó cios, duro e mandã o — ela disse, inclinando-se e tocando a mã o de Craig, que estava pousada sobre a mesa. — Vou contar a papai que você disse, mas nã o vá pensar que andei perdendo tempo desde que cheguei. Tenho me divertido muito! Conheci um homem fascinante. É oficial aposentado da Marinha e arqueó logo amador. Ele me contou histó rias muito interessantes sobre a ilha. Meu bloco de anotaç õ es está cheio. Morgana começ ou a falar sobre tudo o que tinha aprendido em relaç ã o ao passado de Antí gua. Como sempre se dirigia unicamente a Craig, fixando-lhe os olhos, monopolizando-o completamente e ignorando a presenç a de Samantha. Nem mesmo quando a garç onete trouxe o café ela se interrompeu, contando sobre o sí tio arqueoló gico que tinha ido visitar na vé spera, numa propriedade particular, onde antes havia uma aldeia indí gena. — Brendan disse que os testes de carbono indicam que os fragmentos de cerâ mica e os ossos de peixe datam de 1100 a. C., mas as camadas mais profundas recuam a mais de sete sé culos. Disse també m que antes de os caribes chegarem aqui, pouco antes da viagem de Colombo, os aruaques viviam num verdadeiro paraí so. Esta ilha, que era apropriada para acampamentos indí genas, há tantos e tantos sé culos, é perfeita para o turismo hoje em dia. Nada tinha mudado. As coisas continuavam como sempre. Morgana falava sem parar, monopolizando a atenç ã o de Craig. Por que Samantha havia concordado em voltar com ele? Deveria saber que tudo seria exatamente assim. Como iria suportar aquela situaç ã o? Olhou de relance para Craig. Ele tinha terminado de comer e observar a xí cara de café, enquanto Morgana continuava a falar. Por acaso estaria prestando atenç ã o nela? Seria difí cil dizer. Subitamente, como se percebesse que Samantha o olhava, ele a encarou. Sorriu ligeiramente, mas com muita ironia, e em seus olhos surgiu um brilho divertido, enquanto fazia com a cabeç a um gesto quase imperceptí vel, em direç ã o a Morgana. Deu uma piscadela maliciosa e Samantha sentiu subitamente uma onda de afeto por ele. A exemplo dela, Craig achava o monó logo de Morgana extremamente tedioso. De repente ele se manifestou: — Cale a boca, Morgana. Ela parou de falar na hora, sem acreditar no que tinha acabado de ouvir, e piscou os olhos muito pintados. — Você disse alguma coisa, querido? — Disse para você calar a boca. Samantha e eu velejamos a noite toda e viemos até aqui na esperanç a de tomar o café da manhã em paz. Nã o estamos com vontade de ouvir o enredo do seu pró ximo livro. Confesso que para mim ele parece bastante chato. Acha que algué m vai querer ler isso? Samantha ficou tensa, à espera de que Morgana explodisse diante da grosseria de Craig e procurou disfarç ar, servindo-se de mais café. Morgana, pelo visto, levou algum tempo para observar o que ele tinha dito, pois fez-se um breve silê ncio, carregado de eletricidade. Ela entã o falou com a maior calma: — Algumas vezes eu me entusiasmo demais, nã o é mesmo? Mas isso só acontece quando estou na sua companhia, querido. — Olhou para Samantha e sorriu. — Sabe, estou tã o acostumada a contar a Craig tudo o que me acontece. Sempre fiz confidê ncias, como uma irmã faz com seu irmã o... — Seu sorriso se transformou aos poucos numa espé cie de careta e em seus olhos havia uma expressã o desagradá vel, enquanto ela continuava a fitar Samantha. — Ou como uma mulher faz com seu marido — ela acrescentou, em tom provocante. — Mas você nã o é minha irmã, nem minha mulher. Entã o precisa me contar tudo o que lhe acontece, eu nã o preciso ouvir isso — declarou Craig, fazendo um sinal à garç onete para que lhe trouxesse a conta. Ainda assim Morgana nã o se retirou. Voltando-se para Craig, inclinou-se sobre a mesa e acariciou-lhe os cabelos. — Como você está irritado hoje de manhã! Imagino que nã o tenha dormido muito bem ontem à noite. Está certo, vou ficar muda. Samantha pode falar no meu lugar. Se a memó ria nã o me engana, ela nunca teve muito o que dizer e a falta de conversa pode ser tã o aborrecida quanto o excesso. — Morgana voltou a olhar para Samantha e seu sorriso brilhante mal disfarç ava o desprezo e a raiva que sentia naquele momento. — Diga uma coisa, você dois se reconciliaram? Estã o juntos novamente? — Estamos, sim — disse Craig, com rispidez. — Meu bem, seria muito bom se você deixasse sua mulher falar de vez em quando. Eu me dirigi a ela. Se você ficar muito dominador, ela vai voltar a fugir. Nã o é mesmo, querida Samantha? Morgana desafiou-a com o olhar e Samantha precisou lanç ar mã o de todo o autocontrole para nã o se levantar e dizer tudo o que pensava daquela mulher, antes de se retirar. Percebeu subitamente que era exatamente isso que Morgana queria que ela fizesse. Ficou onde estava e, dominando a raiva que sentia, retribuiu o desafio com um sorriso amá vel, ao mesmo tempo em que segurava o braç o de Craig, acariciando-o. — Nã o, já cansei de fugir. Craig e eu estamos novamente juntos e pretendemos continuar assim, nã o é mesmo, meu bem? — Sem dú vida, meu anjo... — ele murmurou, encarando-a. Samantha sentiu-se aliviada, pois Morgana nã o conseguia ver o brilho irô nico no olhar de Craig. — Bem, só resta lhes dar os parabé ns e desejar tudo o que há de melhor — disse Morgana, levantando-se. — Devo me apressar. Prometi me encontrar com Brendan no estacionamento à s onze e meia e está na hora. Ele vai me levar para dar um passeio pelas colinas e mais tarde iremos até St. John, atravé s da floresta que fica do outro lado da ilha. Vou contar a papai que você está de volta, Craig. — Vou dar uma palavrinha com ele, se ainda estiver no hotel — disse Craig, levantando-se e pegando a conta que a garç onete lhe trouxera. — Nã o demoro muito, Samantha. Vou telefonar para casa e pedir Jeremiah que mande o Cadillac vir nos buscar. Sozinha à mesa, Samantha viu Craig e Morgana se afastarem em direç ã o à entrada do hotel. Ambos eram altos e tinham muitas coisas em comum; a nacionalidade, a educaç ã o, a riqueza... Mais uma vez sentiu aquele horrí vel ciú me de Morgana tomar conta de si, apesar da atitude um tanto rude que Craig tivera com aquela mulher. Samantha juntou as mã os, tensa, e engoliu em seco. Nã o tinha sido nada fá cil fingir que a separaç ã o havia terminado, e que mais uma vez eles eram um casal que se amava. Teria sido convincente? E por acaso Morgana precisaria ser convencida? Ela franziu o cenho, inquieta com aquele pensamento. Mais uma vez, desde que Craig lhe pedira para voltar para Antí gua e ficar lá alguns dias, fingindo que a separaç ã o chegar ao fim, Morgana imaginou por que ele estaria querendo que todo mundo soubesse dessa reconciliaç ã o. Precisaria perguntar as razõ es, mas o que ele diria? Quando Craig voltou ao terraç o e acenou para ela, indicando que viesse ao seu encontro, ele estava acompanhado pelo homem alto e grisalho que se encontrava na companhia de Morgana há quatro dias. — Acho que você ainda nã o conhece Samantha, nã o é mesmo? — disse Craig com amabilidade — Samantha, quero lhe apresentar Conrad Taylor. Havia um brilho de inimizade nos olhos negros de Conrad, a exemplo do que tinha acontecido com Morgana, e ele a cumprimentou com muita frieza. — Muito prazer — ele disse secamente, voltando-se para Craig. — Vou pensar no que você acaba de dizer e depois me comunico com você, meu filho. — Deu um tapinha nas costas de Craig e voltou para o hotel. — Bem, pelo visto passamos muito bem pelo primeiro teste! — observou Craig, bem-humorado. — Obrigado por nã o ter perdido o controle quando Morgana foi agressiva. O carro deve estar à nossa espera no estacionamento. Vamos. David Smith, filho de Jeremiah e chofer e jardineiro de Howard Clifton, estava à espera deles e daí a pouco percorriam a estrada que levava a Falmouth. — Falei com Carla pelo telefone. Ela ficou contente por você voltar comigo — disse Craig. — Segundo ela meu pai sente falta das suas leituras. Aproveitei a oportunidade e contei-lhe que a nossa separaç ã o chegou ao fim e que você ficará conosco o tempo que eu ficar. Samantha olhou para ele: o rosto bonito nã o revelava seus pensamentos e sentimentos; os olhos contrastavam mais do que nunca com a pele bronzeada. Craig a encarou com firmeza, sem o menor traç o de ironia no olhar. — Por que você quer que todo mundo acredite que a nossa separaç ã o chegou ao fim? Tem algo a ver com seus negó cios? — Talvez — ele disse num tom evasivo, olhando pela janela. — John Wallis ouviu dizer que Conrad Taylor espera assumir a presidê ncia da Clifton. Foi por isso que ele veio a Antí gua conversar com seu pai? — Onde foi que ele ouviu isso? — No bar do hotel. É verdade? — Talvez. Conrad espera voltar a discutir com o papai a possibilidade de fundir sua empresa com a nossa, possibilidade que ele levantou há dois anos. Até agora nã o teve muita sorte. — É porque seu pai se recusa a discutir o que quer que seja com Conrad sem que você esteja presente. — De fato. Você é bem esperta, nã o? Ouviu tudo o que Morgana dizia, embora desse a impressã o de que morria de sono. — Craig se aproximou um pouco mais e cruzou as pernas. — Meu pai disse a Conrad que nã o abordaria o assunto com ele, a menos que eu estivesse lá. Assim sendo, convidou você para vir até aqui, sabendo que eu també m viria. — Ainda assim nã o entendo por que você quer fingir que a nossa separaç ã o terminou. — Você nã o precisa entender. Tudo o que tem a fazer é ser meiga e gentil como sempre e me seguir, como fez até agora. Nã o será muito difí cil e haverá algumas recompensas para nó s dois — disse ele, com ternura. Antes que Samantha pudesse tomar alguma atitude ele lhe deu um beijo perturbador. Samantha estremeceu e abriu os lá bios, convidando-o involuntariamente a beijá -la e a explorar a doç ura de sua boca. Imediatamente Craig ficou excitado. Seguiu-se um momento de grande intensidade, em que ele se limitou a roç as os lá bios nos dela, em seguida se afastou. — Por mais que eu quisesse aceitar o seu convite e prolongar a experiê ncia, nã o temos tempo para isso agora, Samantha... Mais tarde voltaremos a tentar... — E, se fosse você, nã o contaria muito com isso — ela declarou, fingindo uma calma que estava longe de sentir e procurando se dominar para ele nã o perceber que seu coraç ã o batia descompassadamente e que mal conseguia respirar. O carro agora descia a colina alé m da qual se via a pequena baí a, em frente à residê ncia dos Clifton. — Lembre que você prometeu nã o me forç ar a fazer nada que eu nã o quiser fazer — ela disse, muito tensa, olhando para as á guas da baí a. — Esteja certa de que vou manter a minha promessa. Sensí vel à s menores mudanç as no estado de espí rito de Craig, Samantha percebeu um certo tom de ironia na voz dele e o encarou. Seu rosto parecia esculpido em madeira e estava imó vel. Apenas os olhos exprimiam zombaria. — Tenho a impressã o de que você gosta de ser beijada por mim — ele acrescentou com certo cinismo. — Pois está redondamente enganado — ela afirmou, percebendo que o carro tinha parado. David provavelmente morria de curiosidade e ouvia a conversa. — Sei que nã o estou — replicou Craig, rindo e acariciando a nunca de Samantha. — Por favor, abra a porta, David — disse Samantha, trê mula, sentando-se na beira do banco, numa tentativa de ser livrar daquele contato perturbador. — Quero descer. — Sim, senhora. David apertou o botã o no painel e as duas portas de trá s se abriram automaticamente. Samantha desceu e saiu rapidamente em direç ã o à casa. Carla estava à espera deles no vestí bulo. Sorriu e deu um abraç o apertado em Samantha. — Que bom ver você novamente! Farley procurou me atormentar, dizendo que você nã o voltaria, mas Craig explicou o que aconteceu. Disse que tinha partido com alguns amigos e que ele iria ao seu encontro e a traria de volta. — Farley foi para Toronto? — perguntou Samantha, tirando sua sacola da mã o de Craig. — Sim. Viajou ontem. Vamos até o quarto de Howard? Ele disse que queria ver você s assim que chegassem. — Gostaria de tomar um banho e trocar de roupa antes de vê -lo. E també m de lavar os cabelos. — Pois vá — disse Craig um tanto tenso. — Irei diretamente ao quarto de papai e você nos encontrará assim que estiver pronta. Como é que ele está passando. Carla? — Bem. Neste momento aquele rapaz está com ele — disse Carla, afastando-se com Craig. — Que rapaz? — Esqueci o seu nome. É do jornal de Londres. Howard nã o lhe contou que esperava um jornalista? Irá resolver com ele aquela questã o dos artigos... A voz de Carla se tornou apenas um murmú rio e Samantha nã o ouviu o resto do que ela ia dizer. Para sua grande surpresa sentiu-se contente por estar de volta à suí te confortá vel. Estava em casa e, apó s viver confinada em um iate durante alguns dias, era bom poder gozar de muito espaç o, espalhar suas roupas pelo chã o enquanto se despia e andar nua de um quarto para o outro. O melhor de tudo, poré m, era o conforto proporcionado por uma enorme banheira cheia até a borda, onde poderia deitar-se e relaxar, sabendo que nã o seria incomodada durante algum tempo. Nem mesmo por Craig... Ora, só faltava essa! Samantha sentou-se, num gesto brusco, e a á gua se esparramou pelo chã o. Estava profundamente irritada consigo, pois tinha deixando a imagem de Craig interferir em seus pensamentos. Pelo visto, ele nã o precisava estar no quarto para perturbá -la... Afinal de contas, o que ele pretendia? Por que queria que ela ficasse em sua companhia durante alguns dias e fingisse que a separaç ã o chegara ao fim? Craig evitava qualquer definiç ã o. “Você nã o precisa entender”, ele dissera quando estavam no carro, beijando-a depois. Nã o queria pensar naquele beijo e muito menos em suas reaç õ es. “Tudo aquilo nã o passou de um ato reflexo”, ela argumentou para si mesma, ensaboando vigorosamente os cabelos. Seus lá bios tinham reagido involuntariamente ao toque dos lá bios de Craig, pois já estavam acostumados ao seu calor e à sua seduç ã o. Ela, no fundo, nã o desejara retribuir aquele beijo, nã o tivera a intenç ã o de convidar Craig a prolongá -lo, animando-o a desfrutar com ela as delí cias do prazer. Ou nã o seria verdade? Samantha suspirou e voltou a deitar-se na banheira. “Tentaremos de novo mais tarde”, ele dissera. Sabia perfeitamente que Craig cumpriria a promessa e continuaria tentando, até pô r abaixo suas frá geis defesas. Ele nã o tinha mudado nada! Ainda era o homem por quem se apaixonara havia quatro anos. Continuava sendo dominador, direto, forte... Samantha pô s-se de pé, fechou a cortina e abriu o chuveiro. “Se você ficar muito dominador ela voltara a fugir, nã o é mesmo, querida Samantha? ”, a voz irritante de Morgana lhe soava nos ouvidos. Morgana se enganara. Nã o tinha fugido de Craig por desaprovar suas atitudes dominadoras, constatou, enquanto saí a da banheira e se enxugava com uma toalha felpuda. Tinha escapado unicamente porque nã o conseguia dividi-lo com Morgana. Era muito feliz até o dia em que ela apareceu, admitiu, enquanto enxugava os cabelos com um secador. Maldita Morgana! Por que estava sempre por perto? O que estava fazendo em Antí gua? Por que se interpunha entre Craig e ela? Por quê? Por quê? Seria de fato amante de Craig? Samantha desligou o secador e, indo para o quarto, abriu a porto do armá rio. Deveria existir um modo de descobrir se eles ainda tinham um caso. Quem poderia dizer? Carla? Samantha sacudiu a cabeç a, enquanto escolhia um vestido de algodã o verde. Nã o, duvidava de que Carla, tã o bondosa e maternal, soubesse muita coisa a respeito de Morgana, pois o relacionamento entre Craig e sua madrasta era pouco í ntimo. Ele jamais a tinha encarado como uma substituta de sua mã e. Quando Howard Clifton desposou Carla, Craig já estava em um internato, nos arredores de Ontá rio. Passava a maior parte das fé rias com sua mã e, na Inglaterra, e quase nã o via Carla. Era muito pouco prová vel que ela soubesse algo sobre seu relacionamento com Morgana. Samantha se vestiu e começ ou a se maquilar. A cor do vestido lhe valorizava a pele bronzeada e lhe acentuava o brilho dos olhos verdes. Jamais poderia competir com a aparê ncia vistosa de Morgana, mas até que era bem atraente... Tinha a pele boa, os cabelos finos e brilhantes, e os olhos possuí am uma expressã o suave. Craig, pelo visto, parecia ter sempre apreciado demais sua aparê ncia. Parecia... Samantha ficou tenta. Aí estava a dificuldade. Nã o tinha certeza se ele a amava realmente, pois nunca lhe dissera. Parecia amá -la, pois a pedira em casamento, mas nunca lhe havia dito nada. Achava que fazer com ela fosse o suficiente. No entanto, se Craig passara a infâ ncia e boa parte da adolescê ncia num colé gio interno e se viajava com frequê ncia para a Inglaterra, como era possí vel que fosse í ntimo de Morgana? Era estranho que ela nã o tivesse pensado nisso até entã o. Claro que a pessoa que ela deveria interrogar era o pró prio Craig! Tinha tentado, poré m suas respostas sempre eram evasivas ou indiferentes, quando ele nã o caç oava dela por ser ciumenta e possessiva. Samantha saiu do quarto e foi para a sala de estar. O vendo soprava, dobrando as folhagens nos vasos e os caná rios pulavam de cá para lá em suas gaiolas douradas. — Como você vê, os caná rios estã o se comportando de um jeito muito esquisito — comentou Carla. — Acho que mais tarde teremos chuva. O ar está ú mido e as nuvens estã o se acumulando no cé u. Acho que fazer a sesta. Howard també m precisa descansar. Por favor, nã o permita que Craig e o jornalista o faç am falar durante muito tempo. — Farei o que for possí vel — disse Samantha. Bateu à porta, quando chegou à suí te de Howard. Nã o houve resposta e ela entrou no aposento espaç oso. Como estava situado na ala leste, ficava mergulhado na sombra a maior parte do dia, mas, naquele momento, até mesmo lá o ar estava ú mido e quente. Nã o havia ningué m no quarto e ela o atravessou, indo até o pá tio. Howard estava sentado numa espreguiç adeira. Usava calç a de algodã o, uma camisa branca e um chapé u de palha, que escondia seus olhos cor de avelã. — Que bom que você voltou, Samantha! — ele disse, sorrindo. — Eu també m fiquei contente. Ela sorriu e lhe estendeu a mã o, percebendo com surpresa que estava sendo sincera. Sentia-se feliz por ter voltado. Abandonando-se a um impulso de afeto, inclinou-se e beijou o rosto de Howard. — Como está se sentindo? — Muito melhor, agora que você e Craig estã o juntos — ele disse, apertando-lhe a mã o. — Sr. Barry, quero lhe apresentar minha nora, Samantha. Este é Lyndon Barry, do Diá rio de Notí cia, o Jornal inglê s da Clifton. Lyndon! A cabeç a de Samantha girou e no mesmo instante ela ficou alagada de suor. Lyndon em Antí gua? Ela fez o possí vel para se controlar e olhou para o rapaz, que a encarava como se nã o conseguisse acreditar no que via. — Samantha! — ele exclamou, ficando de pé e esbarrando num gravador. — O que está fazendo aqui? — Você s já se conhecem? — perguntou Craig com rispidez. De braç os cruzados, ele estava sentado à mesa, diante de Lyndon. — Claro que sim! — disse Lyndon, que ainda fitava Samantha com ar de incré dulo. Ela forç ou um sorriso, desejando ao mesmo tempo que o rapaz sumisse de lá. — Olá, Lyndon. Que surpresa, nã o? Craig, como você deve saber, a revista em que eu trabalhava e o Diá rio de Notí cias funcionam no mesmo pré dio. Assim Lyndon e eu nos vimos mais de uma vez. — Percebo — resmungou Craig, lanç ando-lhe um olhar glacial. — Mas nã o sabia que ela... isto é, que Samantha era sua mulher — disse Lyndon. — Sabia, e claro, que era casada, mas... — Ele se interrompeu, confuso e olhou para Samantha com certa má goa. — Sempre usei o meu nome de solteira no trabalho e naturalmente Lyndon nã o poderia saber o meu nome de casada é Clifton. — Naturalmente — disse Craig e ela o encarou, preocupada. Os lá bios dele se contraí ram, numa expressã o carregada de ironia. — Acabou de entrevistar meu pai, Barry? — Por hoje, sim... — respondeu Lyndon, pegando o pequeno microfone e o gravador — Sr. Clifton, gostaria de voltar amanhã para fazer algumas fotos. — Está bem. Venha à s dez em ponto. Se chegar tarde terá de se arrumar com as fotografias que o seu jornal tiver no arquivo. Lá deve haver uma boa seleç ã o, já que o proprietá rio sou eu. — Chegarei à s dez. Seria possí vel eu chamar um tá xi? — ele perguntou. Parecia um tanto afobado e gotas de suor lhe banhavam a testa. — Onde está hospedado? — perguntou Craig, levantando-se. — No Hotel da Laguna. Fica ao lado da estrada. — Eu levo você. Vamos. — Oh, obrigado. Até amanhã, sr. Clifton. Até amanhã, Samantha. — Ele lhe lanç ou um olhar um tanto preocupado e seguiu Craig. — Sente-se, Samantha — disse Howard, com amabilidade. — Por que nã o contou para aquele rapaz que era casada com um Clifton? Sentando-se na cadeira de Lyndon, ela afastou os cabelos da nuca. A umidade e o calor a faziam sentir-se mal. O vento soprava o tempo todo, mas nã o lhe proporcionava o menor alí vio. A atmosfera se tornava cada vez mais opressiva. — Eu... nã o sei. Nunca me passou pela cabeç a contar. Nã o costumá vamos falar muito a respeito de nó s mesmos. — Ele nunca lhe fez perguntas em relaç ã o ao seu marido? Nunca quis saber onde você morava e por que estava separada dele? — Fez, sim, eu lhe contei a verdade, mas sem mencionar o nome de Craig. Nã o disse a ningué m que trabalhava comigo no escritó rio da Empresa Clifton que eu era sua nora. Poderiam pensar que eu tinha conseguido o emprego graç as à influê ncia de Craig. — Ah, sei. Foi muito sensato da sua parte. Mas se você nunca falou ao sr. Barry do seu relacionamento com Craig, onde foi que ele obteve a informaç ã o de que planejava se divorciar de meu filho? — Eu me lembro de ter dito a Lyndon certa vez que estava para consultar um advogado e lhe pedir conselhos sobre o divó rcio — ela murmurou. — E tem certeza de que nã o lhe disse o nome de seu marido? — Certeza absoluta — afirmou Samantha, enfrentando o olhar de Howard. — Acredito em você. Onde será que o rapaz pode ter ouvido esse boato? — Nã o sei. Ele nã o lhe fez nenhuma pergunta nesse sentido? — indagou ela, aborrecida. — Ele teve a audá cia de me perguntar se havia algum fundo de verdade no boato que corre entre os milioná rios de Antí gua, segundo o qual a mulher de meu filho mais velho pretende mover um processo de divó rcio. Isso bastou para eu ficar arrependido por ter concordado com essa entrevista. Durante anos evitei ser entrevistado pelos meios de comunicaç ã o, sabendo que os repó rteres tê m muito pouco respeito pela vida particular das pessoas e distorcerem a verdade. Mas é uma ocasiã o especial, pois estou me aposentando da presidê ncia da Clifton. Concordei em deixar todos os meus jornais publicarem um artigo a meu respeito. Mas estou irritado! Afinal de contas, esperava que um jornalista que trabalha para mim mostrasse mais tato e evitasse perguntas pessoais! — Howard se recostou nas almofadas da espreguiç adeira e fechou os olhos. Subitamente parecia muito cansado e frá gil. — Craig estava presente quando Lyndon fez a pergunta? — indagou Samantha e ele abriu os olhos, encarando-a novamente. — Graç as a Deus, nã o. Ainda pensa em se divorciar de Craig? Achei que... Bem, pelo menos Carla me disse hoje de manhã que você s dois resolveram pô r um ponto final nessa separaç ã o. — É verdade — ela disse, lembrando-se de que deveria manter as aparê ncias. — Que bom! Nã o gostaria que você fizesse o que a mã e dele fez comigo — disse Howard, e a amargura com que se exprimia chocou Samantha. — Mas o que foi que ela lhe fez? — murmurou, pensando na bela Ashley, que nã o tinha compreendido seu marido. — Casou comigo pelo dinheiro e assim pô de se divorciou, també m por dinheiro — ele disse, com frieza. — Isso é coisa que acontece sempre, mas nã o pretendo ficar de lado e deixar que ocorra com Craig. Está me ouvindo? — Howard a encarou, com ar de desafio. — Nã o fiquei imaginando que vai se divorciar de meu filho, acusando de crueldade mental ou qualquer coisa no gê nero e extorquir dele um milhã o de dó lares. Se houver divó rcio, será ele quem pedirá! — Nã o... haverá divó rcio — disse Samantha, trê mula. — Foi o que eu disse ao sr. Barry. Disse a ele també m que desfaç a imediatamente esse boato. Gostaria de saber quem começ ou essa histó ria toda. Você poderia tentar descobrir, Samantha. — Vai tentar. — Agora estou muito cansado. Vem aí uma tempestade. Todo mundo se sente irritado e nervoso quando se forma um temporal. Se nã o quiser brigar com Craig, fique afastada dele até a chuva cair. — disse Howard com uma risada irô nica, que o fazia se assemelhar ao filho. — Chame Jeremiah, por favor. Ele fechou os olhos e Samantha se levantou. Gostaria de lhe perguntar se ele desconfiava de quem havia espalhado o boato, mas ele estava pá lido e exausto, o que a fez mudar de idé ia — Vou dar o seu recado a Jeremiah — ela disse, tocando de leve o ombro de Howard e entrando em casa. Encontrou Jeremiah no corredor. — O sr. Craig telefonou — o criado disse. — Deixou um recado. Foi até St. John e volta mais tarde. — Obrigada. O sr. Clifton está muito cansado e pediu que você fosse vê -lo. Se Craig ou mais algué m telefonar, estou em meu quarto, Jeremiah. — Sim, senhora.
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