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CAPÍTULO X



CAPÍTULO X

 

Durante os dias que se seguiram, Miranda teve que aprender a suportar os exames impessoais de Rafael sem embaraço. Na manhã depois do acidente, uma jovem nativa, Eva Mejor, apresentou-se para o serviço e foi ela que cuidou de Miranda — trocando os lençóis da cama, fazendo os curativos, servindo as refeições. Miranda quase não via Rafael, a não ser de manhã cedo quando vinha examiná-la. Então tirava-lhe as cobertas, o rosto isento de qualquer emoção, as mãos frias e eficientes que apalpavam a pele dolorida. Para Miranda, que desejava que aquelas mãos a acariciassem, a tocassem de maneira mais pessoal, era uma experiência doce-amarga, que acabava depressa demais. Depois ele trocava algumas palavras com Eva Mejor em mexicano e partia para os outros deveres com um rápido "Adios, señorita", que devia bastar para o dia todo.

Recebeu apenas uma visita naqueles poucos dias: Constância. Ela chegou na tarde seguinte à do acidente, mas logo ficou claro que estava pouco à vontade, pois, embora perguntasse sobre a saúde de Miranda, faltava entusiasmo em sua atitude. Miranda não conseguiu entender por que, até que finalmente Constância expressou o objetivo da visita. Torcendo as mãos, disse:

— Minha mãe não quer mais que retorne à hacienda quando se recuperar, señorita.

Miranda tentou não demonstrar espanto.

— Sinto muito, señorita.

— Não é culpa sua. — Forçou um sorriso. — Talvez pudesse mandar arrumar... minhas coisas. Eu... eu preciso de uns pijamas.

— Trouxe suas coisas — admitiu Constância, com o rosto vermelho. — Minha mãe insistiu.

— Sei. — Miranda engoliu em seco. Então era definitivo. — Sinto muito que ela pense assim. Mas não tem motivos para ter ciúme de mim...  

— Ciúme da señorita? — Constância franziu a testa. — Não entendo.

— Acho que ela pensa que sou uma mulher perdida, por estar sozinha aqui com Rafael... quero dizer, don Rafael. Não tem motivo para pensar assim.

— Mas claro! — exclamou Constância, com impaciência. — Sabemos disso. Não é Rafael que a preocupa.

— Não?

— Não. — Constância sacudiu a cabeça. — É Juan! Claro, eu não me expliquei bem. Juan rompeu seu noivado com Valentina.

— O quê? — Miranda estava horrorizada. — Não acredito!

— Infelizmente, rompeu. Meu irmão está obcecado com a criança... e com a señorita.

Miranda mexeu-se agitada, fazendo uma careta ao flexionar os músculos doloridos.

— Eu... eu não sabia. Nunca pensei...

— Carla contou a mamãe que viu Juan cortejando você no pátio.

— Carla é uma intrigante! — Miranda fez um gesto de desconsolo. — Constância, tem de acreditar em mim; não encorajei seu irmão! Não estou interessada nele!

— É... mas não importa. Juan se recusa a continuar o noivado. Eles brigaram ontem à noite e Valentina e seus pais se foram, hoje de manhã.

— Oh, não!

— Foi o que aconteceu, señorita. Como vê, minha mãe está decidida a mantê-la afastada de Juan.

— Sei. E eu pensei... — Olhou para os próprios dedos trêmulos. — Parece que me tornei um peso para todos...

— Não para Rafael, tenho certeza.

— Diz isso tão calmamente... com tanta certeza. Por que não Rafael? Sua mãe não tem medo de que Rafael possa me achar uma... tentação também?

O rosto de Constância estava sério.

— Rafael não está interessado em mulheres, señorita, como já deve saber. Sua noiva é a Igreja. Vai voltar logo para o seminário na Cidade do México, onde está estudando para ser padre.

Foi sorte Eva Mejor escolher aquele momento para entrar e dizer, se desculpando, que a visita tinha de sair, que sua paciente precisava de mais tratamento. Miranda não teria conseguido dizer nada. Estava profundamente chocada e um torpor terrível dava à cena uma aparência estranhamente irreal. Não podia ser verdade! Mas ainda estava fraca demais para opor resistência e, pela segunda vez em dois dias, desmaiou.

Quando voltou a si, Rafael e Eva estavam no quarto, mas Constância já tinha ido. O alívio no rosto dos dois teria sido cômico se Rafael não tivesse estragado tudo dizendo:

— Está se esforçando muito para alguém que está tão fraco, señorita. Não haverá mais visitas.

Miranda teve de aceitar o que ele dizia. Que outra razão podia haver para essa sensação de desconforto que a assaltava cada vez que pensava no futuro?

No fim do quinto dia, conseguiu sair da cama e caminhar pelo quarto. Os músculos distendidos haviam respondido bem às massagens de Eva e o repouso completo ajudou-a a se recuperar. Ainda mancava, naturalmente, e carregar malas ou atravessar a pista de um aeroporto estava fora de cogitação, por enquanto. Mas estava fazendo progressos.

Só que, à noite, Miranda não conseguiu dormir. Sua cabeça estava muito ativa, os pensamentos, caóticos demais para permitir que relaxasse. Sobre o criado-mudo estavam dois comprimidos para dormir, mas Miranda tinha decidido a tentar passar sem eles. E agora esse era o resultado!

Sentindo a depressão tomar conta de si, levantou-se e procurou os comprimidos. Onde estariam? Estava escuro e não havia luz elétrica na casa de Rafael, só lampiões. Seus dedos esbarraram no copo sobre a mesinha, e a água derramou-se toda no chão.

— Maldição! — Miranda sentou-se. — Maldição, maldição, maldição!

Mesmo que encontrasse os comprimidos não poderia tomá-los.

Jogou as pernas para fora da cama. Não havia nada a fazer se não ir até a cozinha e ferver mais água. Vestiu o penhoar. O corredor estava frio e ela se apressou, não querendo perturbar ninguém. No entanto, uma luz brilhava sob a porta da cozinha e, quando abriu a porta, viu Rafael sentado num banco de madeira perto da lareira escura, com a cabeça mergulhada nas mãos.

— Rafael! — murmurou insegura, tentada a dizer alguma coisa. — Está... está doente? É tão tarde! Por que não está na cama?

— Quer alguma coisa? — perguntou, friamente. — Já ia me deitar.

Miranda tentou não manifestar sua emoção.

— Eu... eu derramei minha água — disse, reconquistando a segurança. — Acha que posso pegar mais?

Rafael piscou e passou a mão pelo cabelo emaranhado.

— O quê? Oh... oh, sim, claro! — Sua camisa estava aberta até a cintura e ele puxava distraidamente os pêlos do peito. — Vou pôr a chaleira no fogo.

— Deixe. Eu posso fazer isso.

Ela atravessou a cozinha e ambos alcançaram a chaleira ao mesmo tempo. Os dedos de Rafael esbarraram no braço nu de Miranda, onde as amplas mangas do penhoar estavam dobradas, e um arrepio percorreu sua espinha. Ela agarrou a chaleira e afastou-se rapidamente para a pia, onde uma torneira fornecia água fria. Estava tremendo e um rápido olhar às feições tensas de Rafael convenceu-a de que ele não estava dominando suas emoções.

Encheu a chaleira e voltou para colocá-la no fogo. Rafael, riscou um fósforo e acendeu o gás, depois ficou de lado, parado como um autômato. Miranda lançou-lhe mais um olhar e virou-se. A atmosfera estava carregada de emoções. Soltou um suspiro trêmulo.

Sentiu mais do que ouviu Rafael mover-se e parar bem atrás dela.. Através do tecido fino do penhoar, percebia o calor do corpo dele, a proximidade das longas pernas vigorosas. Queria se afastar, mas sentia-se grudada ali, mal ousando respirar para não precipitar algum movimento inevitável dele. Se ficasse totalmente imóvel, disse a si mesma, ele não a tocaria.

Mas estava enganada. As mãos dele se curvaram sobre seus ombros quase que por vontade própria e ele a puxou mais para perto. Miranda lutou, sabendo que Rafael ia se odiar por isso e não desejando que a odiasse também. Mas ele venceu suas resistências sem esforço e murmurou um "Fique quieta!" no seu pescoço. Sua boca era uma chama para as emoções excitadas, uma carícia provocante na pele.

— Não — protestou ela, tentando se afastar. — Rafael, não!

Sua resistência parecia excitá-lo mais, e as mãos dele passaram dos ombros para o pescoço, para os seios, procurando e encontrando a pele quente e flexível sob o penhoar. Ela podia sentir a rigidez do peito e dos quadris dele e seu desejo era uma tentação que intoxicava. Porém tinha de manter a cabeça no lugar...

— Solte-me, Rafael — implorou, tentando se afastar. — Pense no que está fazendo!

— Acha que não estou pensando? — resmungou pesadamente, descobrindo a pele macia dos ombros sob os lábios que a acariciavam. — Pensando, sentindo e querendo... Não lute contra mim, Miranda. Sou apenas humano e um homem só pode resistir até um determinado ponto. Pensa que sou frio, sem sentimentos... mas está enganada. Pensa que nunca experimentei as delícias do corpo de uma mulher? Não é assim. Não a desapontarei. Meu pai ensinou-me bem... bem demais! — A amargura tomava conta de suas palavras. — A riqueza do festim fez de seu mais ardente devoto um abstêmio!

— Não sei do que está falando! — exclamou Miranda febrilmente, continuando a lutar contra ele enquanto suas forças diminuíam. — Me solte!

A resposta de Rafael foi virá-la em seus braços, esmagando-a, deixando que ela sentisse completamente o desejo físico de seu corpo.

— Beije-me, Miranda! — ordenou selvagemente —, beije-me, ame-me, livre-me desse demônio que está me fazendo perder a cabeça!

E apressou-se em colar a boca à de Miranda, abrindo seus lábios com habilidade. Mas o que começou como um assalto faminto suavizou-se, transformando-se numa intimidade demorada, uma sedução mais apaixonada do que qualquer abraço violento. As mãos de Rafael moviam-se em suas costas, acariciando-a, excitando-a, destruindo-lhe o desejo de resistir. Podia senti-lo tremer contra seu corpo e experimentou uma ridícula sensação de triunfo ao ver que era capaz de provocar isso nele.

Mas o triunfo durou pouco. Rafael levantou-a nos braços, carregando-a para fora da cozinha até o quarto. A razão fria dominou a emoção. Não podia deixar que ele continuasse. Não importava o que Rafael sentia, o que pensava dela, embora desprezasse sua existência independente. Não estava acostumada a ir para a cama com homem algum e, apesar de Rafael ser o primeiro que ela desejou, o bom senso a advertiu dos perigos que corria. Fora qualquer outra coisa, ele não tinha intenção alguma de se comprometer. Seu único objetivo era possuir seu corpo e livrar-se do irritante desconforto de desejá-la.

Mas sempre seria algo para ser lembrado, os sentidos a provocavam. Nos anos cinzentos que teria pela frente, quando talvez estivesse casada sem amor, seria um consolo saber que um dia o homem que amava fizera amor com ela! Mas seria esse o fim? E se acontecesse alguma coisa? E se ficasse grávida? A emoção tomou conta dela novamente. A idéia de ficar grávida de Rafael era emocionante.

As sombras do quarto pareciam mais profundas, mais definidas, quando Rafael a deitou na cama e começou a arrancar a camisa de dentro das calças. Miranda aproveitou a pausa para escorregar para o outro lado e levantar-se.

— Não, Rafael! — disse com voz decidida, porém trêmula. — Não deixarei que me toque!

Rafael parou, uma figura sombria cuja expressão não podia ver. Por alguns momentos agoniados houve silêncio completo e tudo que pôde ouvir foi sua própria respiração anormal. Depois ele soltou uma exclamação e, apanhando as roupas espalhadas, saiu do quarto.

Quase cinco minutos depois da porta se fechar, Miranda ainda estava parada, gelada como uma estátua. Depois, começou a reagir e jogou-se na cama, o corpo sacudido por soluços silenciosos.

Ainda estava dormindo quando Eva Mejor chegou com o café. Acordou com a desagradável sensação de que talvez as lembranças da noite anterior fossem simplesmente o fruto de uma imaginação excitada. Teria acontecido realmente?

O copo vazio no chão representava uma certeza mínima, quando o próprio Rafael apareceu, distante como sempre. A rotina habitual do exame não se modificou e seu toque era tão impessoal como sempre.

— Parece bem melhor, señorita. Talvez amanhã possa voltar à hacienda.

— Oh, não! Isto é, não posso voltar para lá.

— Por que não? — Rafael fez uma careta.

Miranda olhou significativamente em direção a Eva e, com um gesto, Rafael dispensou-a.

— Bem? — perguntou, secamente. — Sabe que sua mãe não quer que eu volte — afirmou, sem expressão.

Rafael deu um passo em direção à cama.

— Minha mãe não quer o quê? Explique-se, señorita.

Miranda se recostou nos travesseiros.

— Oh, Rafael, precisamos continuar com essa palhaçada estúpida? Sabe perfeitamente que sua mãe imagina que tenho interesse no seu irmão! E, pelo amor de Deus, pare de chamar-me señorita! Meu nome é Miranda e você sabe disso tão bem quanto eu!

— Você não facilita as coisas para mim, não é, Miranda? — perguntou Rafael, com voz torturada. — Muito bem, eu penso em você como Miranda, mas o que não entendo é essa história de Juan e você. De que forma está envolvida com ele?

Miranda virou o rosto, para não ver a raiva que ele demonstrava.

— Não estou envolvida com ele — declarou, impaciente. — Constância não lhe contou que ele rompeu o noivado?

— Impossible! — exclamou. — Não! Constância não me disse nada. — Sacudiu a cabeça. — Confesso que não lhe dei oportunidade. Você tinha desmaiado. Eu estava com outras coisas na cabeça.

— E não voltou à hacienda desde que estou aqui?

— Não — admitiu, em voz baixa. — Não, não voltei à hacienda.

— Oh, Rafael! Mas disse... quando tive o acidente...

— Disse que minha família tinha sido informada do acidente, e eles foram. Enviei uma mensagem. Depois, não tive mais tempo.

Miranda baixou o olhar para os próprios dedos que torciam o lençol.

— Bem, de qualquer forma, isso não tem importância agora, não é? Como disse, estou bem melhor. Vou providenciar para que Lucy e eu possamos deixar o vale tão logo seja possível...

— No! — Rafael foi incisivo. — Não, não pode fazer isso.

— Por que não? Eu... eu preciso voltar. E Lucy terá de ir comigo. Não importa a opinião de seu irmão.

Rafael voltou-se para olhá-la, com ar pensativo.

— E o que foi que ele disse, Miranda? Por que rompeu o noivado?

— Isso não tem importância. —Miranda enrubesceu.

— Não concordo. Quero saber, Miranda. — Aproximou-se da cama. — Diga-me! Eu insisto.

Miranda estava perturbada pela paixão que lia nos olhos dele. Sacudindo a cabeça, disse:

— Oh, foi tolo, tolo! Disse que estava apaixonado por mim. Por mim! — Soltou uma breve risada. — Não acreditei nele, é claro.

— Sei. Mas você não me contou nada disso.

— E como ia contar? — Miranda estendeu as mãos. — Teria se interessado?

Rafael se controlava a custo.

— Tem sido uma situação impossível desde o início. Mas, naturalmente, voltará à hacienda. Eu mesmo providenciarei isso. E se Juan a aborrecer...

— Oh, por favor, por favor! Não quero voltar para lá. — Miranda estava à beira de uma crise nervosa. Respirou para se acalmar.

— Como já disse, vou deixar o vale...

— Ainda não! — Rafael disse, entre os dentes. — Miranda, eu imploro, não me faça ir longe demais!

— Não sei o que está querendo dizer...

— Oh, sabe, sabe sim. — Rafael estava pálido. Por alguns instantes, olhou-a como na noite anterior; depois afastou-se em direção à porta, com uma exclamação rouca. — Preciso ir. Tenho que trabalhar. Eu... Eva vai trazer suas roupas. Pode se vestir e sair um pouco. Mas não se afaste da casa, está entendendo?

Miranda anuiu, não ousando falar, e ele saiu do quarto, batendo a porta.

Não estava tão forte como imaginava. A caminhada de ida e volta até o rio a esgotou e ficou contente com a caneca de chocolate quente que Eva tinha preparado. As duas sentaram-se na cozinha, amigavelmente. Ainda estavam lá quando chegou uma visita. Entrou no saguão, chamando Rafael, e Eva levantou-se excitada dizendo:

— Este lê padre, señorita.

Alguns momentos depois, padre Domênico apareceu à porta.

— Buenos dias, señorita. Como esta?

Eva respondeu em sua própria língua e Miranda sorriu levemente. Não via o padre desde a noite do jantar na hacienda, quando haviam sido apresentados, e suspeitava dos motivos que o traziam até ali. Era amigo íntimo de dona Isabella e sem dúvida estava a serviço da família Cueras.

Eva ofereceu chocolate e ele aceitou; depois de algumas palavras com Eva, sentou-se diante de Miranda.

— Eva disse que Rafael não está, señorita. Isso não me desagrada. Queria falar com a señorita.

— Comigo, señor? — Miranda apertou a caneca com força.

— Sí, señorita. Ah, chocolate, Eva, gracias. — Pegou a caneca e a moça, sentindo que ele queria falar a sós com Miranda, ou teria sido advertida com um sinal?, pediu desculpas e os deixou. — Ahora, señorita, agora podemos falar, si?

Miranda tomou um gole de chocolate antes de responder.

— Não posso imaginar o que temos para conversar, señor. Se é a respeito de Lucy e Juan, devo dizer-lhe...

— Calma, minha filha! Não vim aqui para falar de sua sobrinha ou de seu estimado benfeitor. Não. — Sacudiu a cabeça. — Quero lhe falar sobre Rafael.

— Rafael? — Miranda não pôde ocultar o espanto. — Mas... Subitamente suas faces coraram. — O que quer me dizer a respeito de Rafael?

— Estou preocupado com Rafael — retrucou, com ar de confidencia. — E pensei que talvez a señorita, com sua... digamos, visão objetiva da situação, pudesse me ajudar.

— Sim? — Miranda agarrou a caneca com ambas as mãos.

— Sim. — Padre Domênico fez uma pausa. —- Não é fácil para mim, señorita. Este é um... assunto delicado. Mas acho que possa ser de ajuda à família.

— Sim. — Miranda sabia que estava sendo ingênua, mas não podia evitar. Não conseguia imaginar por que tinha sido escolhida para conversar sobre Rafael. Certamente dona Isabella não aprovaria isso.

O padre tamborilou sobre a mesa por um instante, depois falou:

— Está a par, não é, señorita, de que Rafael acredita ter vocação para o sacerdócio?

— Constância, isto é, a srta. Cueras me contou.

— Então, o que talvez não saiba é que sua... decisão nunca foi aprovada pela mãe.

— Não?

— Não. — Padre Domênico sacudiu a cabeça. — Rafael é o filho mais velho. A propriedade é herança dele, não de Juan. Foi muito desagradável para a mãe quando ele resolveu ignorar suas responsabilidades.

Miranda passou a língua pelos lábios secos.

— Talvez... talvez considerasse essas... outras responsabilidades mais importantes.

Padre Domênico sacudiu a cabeça novamente, com impaciência.

— Rafael é um idealista!

— Rafael se preocupa com as pessoas...

— Claro que sim. O patron sempre se preocupa com os empregados. Isso não é novidade. Nós constantemente lutamos por melhores condições para o povo.

— Mas ele quer ajudar, ajudar fisicamente...

— Não nego isso. — O padre estendeu as mãos, mas Miranda sentiu nele uma certa impaciência. — Rafael é muito parecido com o pai e as pessoas o amam. — Torceu os lábios. — Até demais, diriam alguns. E Rafael não gosta da comparação. Traz muitas lembranças indesejáveis.

Miranda moveu os ombros, pouco à vontade.

— Acho que não devia estar discutindo os negócios pessoais de Raf... don Rafael comigo.

— Não? — Os olhos do padre eram penetrantes. — E, no entanto, num curto espaço de tempo, chegou a conhecer muito bem cada pessoa da família, señorita.

— As... circunstâncias foram... incomuns, señor.

— Incomuns? Sim, eu concordo. No entanto, tem de admitir que sua presença no vale já causou muitos problemas.

Miranda suspirou.

— Então vamos falar de Juan e Lucy, señor.

Padre Domênico soltou uma exclamação.

— Só indiretamente, señorita. Não estou questionando a amizade de Juan pela señorita... ou por ambas. Dona Isabella é da escola antiga e prefere o "matrimônio de conveniência", si? Ela acha difícil aceitar que Juan tenha idéias próprias e se recusa ser dominado por mais tempo. Naturalmente, ficou chocada. E, claro, a princípio não aceitou. Mas, aos poucos...

— O que está tentando me dizer, señor? — Os músculos do estômago de Miranda estavam tensos.

— Estou apenas dizendo que, da parte de dona Isabella, não haverá mais oposição a sua... amizade... com Juan.

— Juan e eu não somos amigos, señor. — Miranda engasgou. — Somos conhecidos. Seu... seu comportamento com Lucy destruiu qualquer amizade que pudesse haver entre nós!

— Mas não está entendendo, señorita. Pode ficar no vale com a bênção de dona Isabella! Ambas podem ficar. Seus problemas acabaram!

Miranda pensou que estavam apenas começando.

— Señor...

— Momento, señorita. Discutiremos a respeito de Juan e Lucy mais tarde. — Levantou a mão como se ela quisesse interrompê-lo e disse: — Por favor, deixe-me terminar o que tenho a dizer sobre Rafael. — Esperou até que a animosidade sumisse do rosto da jovem, depois prosseguiu: — A situação é a seguinte: quando voltou ao vale para o funeral do tio, Rafael foi ficando cada vez mais envolvido com o povo daqui. Um padre não faz isso. Deve sempre manter uma atitude de... digamos, distância. E, como médico, a emoção não deve dominá-lo, entende? Mas Rafael não é assim. Permite que a emoção guie sua cabeça. E como evitar? É filho de seu pai, mesmo que se rebele contra isso.

— Mas por que está me dizendo tudo isso? — exclamou Miranda. Estava perturbada demais, confusa demais.

— Dona Isabella entende os dilemas do filho, señorita. Com minha ajuda, superou suas dificuldades. Como patron, Juan não teria mesmo permissão para casar com uma... estrangeira, verdad? Mas, se é isso o que ele quer, e se está preparado para desistir da herança...

E, de repente, com uma sensação de enjôo, Miranda percebeu o objetivo de toda a conversa. Se Rafael tinha vocação ou não, não interessava. A única preocupação de dona Isabella era trazer o filho mais velho de volta ao seu lugar. Não demonstrava claramente sua preferência por Rafael, sua frustração por ele ter tão pouco tempo para passar com ela? Era o favorito, óbvio. E agora, com a ajuda do padre, achava que permitir o namoro de Juan com a moça inglesa traria Rafael de volta. Mas nunca imaginou, nem por um momento, que o próprio Rafael se sentisse atraído por Miranda... Com esforço, ela levantou-se.

— Temo que esteja perdendo seu tempo, señor. Não posso falar por... por Juan, claro. Mas, no que me concerne, qualquer envolvimento afetivo entre nós é puramente imaginário. Não amo Juan! Nem gosto muito dele. E tenho certeza de que ele não me ama!

Quando padre Domênico se levantou para encará-la, ouviram ruídos de freios. Miranda reconheceu o barulho do carro e foi ficando cada vez mais tensa, conforme os passos se aproximavam.

Rafael apareceu na soleira da porta, mas havia outro homem atrás dele — um homem que Miranda pensou reconhecer e depois disse a si mesma que estava tendo alucinações. Rafael parecia cansado e tenso, e o coração de Miranda fraquejou ao vê-lo. No entanto os olhos dele simplesmente registraram a presença do padre antes dele se afastar. O outro homem entrou e Miranda prendeu a respiração. Era alto, tinha sido forte mas agora a carne lhe caía, flácida, e ele se apoiava mais numa perna do que na outra.

— Acho que conhece este homem, señorita — disse Rafael abruptamente, e Miranda moveu a cabeça para cima e para baixo, devagar.

Muito mais magro, os ombros ligeiramente curvados sob o terno cinza que lhe caía mal... No entanto, Miranda teria reconhecido seu cunhado em qualquer lugar.

— Bob? — perguntou quase sem acreditar.

— Miranda! — disse ele, anuindo, e depois mais alto: — Miranda! — Ela cobriu o espaço que os separava para ser apertada num abraço forte como o de um urso.

 



  

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