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CAPÍTULO VI



CAPÍTULO VI

 

Miranda finalmente adormeceu, embora achasse que não ia conseguir. As palavras de despedida de Carla a perturbaram, como Carla esperava, e não saíram de sua cabeça enquanto se despia, tomava banho e se deitava entre os lençóis de seda. Felizmente, quando encostou a cabeça no travesseiro, o esquecimento veio em seu auxílio e não acordou mais até ouvir o som da voz estridente de Lucy no jardim e perceber que o sol já ia alto no céu.

Piscando, tentou sentar-se e viu a bandeja sobre a mesa de cabeceira. A empregada, Inez, devia tê-la trazido antes, mas talvez tivesse instruções para não acordá-la.

Franzindo a testa, colocou as pernas para fora da cama, tocou o bule de café e viu que estava quente. Encolhendo os ombros, levantou-se e foi até a janela, depois de vestir um robe de seda. Quando se debruçou no terraço, viu que Lucy não estava sozinha no jardim. Uma das gêmeas brincava com ela, embora Miranda não conseguisse distinguir qual das duas. Hesitou por um instante, antes de cumprimentá-las com um grito, e sentiu-se mais calma quando o rosto gentil de Constância se virou para ela.

— Hei, preguiçosa! Sabe que já passa das dez?

Miranda sorriu.

— Agora eu sei. Vou me vestir e em alguns minutos estarei aí.

 Voltou-se para a garotinha, que escutava em silêncio.

— Olá, Lucy. Como está hoje de manhã?

Lucy encolheu os ombros, indiferente. Estava com outro dos vestidos de algodão que a costureira de dona Isabella tinha feito especialmente para ela. Enfiou as mãos nos grandes bolsos aplicados e chutou a bola com a qual ela e Constância estavam jogando.

— Basta, Lucy! Diga bom dia à señorita!

Os lábios de Miranda enrijeceram-se quando Lucy olhou para cima e disse, displicentemente:

— Bom dia, señorita.

Era inútil repreendê-la, tentando persuadi-la a dizer tia Miranda ou até mesmo Miranda. A própria Constância insistia em chamá-la de señorita!

Saindo do terraço, Miranda foi até o banheiro e em poucos instantes lavou-se, escovou os dentes e os cabelos. Tomou uma xícara de café enquanto vestia uma blusa sem mangas e jeans azul-marinho; comeu um croissant antes de sair do quarto. Ao chegar no fundo da escada encontrou Juan.

— Ah, srta. Lord! — exclamou, e o mau humor da véspera parecia nunca ter existido. — Posso lhe falar por um momento?

O alívio de Miranda por sua mudança de humor durou pouco depois que ele a convidou a entrar no escritório. Ela ainda não tinha visto aquela sala e olhou a sua volta com interesse enquanto ele lhe indicava a cadeira em frente à escrivaninha.

— Agora, señorita — murmurou ele, remexendo em alguns papéis que estavam sobre a escrivaninha. — Tenho que lhe pedir um favor. — Apontou para as pilhas de correspondência não respondida. — Oiga! Estou muito atrasado com minhas respostas, si? Padre Esteban me contou que é secretária na Inglaterra, no?

— É isso mesmo, señor. Sou secretária de um financista.

— Ah, ótimo! — Juan parecia satisfeito. Recostou-se na cadeira fazendo uma pirâmide com os dedos. — Conque, talvez possa me ajudar, no?

— Ajudá-lo, señor?

— Si. Como vê, há muitas cartas para escrever.

— Quer que escreva as cartas para o senhor?

— Gostaria de que... datilografasse minhas cartas, señorita. Por favor. É pedir muito?

Miranda abaixou a cabeça. Na verdade, não era. Estava hospedada ali e era mais que justo que retribuísse a hospitalidade. Mas Juan sabia que, confinando-a no escritório, estaria destruindo qualquer oportunidade que ela pudesse ter de passar algum tempo com Lucy.

Levantou os olhos com impaciência. Claro! Por isso estava lhe pedindo o favor.

— Quando quer que faça as cartas, señor? — perguntou, formalmente.

Juan estreitou os olhos. Parecia surpreso por ela ter aceitado tão facilmente.

— Eu... ora, agora, señorita?

— Se para o senhor dá no mesmo, preferia trabalhar à noite. De qualquer forma, nunca faço nada à noite, então...

— Não concordo, señorita.

— Por que não? — Miranda estava pronta a lutar por seus direitos.

— Não é conveniente, señorita. — Tentou outra tática. — Vamos, señorita. Não vai demorar, no?

— Já preparou as respostas? — A voz de Miranda soou fria.

Juan encolheu os ombros.

— Fazemos.... dictato, si?

Miranda adivinhou que ele quis dizer ditado e escondeu sua irritação. Afinal, seria só uma manhã, e amanhã...

Mas o amanhã que Miranda imaginava não aconteceu. Para sua desolação, ao acordar na manhã seguinte, descobriu que estava chovendo. E não era apenas o chuvisco a que estava acostumada em cada. Era um aguaceiro torrencial, caindo de um céu de chumbo como uma pesada cortina de água. Das janelas superiores era possível ver a torrente impetuosa do rio; aumentado pelas águas que desciam das montanhas, serpenteava perigosamente em seu caminho; falava-se de medidas de emergência que precisariam ser tomadas se o rio ultrapassasse as margens. Valdez, o capataz da propriedade, veio à hacienda para conversar urgentemente com Juan e em todo o lugar havia um ar de excitação contida.

Ninguém tocou no nome de Rafael. Era óbvio que não viria buscá-las sob esse aguaceiro, mas Miranda se perguntava onde estaria. A salvo e seco na casa de pedra ou, mais provavelmente, ocupado em ajudar os aldeões a protegerem o pouco que tinham? Ela tinha muito tempo para divagar, pois ninguém pudera ir buscar Lucy e, como Juan estava ocupado demais para lhe dar algo para fazer, Miranda passou a manhã no quarto.

Quais eram seus planos? O que podia fazer? O que ia fazer? Levar a criança à força, se necessário? Tinha esse direito, no entanto... tinha mesmo? Á conversa com Rafael a caminho da hacienda não saía de sua cabeça. Juan tinha outros planos para a criança — suas atitudes deixavam isso bem claro. E Lucy estava feliz com ele, isso não podia ser negado. Mas quanto tempo duraria essa felicidade se Juan se cansasse dela, se casasse e tivesse filhos? Rafael disse que ele estava comprometido — uma expressão fora de moda para dizer noivo; mas ela não vira nem sinal da noiva, e isso não podia ser esquecido.

Fitou com ar infeliz a chuva que caia do telhado. Ah, se tivesse feito um dia bonito! Se pudesse ter ficado um pouco com Lucy, teria sido capaz de decidir com mais certeza o que era melhor. Se no dia seguinte fizesse tempo bom, Rafael viria?

No fim da tarde a chuva acalmou e os temores imediatos de uma emergência foram esquecidos. À hora do jantar a chuva já tinha cessado por completo. Quando Miranda pisou no terraço iluminado, indo jantar, a fragrância do jardim inebriou-lhe os sentidos. A chuva deixara tudo fresco e revigorado. E ela ainda estava lá, quando viu faróis subindo o vale em direção à hacienda.

Sua reação imediata foi virar-se e entrar. Mas a suspeita de que podia ser Rafael forçou-a a ficar onde estava. Alguns instantes depois, um carro coberto de lama entrou no pátio e o próprio Rafael saiu dele. Uma camisa caqui imunda grudada nos ombros, e jeans cobertos de lama enfiados dentro das botas. O cabelo estava molhado e mais escuro. Quando viu Miranda, uma expressão de preocupação passou por seu rosto e apontou para si mesmo expressivamente.

— Não vou ficar, señorita — disse-lhe, com um dos pés sobre os degraus que levavam até onde ela estava. — Vim apenas vê-la. Como hoje choveu, amanhã estará bom para você?

Miranda passou a língua pelos lábios.

— Para... para irmos ao lago com Lucy?

— Onde mais?

— Ah, sim! Está bom. Obrigada,

Rafael aquiesceu e já ia indo embora quando ela disse:

— Está ensopado até os ossos. O que esteve fazendo?

— Esteve chovendo, señorita, ou não percebeu?

— Eu sei. Mas... bem, como ficou tão molhado?

Rafael afundou a ponta da bota na lama.

— Um dos trabalhadores de meu irmão caiu no rio, señorita. Conseguimos jogar-lhe uma corda e tirá-lo de lá. Infelizmente, um dos salvadores não teve tanta sorte.

— Quer dizer... que alguém se afogou? — Miranda estava desolada.

— Juan não lhe contou? — Rafael balançou a cabeça. — Não, talvez não tenha contado. Entretanto, assim são as coisas, não é? E agora — olhou para a roupa desarrumada —, preciso ir e vestir algo seco.

— Precisa de um banho quente! — exclamou Miranda, impulsivamente. — Por que não toma banho aqui? Tenho certeza de que Juan tem algumas roupas para lhe emprestar. — Sua voz sumiu ao se dar conta do que estava dizendo. Mas Rafael já estava entrando no carro.

— Tenho água quente em casa, señorita — comentou, rispidamente. E, sem mais, foi embora.

Quando Miranda estava entrando no amplo saguão da hacienda, encontrou Constância que lhe perguntou:

— Era Rafael?

— Sim. — Miranda ficou sem jeito sob o olhar penetrante da jovem. — Ele... ele não parou. Só veio dizer-me que... vai nos levar... eu e Lucy, ao lago amanhã.

— Sei. — Constância parecia impaciente. — Foi tudo o que ele disse, señorita?

Não sabendo se devia ou não contar a Constância a respeito do homem afogado, Miranda anuiu.

— Acho que sim. Ele... ele estava ensopado. Acho que foi para casa... secar-se.

— Esta é a casa de meu irmão, señorita — declarou Constância, com um pouco da altivez da mãe, e Miranda esperou que não fosse comportar-se tão anti-socialmente com ela como a irmã.

Durante o jantar, Constância informou ao resto da família que Rafael estivera lá e falara com Miranda. Todos ficaram surpresos que ele tivesse visitado a hacienda sem vê-los, e dona Isabella pareceu muito aborrecida. Miranda teve a sensação de que todos a responsabilizavam pela rápida partida de Rafael. Ficou contente quando o jantar terminou e pôde refugiar-se na solidão do quarto. Por mais bonita que fosse a hacienda, não se sentia feliz nas imponentes instalações.

O dia seguinte amanheceu com uma neblina dourada escurecendo o sol. Era uma daquelas deliciosas manhãs que freqüentemente sucedem uma tempestade, em que tudo parece especialmente brilhante, mais verde, cheio de vitalidade. Miranda, que não dormira muito bem, levantou-se às seis e quinze e vestiu uma camisa de algodão creme, com calça também creme e, num impulso, desceu até a cozinha na esperança de fazer uma refeição ligeira.

Jezebel já estava de pé, perturbando os outros criados, supervisionando as tarefas, se fazendo presente. Fitou Miranda com surpresa quando ela enfiou a cabeça dentro da cozinha, e lhe perguntou o que desejava àquela hora.

— Eu... bem, será que podia me servir um pouco de café? — perguntou Miranda, com certo nervosismo. Apesar da idade e da pequena estatura, Jezebel era uma personalidade que intimidava.

— A si! Quer o café na cozinha, señorita? Miranda encolheu os ombros.

— Onde quiser... se não se importa.

Jezebel lançou um olhar ao atônito menino nativo que estava perto do forno com uma bandeja de croissants prontos para assar, incitou-o a trabalhar com uma rápida ordem em sua própria língua. Depois olhou de novo para Miranda e sua expressão se suavizou.

— Quer se sentar? — ofereceu, indicando-lhe o longo banco que ficava ao lado da mesa; Miranda aceitou. — É hoje que vai ao lago com don Rafael — prosseguiu Jezebel, pegando xícaras das prateleiras, preparando uma pequena bandeja com creme e o açucareiro —, Não é, señorita?

— Oh, sim. — Miranda inclinou a cabeça para o lado. — Mas como sabe? Devíamos ter ido ontem.

Jezebel sorriu, revelando apenas alguns pedaços de dentes.

— Jezebel ouviu enquanto falava com don Rafael ontem à noite, señorita — disse, apontando para o próprio ouvido. Depois franziu testa. — A señorita gosta de don Rafael, no?

Miranda ficou perplexa e descansou os cotovelos sobre a mesa, segurando o queixo com as mãos para esconder o rosto vermelho.

— Don Rafael... tem sido muito gentil. Ofereceu-se para me levar e...

— ... a niña. Sim. sim, eu sei, señorita. — Jezebel serviu o café numa xícara de porcelana chinesa quase transparente. — Alli, está bem, si?

— Muito bem. Obrigada, Jezebel.

As tarefas da cozinha distraíram a empregada por alguns minutos e Miranda sentiu-se aliviada. Por mais que apreciasse o bom humor da velha, não queria se envolver numa discussão sobre os méritos das pessoas da família Cueras.

Antes que Jezebel estivesse livre novamente, a porta se abriu subitamente e o próprio Rafael entrou, franzindo o cenho interrogativa-mente ao ver Miranda.

— Buenos dias, señorita! — cumprimentou-a seriamente, depois esboçou um sorriso ao ver Jezebel. — Como esta, vieja?

Falaram na própria língua e Miranda gostaria de entender o que estavam dizendo. Que falavam dela, estava claro pelos gestos de Jezebel. Mas percebeu também que Rafael evitava certas perguntas, sacudindo a cabeça, bem-humorado. Após alguns minutos, deixou Jezebel de lado e foi se servir de café. Depois do primeiro gole, tossiu e, fazendo um gesto de desculpas, caminhou até a mesa e olhou para Miranda.

— Bien, señorita, o que estão dizendo? Não pôde dormir?

Miranda moveu os ombros com indiferença.

— Estava acordada. Eu... eu pensei que fôssemos sair bem cedo.

— Que esperteza! — Ele ergueu a sobrancelha.

Miranda ficou contente por estar com a xícara entre os dedos para disfarçar o nervosismo.

— Como está hoje, señor?

Rafael tomou mais um pouco de café e franziu a testa impaciente-mente ao ter novamente um acesso de tosse.

— Parece que estou levemente resfriado, señorita. Nada sério. Vai passar logo.

— Não é de surpreender — exclamou Miranda, chocada por sua própria temeridade. — Usando roupas molhadas!

Rafael examinou seu rosto indignado por um longo momento e, depois, desviou o olhar.

— Sim... bem, talvez tenha razão, señorita — concordou secamente. — Mas não se pode simplesmente deixar um homem se afogar só porque não se quer ter a roupa molhada.

— Mas ainda estava usando a mesma roupa quando veio aqui à noite!

— Alguém tinha de contar à esposa do homem que o marido estava morto, señorita — afirmou, sem expressão. — Ela não mora longe daqui. — Afastou-se novamente. — Jezebel, esses croissants estão prontos? Posso pegar um?

Jezebel colocou uma cesta de croissants quentes no meio da mesa, um prato de manteiga amarela e um pote de geléia.

— Siéntese, señor — insistiu, quase forçando-o a sentar-se. — O senhor e a señorita podem tomar café juntos, si?

Rafael encolheu os ombros, olhando Miranda rapidamente.

— A jondo, Jezebel. Gracias!

Miranda não conseguiu apreciar a intimidade que a situação apresentava, principalmente porque Jezebel permanecia por perto como um corvo preto. Assim que Rafael esvaziou a xícara, precipitou-se para enchê-la novamente, observando-o, enquanto ele comia, com satisfação evidente.

— Es bien, señor? — perguntou rapidamente e ele sorriu, dizendo:

— Excelente, Jezebel, como usual. Muy gracias.

Ao terminar a refeição, Rafael levantou-se, terminando o resto de café.

— Está pronta, señorita?

Miranda anuiu e se levantou também.

— Claro!

— Bien. Pegaremos a niña no caminho.

Miranda olhou para o relógio. Passava um pouco das sete. Cedo demais para qualquer pessoa da casa estar de pé.

— Eu... eu deveria deixar um bilhete... — começou ela.

— Jezebel dirá a minha mãe onde foi, señorita. Venha! Temos o dia todo pela frente, si?

Saindo da hacienda, Miranda sentiu uma certa excitação. Jezebel fora até o terraço para despedir-se deles e havia em seu rosto uma expressão de satisfação contida com o andamento das coisas. Miranda não conseguiu entender, a menos que tivesse algo a ver com o que Carla dissera — algo a respeito de Rafael não estar interessado em mulheres. Porém isso não podia ser verdade. Não era esse tipo de homem, Miranda podia apostar sua vida. Além disso, algumas vezes — apenas algumas vezes —, quando ele a olhava, percebera um interesse relutante em seus olhos...

Afastou esses pensamentos. Não estava ali para ficar fantasiando sobre ela e Rafael. Ia passar pelo menos metade do dia com Lucy e precisava aproveitar.

Os campos ainda estavam cheios de água da tempestade, mas as pessoas que trabalhavam de pés descalços paravam para acenar quando eles passavam.

— As colheitas estão arruinadas? — perguntou Miranda, pois a preocupação já superava a tensão que sentira antes.

Rafael olhou para fora da janela e moveu ligeiramente os ombros.

— Algumas sim, outras não. É, como eles dizem, a vontade de Deus. Estas pessoas estão felizes por estarem vivas. — Seu tom era de compaixão quando se virou para olhá-la. — Não concordo que isso é uma coisa importante, señorita?

Miranda encarou-o por alguns instantes. Depois, teve de desviar o olhar.

— Acho que... sim.

— Não concorda? Claro que não. Pertence à sociedade materialista em que um homem é julgado pela propriedade que possui.

— Isso não é totalmente verdade.

— Não? — O maxilar de Rafael se endureceu. — É a mesma coisa em todos os lugares, señorita. Não estou condenando sua sociedade mais do que a minha. E, na verdade, ambas têm coisas certas. Eu acho que a vida de um homem... a qualidade da vida de um homem é o importante; mas há vezes em que acho minhas crenças limitadas. Os bebês nascem; morrem; quem pode dizer honestamente que uma existência tão fútil mereça um lugar no esquema das coisas?

— Quer dizer, por causa das condições...

— As condições são piores em outros lugares, señorita. Pelo menos, meu país não está dividido pela guerra civil; pelo menos um homem pode ter certeza... uma certeza relativa, de que atingirá a meia-idade.

Miranda estava fascinada.

— É por isso que é médico, señor? Em vez de patron?

A expressão de Rafael se endureceu.

— Não estamos falando de mim, señorita. Talvez devesse ocupar seu tempo pensando como vai se aproximar de sua sobrinha. Advirto-a: meu irmão pode ser um adversário formidável.

— Já descobri que espécie de adversário é seu irmão, señor.

— O que quer dizer?

— Não tem importância.

— Por favor, quero saber. — Seu tom de voz era persuasivo. Miranda não pôde evitar o formigamento que lhe correu pelas veias só de imaginar como ele podia ser persuasivo se dissesse: "Por favor, quero fazer amor com você".

— Señorita! — Trouxe-a de volta à realidade.

— Eu... bem... oh, ele me pediu para ajudá-lo, señor. Datilografando suas cartas, preparando a correspondência!

Rafael fez uma careta.

— Quando?

— Há alguns dias. — Miranda estava pouco à vontade. — Afinal, devo-lhe esse favor. Está permitindo que eu fique na hacienda.

A palavra que Rafael pronunciou baixinho teria sido inteligível em qualquer língua.

— Não fará mais nenhum serviço de secretária para meu irmão, señorita — afirmou, com frieza. — Providenciarei isso.

Miranda não sabia o que dizer.

— Obrigada — murmurou, desajeitada.

Quando o carro virou no pátio do mosteiro, a própria Lucy veio pulando para ver quem era. Quando viu Miranda e Rafael, seu rosto ficou visivelmente decepcionado e retrocedeu um passo.

— Olá, Lucy — disse Miranda, saindo do veículo e dirigindo-se à menina com um sorriso. — Eu... Don... Don Rafael e eu viemos pegá-la para dar uma volta.

Os lábios de Lucy se curvaram.

— Não quero ir dar uma volta nessa coisa suja! — exclamou, com desprezo. — Tio Juan virá me buscar para sair no carro dele.

— Não, ele não virá, Lucy — retrucou Rafael, ignorando a rudeza da menina. — Agora, onde está o padre?

— Heme aqui — gritou padre Esteban da soleira da casa. — Por favor, querem entrar? Posso lhes oferecer um pouco de leite, si?

— Leite de cabra? — Rafael ergueu as sobrancelhas, olhando inter-rogativamente para Miranda, que fez um gesto de desalento. — A fondo, padre. Vamos entrar por cinco minutos, no?

O leite de cabra era mais leve do que o de vaca, pensou Miranda. E, embora não gostasse muito de leite, achou-o agradável. Não quis comer, e ficou escutando enquanto Rafael e o padre conversavam. Usavam a língua nativa quase que o tempo todo, pois padre Esteban parecia sentir-se mais à vontade assim; mais tarde contou que Lucy estava lhe ensinando inglês e que esperava poder conversar logo. Lucy respondeu à sua brincadeira, mostrando sentir muito afeto por ele também. Mas, quando chegou a hora de partir, recusou-se a largar-lhe a mão.

— Quero ficar com o senhor, padre! — gritou ela. — Não me faça ir embora. Tio Juan vai chegar.

— Hoje não, niña, hoje não. Venha, sua tia está aqui só para vê-la.

— Ela não é minha tia. Tio Juan diz que eu sou uma menina mexicana e ela é inglesa!

Rafael trocou olhares com Miranda e ela se sentiu grata pela compaixão que leu nos olhos dele.

— Tio Juan não devia lhe dizer essas coisas, Lucy — declarou ele, calmamente. — Você é inglesa. Por que motivo falaria essa língua? E... e sua tia fica muito sentida quando você é tão rude assim. Ela conhece você desde pequenininha, desde bebê. E ela se lembra de seu pai e de sua mãe. Sua mãe era irmã dela. Como acha que se sente ao ver você negando sua própria família? Acha que tio Juan renegaria sua própria família? Eu não.

— Mas tio Juan disse que ela quer me levar de volta para a Inglaterra, e a Inglaterra é um país frio, onde o sol nunca brilha.

— Tio Juan nunca esteve na Inglaterra. Não sabe como é — disse Rafael.

— O señor já esteve lá?

— Claro! — Rafael ignorou o modo como Miranda arregalou os olhos.

— E o sol brilha lá? — insistiu Lucy.

— Claro! Sem o sol, todos morreríamos, pequena.

— Como é lá?

— É um país pequeno, mas muito verde. Um país de muitos contrastes. Mas o povo é muito amigável, muito simpático.

Os lábios de Lucy tremeram.

— E se eu não gostar de lá?

Rafael pôs uma mão confortadora no ombro dela.

— Lucy, nada está decidido por enquanto, no? Vamos resolver as coisas à medida em que acontecerem. Venha conosco e talvez, quem sabe, possa ver que sua tia não é ogre, como você pensa.

Lucy olhou incerta para Miranda.

— Está bem. Está bem, eu vou. Mas... mas quero ir na frente. Com você. — Olhou mais uma vez para Rafael.

— Sentaremos todos na frente, pequena — tentou Rafael, com tolerância. — Adios, padre. Hasta luego!

Enquanto caminhavam em direção ao carro, Miranda murmurou, baixinho:

— Não sabia que tinha estado na Inglaterra, señor.

— Não estive, señorita.

— Mas... — Miranda interrompeu-se, confusa.

— Foi uma mentira aceitável, no? — Os olhos de Rafael a desafiavam. — Farei minha confissão a Nuestra Señora, prometo.

— O quê?

Rafael sacudiu a cabeça e curvou-se para ajudar Lucy a subir no carro.

— É um assunto entre minha consciência e eu, señorita. Podemos ir?

 

 



  

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