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CAPÍTULO III



 

 

Samantha seguiu Craig lentamente. Nada havia mudado, constatou, sentindo-se muito infeliz. Craig ainda tinha plena seguranç a do que representava para ela, e Samantha estava à sua disposiç ã o, pois ele continuava a excitá -la. Ainda conseguia despertar-lhe o desejo, fazendo-o fluir atravé s do seu corpo como lava derretida, destruindo toda a sensatez e toda a tentativa de resistê ncia. No entanto estava muito longe de saber se ele ainda a amava, a exemplo do que acontecia com ela.

Como poderia permanecer na residê ncia dos Clifton, quando ele se encontrava lá, e continuar a resistir? Era impossí vel, acabaria tendo uma crise nervosa. Precisaria partir, por mais convincentes que fossem os argumentos de Carla. Nã o poderia ficar e ser tratada daquela maneira por Craig, como se fosse apenas um item na agenda de encontros da diretoria da Empresa Clifton.

“Item n. º 1. º Lembrar a Samantha que ela ainda é a mulher de Craig Clifton, vice-presidente, e que ele ainda tem o direito de beijá -la e de fazer amor com ela quando tiver vontade”.

Nã o, nã o admitiria de modo algum ficar lá e ser tratada daquele jeito! Partiria imediatamente!

Quando chegou em casa, Craig já tinha entrado. Ao entrar no vestí bulo deu com Farley, que, pelo visto, eia sair. Usava uma calç a de algodã o e uma camiseta azul-marinho.

— Por que você partiu daquele jeito? Por que nã o ficou e me ajudou, conforme prometeu? — ele se queixou.

— Sinto muito...

Ela havia esquecido completamente a promessa de ajudá -lo a explicar a Craig por que nã o queria voltar para a universidade. Quando Craig surgira diante deles, sentira-se confusa como sempre, preocupada unicamente com suas reaç õ es.

— O que foi que ele disse? — perguntou. — Você foi agredido pelo fato de nã o querer voltar a estudar?

— Nã o, de modo algum! Ele parecia nã o estar nem um pouco interessado em mim. Disse que nã o se importava com o que eu quero fazer com minha vida, pois precisava pensar em coisas mais importantes. Disse mais, que eu poderia fazer o que bem entendesse e até mesmo ir para o inferno, contanto que isso nã o lhe custasse nada. Em seguida falou para minha mã e calar a boca e se retirou. Imagino que ele tenha ido atrá s de você, nã o?

— Sim. Quer dizer que você nã o voltará para a Universidade de Harvard?

— Nã o. Vou para Toronto, assim que conseguir reservar uma passagem. Mas agora preciso ir até o Hotel Miramar buscar os Taylor, que virã o jantar conosco.

— Os Taylor? — perguntou Samantha, sentindo um aperto na garganta.

— Isso mesmo. Conrad Taylor e sua filha Morgana. Ao que parece, vieram até aqui visitar papai. Até logo.

— Farley, me espere — ela disse, correndo atrá s dele. — Eu... prometi a Pamela e a Ken Wallis que os encontraria no hotel. Devo jantar com eles, mas primeiro preciso me trocar. Espere, por favor.

— Está certo. Aguardo você no carro.

Samantha dirigiu-se rapidamente ao quarto. Do banheiro vinha barulho do chuveiro e imaginou que Craig estivesse lá, removendo o sal da pele e dos cabelos. Nã o teria tempo de fazer o mesmo. Abriu o guarda-roupa, retirando um jeans, uma blusa, um sué ter e roupa de baixo. Pô s tudo numa sacola, pegou a bolsa, certificando-se antes que a carteira e o passaporte estavam dentro dela, tirou o vestido e o maiô, pô s outro vestido bem esportivo, de algodã o branco estampado com flores coloridas, escovou rapidamente os cabelos e saiu correndo do quarto, pois o chuveiro tinha sido desligado.

Farley estava à sua espera no Cadillac, conforme o prometido, e, embora lhe entregasse a sacola para guardar, ele nã o disse nada. Daí a pouco seguiam pela estrada estreita, em direç ã o a Falmouth.

O rapaz estacionou o carro na frente do hotel, um pré dio de tijolos aparentes importados da Inglaterra, terminado em 1788 e que fora inicialmente sede da administraç ã o do porto. Depois tornou-se um hotel e um dos pontos de encontro favoritos dos iatistas de todo o mundo.

Seu terraç o era um dos lugares preferidos de Samantha. As belas casuarinas proporcionavam uma sombra deliciosa e dele se enxergavam as á guas azuis da baí a. Possuí a uma atmosfera de serenidade e todas as vezes em que Samantha ia lá, sentia que poderia ficar sentada para sempre numa das confortá veis poltronas, ouvindo as pessoas conversarem em torno dela e tomando de vez em quando um gole de alguma bebida agradá vel.

— Estou aqui! — algué m exclamou de um dos cantos do terraç o, acenando.

— É Pamela — explicou Samantha a Farley. — Os Taylor devem estar lá dentro.

— Imagino que sim. A que horas você quer voltar para casa?

— Nã o se preocupe. Voltarei sozinha, mais tarde.

— Está certo.

Farley se afastou e entrou por uma das portas que levavam ao bar e à recepç ã o do hotel. Samantha caminhou por entre as mesas, em direç ã o à amiga.

— Já estava achando que você nã o viria mais — disse Pamela Wallis.

Era um pouco mais velha do que Samantha e seus cabelos castanho e muitos curtos combinavam com os olhos esverdeados. Estava muito queimada de sol e usava uma camiseta com a palavra “ Sí lfide” impressa em branco, sobre fundo azul-marinho, e bermudas brancas. Ela havia nascido na mesma cidade que Samantha e fora colega de turma de sua irmã Jennifer. Recentemente Pamela e seu marido Ken Wallis tinha embarcado em seu iate Sí lfide, atravessando o Atlâ ntico. De lá prosseguiriam até os Estados Unidos, esperando chegar à costa do Maine pelo mê s de julho, quando participariam dos festejos da fundaç ã o do Iate Clube dos Estados Unidos, para os quais tinham sido convidados todos os grandes clubes da Inglaterra e da Irlanda.

Samantha encontrara Pamela alguns dias antes, quando visitava o Museu Naval e, desde entã o, encantada por ver uma pessoa conhecida e tã o longe da Inglaterra, passou a visita-la todo os dias.

— Tive de ir pegar algué m no aeroporto — ela explicou, sentando-se ao lado de sua nova amiga. — Ken nã o veio com você?

— Nã o, ele tinha o que fazer no iate. Quem é aquele rapaz acompanhou você?

— FarleyClifton.

— Nã o é o seu marido, nã o?

— Oh, nã o! É irmã o de Craig. — Samantha hesitou, sem saber que tipo de confidê ncias poderia fazer a Pamela.

— O que foi, Samantha? O que está incomodando você? Parece estar cismada com alguma coisa. Pode me contar que nã o farei perguntas indiscretas.

— Craig chegou hoje. Tive de ir a seu encontro no aeroporto. Ele e eu... bem, estamos separados há dois anos e... nã o posso ficar na casa dos Clifton enquanto ele estiver lá. Tenho de ir embora. Você s ainda estã o pensando em ir até a ilha de Nevis amanhã?

— Sim. E o convite para que você venha conosco ainda está de pé. Pelo que vejo, trouxe uma sacola. Isto quer dizer que virá conosco para o iate, apó s o jantar, e passará a noite lá, de modo que a gente possa partir amanhã cedinho?

— Sem dú vida, se isso nã o for inconveniente.

— Nó s nã o terí amos convidado você, se pensá ssemos assim. Vamos apreciar demais a sua companhia. Se quiser, pode ir conosco até o Maine, quando terminar a viagem.

— Oh, nã o, é impossí vel! Tenho de descer em algum porto e tomar um aviã o para Londres. A ú nica coisa que desejo é partir daqui o mais rá pido possí vel. Obrigada, Pamela.

— Nã o há de quê! Sabe que ainda estou muito surpreendida com o nosso encontro no museu, a milhares de quilô metros da Inglaterra?

— Pamela olhou por cima do ombro de Samantha, que estava de costa para a entrada do hotel. — Seu cunhado está vindo para cá e traz algué m em sua companhia.

Samantha olhou e viu que Farley se aproximava, seguido por uma mulher alta e ruiva, de pele muito alva, cujos olhos se escondiam por trá s de ó culos escuros. Era nada mais, nada menos que Morgana Taylor...

— Samantha, que prazer em vê -la! — Morgana deu um vasto sorriso, exibindo seus dentes perfeitos, e estendeu a mã o. Braceletes de ouro tilintaram em seu pulso magro. — Nã o imaginava que você també m estivesse em Antí gua.

Samantha apertou rapidamente a mã o daquela mulher, sentindo-se mal ao fazê -lo

— Onde está hospedada? — perguntou Morgana.

— Na casa dos Clifton. Você está de fé rias?

— Nã o é bem assim. Vim com papai. Ele quer ver Howard para falar de negó cios. Eu sabia que Craig estaria aqui e aceitei o convite de papai, que me pediu para acompanhá -lo. Espero fazer també m algumas pesquisas para um romance que tenho na cabeç a. — Ela olhou para Pamela e sorriu. — Sou escritora — explicou. — Escrevo romances a respeito de mulher moderna, do movimento feminista e de como ele tem afetado nossos estilos de vida. Talvez já tenha lido algum dos meus livros. Meu nome é Morgana Taylor.

— Infelizmente nã o li, nã o — disse Pamela, levantando-se. — Aí vem Ken, Samantha. Podemos ir para o iate?

— Você nã o vai para a casa dos Clifton? — perguntou Morgana.

— Nã o. Vou passar alguns dias com Pamela e Ken no iate deles. Adeus, Morgana. Espero que aproveite bastante sua estada na ilha. Adeus, Farley. Por favor, diga a Carla que vou escrever.

— Ei, espera aí! — disse Farley. — Um momento. Quando vai voltar dessa viagem?

— Nã o voltarei mais.

— Mas você nã o pode partir desse jeito, sem dizer a ningué m para onde vai!

— Estou dizendo a você nã o é mesmo? E por que nã o posso ir para onde quero e quando quero? Está tudo bem, Farley: Nã o vou partir com estranhos. Venha conhecer Pamela e Ken. Ela é amiga de minha irmã e eu a conheç o há anos.

Farley foi apresentado aos Wallis e Pamela lhe garantiu que ficariam muito contentes por ter Samantha a bordo durante alguns dias.

— Sabe exatamente que ilhas irã o visitar? — indagou Farley.

— Em primeiro lugar Nevis e talvez St. Barhelemy e Anguilla. Esperamos chegar até as ilhas Virgens e até mesmo a St. Thomas — informou Ken, com bom humor.

— Mas você irá tã o longe assim? — perguntou Farley a Samantha.

Naquele momento aproximava-se de Morgana um homem alto e grisalho, provavelmente seu pai, Conrad Taylor.

— Nã o tenho certeza. Quando achar que basta, descerei onde houver um aeroporto e tomarei um aviã o para a Inglaterra ou para Miami.

— Quer dizer que nã o voltará mais para cá? — perguntou Farley, muito intrigado.

— Nã o.

— E Craig? — ele disse baixinho, apó s lanç ar um olhar preocupado para os Wallis.

— O que tem ele?

— Craig veio até Antí gua para vê -la. Sei que é verdade, pois foi mamã e quem me contou.

— Nã o acredito que ele tenha vindo apenas para me ver — disse Samantha, notando que Morgana se aproximava. — Creio que veio porque sabia que Morgana estaria aqui.

— Morgana? Repetiu Farley, parecendo ainda mais intrigado. — Por que haveria de querer vê -la? Pode estar com ela sempre que quiser, em Toronto. Aliá s, nã o entendo exatamente por quê. Ela é uma chata e só sabe falar de seus livros o tempo inteiro. Ao ouvi-la falar, a gente pensa que ela escreveu o maior romance do sé culo XX!

— Sempre existiu algo entre Morgana e Craig. É tudo que posso dizer agora. De qualquer modo nã o se preocupe com isso, Farley. Sei o que faç o. Por favor, diga a Carla para nã o ficar preocupada por eu ter partido com tanta pressa. — Percebendo que os Wallis se afastavam e que Morgana e o pai estavam cada vez mais perto, beijou Farley no rosto. — Adeus, Farley. Boa sorte em sua nova carreira.

Samantha seguiu os Wallis atravé s dos cais. O vento quente soprava sobre as folhagens das palmeiras que se erguiam em torno do museu, outrora conhecido como a Casa do Almirante, um elegante edifí cio de madeira pintado de branco, com janelas cinzentas e uma varanda espaç osa e acolhedora.

No ancoradouro, John Wallis, irmã o mais novo de Ken, que viera da Inglaterra para participar do cruzeiro atravé s das ilhas, esperava por eles. Subiram no grande bote de borracha, movido a motor, e daí a pouco percorriam as á guas tranquilas e cintilantes, passando por vá rios iates em direç ã o ao Sí lfide.

O sol se pô s rapidamente e no cé u, todo azulado, surgiram as primeiras estrelas. Mais tarde saí ram novamente do iate e foram de barco até uma praia pró xima, jantar num restaurante ao ar livre. Voltaram para o Sí lfide logo depois das dez e todos foram dormir, pois pretendiam levantar-se bem cedo.

Até entã o tudo corria muito bem, Samantha constatou, deitada em seu camarote. Ouvia o assobio do vento, o ruí do surdo da corrente da â ncora que se chocava contra o iate e contemplava as estrelas atravé s da escotilha. Tinha conseguido escapar. Farley diria a Carla e Craig para onde ela fora. Ficaria claro para ele, de uma vez por todas, que aquele casamento estava acabado.

Ela se virou na cama, agitada, recordando o que ele dissera quando deixaram o aeroporto. Esperava que voltassem a ficar juntos, quando ela parasse de se comportar como uma crianç a mimada. Craig nã o queria o divó rcio.

“Divó rcio... divó rcio..., a palavra detestá vel parecia martelar o cé rebro de Samantha.

Divorciar-se de Craig parecera a atitude mais apropriada, quando estava na Inglaterra e nã o o vira por dois anos. Agora, apó s revê -lo, apó s sentir a paixã o renascer quando ele a tocava, Samantha tinha dú vidas a respeito de si mesma. Seria possí vel que ainda estivesse apaixonada por aquele homem?

Dormiu atormentada pela dú vida e daí a pouco sonhou que se encontrava ao lado de Craig, nadando com ele. Saí am da á gua e, de mã os dadas, passeavam por uma praia deserta, numa ilha igualmente deserta, como acontecia com frequê ncia em sua lua-de-mel. Sentia-se feliz por estar com ele, mesmo no sonho. Craig agora era inteiramente dela. As reuniõ es de negó cios e as viagens ao exterior nã o mais os separariam. Acima de tudo, Morgana Taylor nã o existia mais.

De repente ele a deixou e foi correndo para o mar. Mergulhou e nã o pareceu mais. Angustiada, Samantha procurou avistar aquele corpo queimado de sol, mas Craig nã o voltou à tona e ela começ ou a chorar.

— Volte, Craig! Volte para mim! — disse, gemendo.

— Samantha! Está na hora de levantar! Vamos partir.

A voz de Pamela interrompeu-lhe os sonhos e Samantha acordou com sua amiga olhando para ela, um tanto intrigada.

— Você estava tendo um sonho e tanto! Dizia coisas sem nexo e se revirava na cama.

— Foi um pesadelo. Ainda bem que você me acordou.

— A manhã está linda, O vento sobra a nosso favor e Ken disse que chegaremos a Nevis no final da tarde. Assim que se vestir, venha tomar café.

Pamela saiu do camarote e o iate tremeu ligeiramente no momento em que o motor foi ligado. Ouviu passos no convé s e imaginou que John estivesse recolhendo a â ncora.

Ken estava no leme. Baixo e forte, tinha cabelos castanho e a barba vermelhada. Muito atento, alterava a toda hora o rumo do Sí lfide, a fim de evitar os outros iates, indo em direç ã o à estreita abertura da baí a.

— Olhe que belo iate está entrando no porto! — Observou, quando Samantha sentou-se perto do leme. — É quase do mesmo tamanho do nosso, mas a proa é mais elegante. Que beleza! E é muito bem cuidado! Veja só como o verniz brilha!

Samantha olhou para o iate. O casco era azul-escuro, tinha dois mastros dourados e velas vermelhas. Reconheceu-o imediatamente.

Era o Falcã o Azul, o iate de Howard Clifton, no qual havia feito um cruzeiro com Craig atravé s das Bahamas. Ela apertou os lá bios e procurou dominar a tristeza que sentia. Tinha passado momentos tã o felizes naquele iate! Jamais os esqueceria, constatou, sentindo-se um tanto deprimida.

— Sabe quem é o proprietá rio?

Samantha percebeu que Ken lhe dirigia a palavra.

— Pertence a Howard Clifton.

— Tem algum parentesco com você?

— Somente pelo casamento. — Pelo visto Pamela nã o tinha contato nada ao marido. — É... meu sogro.

— Seria o mesmo Howard Clifton, proprietá rio de uma cadeia de jornais no Canadá e na Inglaterra, um multimilioná rio? — perguntou John Wallis, com curiosidade. Ele tinha vindo para junto do leme e sentar-se diante de Samantha.

— Exatamente. — Samantha sentiu um certo alí vio ao ver Pamela surgir com uma bandeja de café. — É presidente da Clifton.

— Foi o que pensei. Ainda outro dia, no bar do hotel, ouvi uma conversa de que Conrad Taylor espera adquirir a Empresa Clifton. A pessoa que estava comigo me apontou Taylor. Ele está hospedado no hotel, com sua filha. Aquilo nã o quis dizer absolutamente nada para mim, mas imagino que signifique muito para você. Naturalmente deve estar a par da transaç ã o, nã o?

— Nã o, só fiquei sabendo agora. Eles... isto é, os Clifton, nã o conversaram a respeito de negó cios comigo.

Para grande alí vio de Samantha, Pamela abordou outros assuntos e os Clifton e Taylor foram deixados de lado. Quando acabaram de tomar o café o iate já tinha deixado a baí a, navegando em direç ã o ao alto-mar.

As velas foram iç adas, o motor desligado e o vento impulsionou o iate.

— Se o vento continuar a soprar desse jeito, a viagem será muito tranquila — observou Ken. — Nã o teremos muito o que fazer, a nã o ser tomar banho de sol e dormir.

Apó s ajudar Pamela a lavar a louç a do café da manhã, Samantha foi até o convé s e sentou-se na frente do mastro, protegida por sua sombra. O iate furava bravamente as ondas e ao longe avistava-se uma ilha. Suas montanhas, envoltas numa neblina avermelhada, contrastavam com o cé u incrivelmente azul. Era Montserrat, conhecida como a ilha Jardim. Olhando para o outro lado, Pamela nã o via o menor sinal de terra, apenas o mar imenso, que se estendia em direç ã o a um horizonte sem fim.

Mudou de posiç ã o e esticou as pernas, para bronzeá -las. Pamela se aproximou, oferecendo-lhe um copo de suco de frutas misturado com á gua de coco.

— Você encontrou um bom lugar para evitar o calor — observou, sentando-se. — O convé s fica muito quente a esta hora. Está gostando do iate?

— É muito confortá vel.

— Tã o confortá vel quanto ao iate de Howard Clifton? Imagino que você tenha viajado nele.

— Viajei, sim. O Sí lftide é mais largo e talvez nã o tã o rá pido quanto ao Falcã o azul.

Fez-se um breve silê ncio, enquanto ambas tomavam o suco. A deliciosa mistura de abacaxi, suco de laranja e á gua de coco acalmou a sede de Samantha.

— Detesto fazer perguntas sobre a vida particular dos outros, mas estou intrigada com você, Samantha. Se eu lhe perguntasse por que se separou de seu marido, você diria?

— Sim. Nã o tenho nada a esconder. Decidi que nã o posso voltar para Toronto e viver o tipo de vida que se espera da mulher de um executivo rico. Quero prosseguir a minha carreira em Londres. Craig nã o gostou da minha decisã o e sugeriu que nos separá ssemos durante dois anos, a fim de descobrir o que querí amos. Ontem nos encontramos pela primeira vez, durante todo esse tempo.

— E...

— Ele se comportou como se a separaç ã o tivesse chegado ao fim.

— Mas nã o é o que você sente, nã o?

— Nada mudou. Ele nã o está mais apaixonado por mim do que quando nos casamos. Nã o passo de uma pausa em sua agenda de negó cios, que deve ser encaixada entre outros assuntos mais importantes, tais como organizar a Empresa Clifton, fechar contratos e ganhar dinheiro. Alé m do mais, existe Morgana Taylor.

— Ah, sim, aquela escritora esquisita que conhecemos no hotel. Ela é qualquer coisa, nã o? É profundamente egoí sta, pior do que qualquer homem. O que ela a ver com seu marido?

— Ele a conhece há anos. Creio que é sua amante.

— Meu Deus! Como foi que uma garota como você acabou se envolvendo com esse tipo de gente? Agora começ o a entender por que você quis participar deste cruzeiro conosco. Nã o poderia ficar em Antí gua enquanto a tal de Morgana estava lá, sobretudo por saber o que existe entre ela e Craig. Estou certa?

— Sim, se bem que eu tenha decidido partir antes de saber que Morgana viria até a ilha.

— Tinha medo dele?

— Sim, de certo modo.

— Meu Deus, ele por acaso nã o... bateu em você, violentou ou fez qualquer coisa no gê nero, nã o é mesmo?

— Oh, nã o! — Samantha nã o conseguiu deixar de sorrir ao observar a expressã o aterrorizada de sua amiga. — Talvez eu tenha dado a você uma impressã o falsa. Nã o receio o que Craig possa fazer comigo. É que... tenho medo de ficar na mesma casa que ele, ou, melhor dizendo, no mesmo quarto.

— Percebo. Sim, agora percebo claramente. Você nã o tem medo desse homem, mas de como vai reagir na presenç a dele. Teme experimentar as emoç õ es que a proximidade de Craig possa despertar em você. Tenho a impressã o de que ainda está apaixonada por ele e sente raiva de si mesma por isso. Está fugindo de si mesma e nã o dele, nã o acha?

— Creio que sim... — murmurou Samantha, sentindo-se muito infeliz e encarando a verdade a respeito de si mesma. — Oh, Pamela, achei que tudo ia ser tã o diferente quando concordei em casar com ele! Acreditava que estarí amos juntos o tempo todo e dividirí amos tudo.

— É, pelo visto você tinha grandes expectativas... E quanto durou esse casamento? Um ano e meio? É muito pouco tempo para se chegar a uma conclusã o, Samantha.

— Mamã e vive dizendo que eu nã o deveria ter casado naquele momento, pois, segundo ela, eu era jovem demais, imatura.

— Imagino. A sra. Lewis provavelmente tinha razã o. Agora isso nã o tem mais importâ ncia, Samantha. Você tomou uma atitude. A pró xima cabe a Craig. Naturalmente algué m vai dizer a ele para onde você foi, nã o?

— Sim, Farley vai contar a ele. Nã o espero, poré m, que Craig faç a alguma coisa. Para ser sincera, nã o espero que ele faç a absolutamente nada.

Pamela nã o disse nada, mas havia uma expressã o de ansiedade em seu olhar, enquanto estudava o rosto de Samantha.

— Bem, vamos nos revezar com Ken e John — Ela propô s. — Você fica no leme e eu farei o resto. Puxa, como o iate está indo ligeiro! Mal se percebe Antí gua e Montserrat começ a a ficar para trá s.

— Quanto tempo vai demorar para avistarmos Nevis?

A ilha surgiu no horizonte no meio da tarde. Ao longe parecia uma enorme montanha, envolta em neblina, e seu pico dava a impressã o de estar coberto de neve. À medida que se aproximavam, verificaram que na verdade a neve nã o passava de uma espessa nuvem, pairando acima de encostas verdejantes, campos amarelados e á rvores. Quando o sol começ ou a se pô r, tingindo o horizonte de pú rpura e dourado, o iate ancorou na enseada de Charlestown, a capital de Nevis.

Na manhã seguinte foram até a costa no Zodí aco, apresentaram-se na alfâ ndega e tomaram um tá xi, a fim de visitar a linda ilha.

Primeiro foram até as ruí nas do Hotel Bath, uma elegante edificaç ã o de pedra, situada junto a uma lagoa de á guas medicinais e que datava do sé culo XVIII. Tinha sido construí do para receber visitantes nã o só das ilhas vizinhas, mas també m da Inglaterra, que vinham servir-se das á guas para curar vá rias doenç as, da gota à lepra.

De lá seguiram por uma estrada cheia de curvas, em direç ã o à Igreja de Sã o Joã o, numa pitoresca aldeia. Era muito antiga e parecia ter sido transportada de uma aldeia da Cornualha. As paredes eram pintadas de branco e os pilares de sustentaç ã o, de azul. Sobre uma mesa antiga estava um livro de registro de casamentos, muito gasto.

Samantha abriu uma das pá ginas e lá estava escrito, com tina esmaecida: “11 de març o de 1787. Casamento de Horatio Nelson Esquire, capitã o do navio Boreas da esquadra de Sua Majestade, com Frances Herbert Nesbit”.

— Trata-se do famoso lorde Nelson ­— explicou Pamela. — A noiva vivia num engenho de aç ú car e o casamento foi realizado na fazenda dos Montpelier, que agora é um hotel. Iremos lá em seguida.

A chuva caí a em toda a ilha quando eles voltaram do passeio e das visitas aos vá rios engenhos. Todos eles tinham sido transformados em hoté is. O Sí lfide balanç ava, pois, o mar estava agitado, e Ken decidiu levar o iate até uma grande baí a em St. Kitts, uma ilha vizinha. No momento em que deixavam a enseada notaram outro iate, que procurava abrigar-se nela.

— Será que eles tiveram dificuldades? — perguntou Ken. — John, pegue o binó culo e dê uma espiada. Veja se é algué m que conhecemos.

John levou alguns segundos para relatar o que observava. O Sí lfide jogava demais e ele demorou para ajustar o binó culo e observar o outro iate.

— Está parecendo aquele iate azul que vimos em Antí gua, mas talvez eu me engane. É impossí vel ler o nome a distâ ncia.

— Está se referindo ao Falcã o Azul? — perguntou Ken.

— Exatamente.

Samantha e Pamela se entreolharam. O iate, a uma grande distâ ncia, nã o parecia maior do que um bote e enfrentava as rajadas de vento que vinham do alto das montanhas, na ilha de Nevis.

Seria de fato o Falcã o Azul? Samantha sentiu a excitaç ã o se apoderar de todo o seu ser. E se fosse o iate de Howard Clifton que se aproximava? Foi preciso um grande esforç o para manter a imaginaç ã o sob controle e impedi-la de atravessar as á guas encrespadas e ir até o iate. Craig estaria ao leme, tentando enxergar atravé s do nevoeiro trazido pela chuva e pelo vento, procurando onde ancorar. Nã o era difí cil imaginar que Morgana estava ao seu lado, partilhando com ele a violê ncia da tempestade.

Nã o deveria, no entanto, entregar-se à queles pensamentos e supor que Craig estivesse por perto. Fazer isso seria criar expectativas e ela nã o queria mais nada dele.

Assim que o Sí lfide ancorou na ampla baí a de St. Kitts fez-se a escuridã o e a chuva começ ou a cair. Todos se abrigaram na pequena sala da popa e, durante o jantar, comeram o delicioso peixe e os frutos tropicais que Pamela tinha comprado no mercado de Charlestown.

Em seguida jogaram baralho e ouviram as fitas que John tinha trazido da Inglaterra. A noite seguiu na maior tranquilidade e o dia amanheceu belo e calmo. Apó s o café da manhã a â ncora foi levantada, ligou-se o motor e o iate navegou em direç ã o ao estreito que separa St. Kitts de Nevis. As nuvens ainda envolviam as montanhas de Nevis, mas o sol que despontava no cé u azul se refletia sobre o mar, pondo manchas de prata nas ondas muito brancas.

Assim que deixaram para trá s o perigoso estreito, onde as rochas despontavam, John iç ou as velas. Mais uma vez o vento soprou, nã o tã o forte como na vé spera, e Ken previu que chegariam a St. Barthelemy no iní cio da tarde.

Velejaram junto à costa de St. Kitts, coberta de luxuriante vegetaç ã o. Atrá s deles Nevis mudava de cor, envolta na bruma. O Sí lfide se afastou cada vez mais, até a ilha parecer um triâ ngulo azul desenhado por uma crianç a num papel igualmente azul.

De repente algo surgiu a distâ ncia. Seria outro iate que os seguia?

— Acho que estamos sendo seguidos — disse John, bem-humorado, pegando o binó culo.

— É o iate de casco azul, aquele que vimos em Charlestown ontem à noite? — perguntou Pamela exprimindo o pensamento que ocorrera a Samantha.

— Creio que nã o — disse John, olhando atentamente. — Está navegando com uma velocidade dos diabos. Acho que é uma catamarã.

— É, sim, e na rapidez com que se desloca vai nos ultrapassar logo. Nã o há menor sinal do iate azul.

Samantha sentiu a tensã o diminuir um pouco e deu as costas para as ilhas de Nevis e St. Kitts, à procura de outras novidades. Durante o resto do dia nã o olhou sequer uma vez para trá s, embora em alguns momentos tivesse í mpetos de ver se o iate azul os seguia.

 

 



  

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