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CAPÍTULO III



CAPÍTULO III

 

Miranda nunca tinha dormido em lençóis de seda antes. Na verdade, nunca imaginou que tais luxos existissem, pois nascera numa casa comum, cujo orçamento mal chegava para a flanela no inverno e o algodão no verão. Naturalmente, depois que seus pais morreram, não teve mais casa. Sua irmã já estava casada. E, como Miranda tinha só catorze anos e ainda ia à escola, teve que ir morar com ela. Não foi um arranjo totalmente satisfatório. Ela e Susan tinham temperamentos completamente diferentes e o ciúme da irmã pela popularidade de Miranda causava muitos desentendimentos. Como se não bastasse, Lucy tinha acabado de entrar em cena e, como Susan se preocupava mais com o bebê do que consigo mesma, o marido cada vez mais dava atenção a Miranda. Ela não o encorajava, mas era muito expansiva com todos. E, quando percebeu as intenções do cunhado, já era tarde demais. Felizmente para todos, Miranda foi para o colégio e, nas férias, tratava sempre de arrumar um emprego onde pudesse morar. Assim mesmo foi um choque quando eles morreram, embora não sentisse saudade deles como sentiria se tivessem sido uma família unida.

Agora Miranda movia preguiçosamente as pernas debaixo das cobertas de seda, perguntando-se como dormiria com tantos pensamentos perturbando sua cabeça.

O quarto para onde fora levada após a partida de Rafael Cueras era o mais belo quarto que já vira. As paredes eram forradas com seda cor de caramelo; a cama, ampla e as janelas, recobertas por brocado damasco e havia uma penteadeira de madeira escura. Um tapete branco, macio e circular, cobria parte do chão e, em volta, a madeira brilhava, de tão limpa. Junto a esse cômodo maravilhoso havia um banheiro igualmente magnífico, cujas peças, embora um pouco velhas, eram bem grandes. Toda a casa transpirava luxo e elegância e era muito mais impressionante do que qualquer coisa que ela tivesse esperado. Quanto ao proprietário, Juan Cueras — bem, estava apto a ser superado, pelo menos em sua mente, pelo irmão, Rafael.

Ela suspirou e se virou de costas. Don Juan! Pronunciou as palavras deliberadamente. Nunca sonhara conhecer um "don Juan" em carne e osso, embora ele fosse bem diferente da lenda. O irmão era mais adequado ao nome. Rafael!

Socou os travesseiros macios com irritação. Por que seus pensamentos voltavam-se constantemente para aquele homem? Nem chegou a tratá-la com cortesia normal. Comportara-se como se ela fosse culpada por algum crime ao vir procurar a sobrinha. Assim mesmo, era atraente, pensou melancólica, e era a primeira vez em sua curta vida que um homem a tratava com tanta indiferença. O irmão a tratara de modo diferente, então por que pensava mais em Rafael?

Depois que Rafael se fora, dona Isabella a escoltara à hacienda. Assim como o filho, ela não parecia apreciar muito a visita vinda da Inglaterra. Mas era muito mais polida. Sugeriu que Miranda devia estar cansada e que talvez fosse melhor deixar as outras apresentações para a manhã seguinte. Propôs que mostrassem a Miranda o quarto, que lhe levassem algo para comer e depois fosse dormir.

Na verdade, essa perspectiva não era de todo desagradável para a própria Miranda. Estava cansada e achou que dona Isabella, como Rafael, esperava uma pessoa mais velha. Portanto, precisavam de tempo para acostumar-se. Nesse instante, abriu-se uma porta à esquerda e dela saiu um homem que só podia ser Juan Cueras. Percebeu imediatamente a semelhança com Rafael, só que era mais moreno, mais robusto e tinha apenas a altura de Miranda.

— Que? — exclamou surpreso quando as viu. — Donde es Rafael? — Depois, um sorriso de curiosidade se espalhou por seu rosto. — Ouvi um carro, mama. Rafael está em casa?

Os lábios da mãe enrijeceram-se.

— Rafael já veio e já foi, Juan. O avião da... srta. Lord se atrasou em Kingston. Por isso não vieram ontem à noite. — Mordeu o lábio inferior. — Este é meu filho, señorita... don Juan Cueras.

Miranda retribuiu o sorriso acolhedor.

— Como vai, señor? Agradeço-lhe muito por ter me oferecido hospitalidade.

Juan Cueras olhou-a apreciativamente, depois sacudiu a cabeça.

— É a tia da criança? — Riu. — Mas não... não é mais do que uma criança, señorita!

Suas palavras eram semelhantes às do irmão, mas a entonação era muito diferente. Parecia que pelo menos uma pessoa não fazia objeções a sua presença em Guadalima.

Dona Isabella foi menos entusiasta.

— Estava acabando de propor à srta. Lord que fosse imediatamente para o quarto, Juan — observou, com insistência. — Tenho certeza de que está cansada e qualquer discussão a respeito dos motivos que a trouxeram ao vale pode ser tratada mais adequadamente à luz do dia.

Juan olhava especulativamente para Miranda.

— É esse seu desejo também, srta. Lord?

— Eu... — Miranda não sabia o que responder. — Estou cansada. Não dormi bem no hotel, em Kingston.

Dona Isabella pareceu aliviada.

— Então está bem. Pedirei a Jezebel que lhe mostre o quarto. Está tudo preparado. Jezebel é a empregada da casa, señorita. Vai cuidar para que você tenha tudo que precisa.

— É muito gentil. — Miranda tentou esboçar um sorriso de agradecimento, mas quando a mãe foi buscar a empregada, Juan Cueras pareceu hesitar.

— Diga-me, srta. Lord — começou, calmamente —, meu irmão lhe disse como... me gusta... eu... eu gosto da niña Lucy, não é?

Miranda sentiu-se menos tensa.

— Claro. E devo agradecer-lhe pelo que tem feito por ela. Padre Esteban me escreveu dizendo quantas vezes a visitou, quantas vezes ela esteve aqui.

As feições morenas de Juan mostraram satisfação.

— No tanto. Soy su amigo... somos amigos, si?

— Tenho certeza de que sua atenção tornou as coisas mais fáceis para ela — insistiu Miranda, olhando em volta com interesse. — E esta casa antiga e tão bonita! Ela deve adorar vir aqui.

Juan estava a ponto de fazer um comentário quando a mãe voltou acompanhada por uma velha índia que Miranda presumiu ser a empregada, Jezebel. Era um nome impróprio para uma criatura tão velha e mirrada; no entanto seus olhos eram penetrantes e perspicazes e Miranda pensou que não deviam perder nada.

— Mostre o quarto à srta. Lord e providencie uma refeição leve, Jezebel — estava dizendo dona Isabella enquanto se aproximavam dos outros; Jezebel anuiu com a cabeça.

— Si, señora. — Continuando a fitar a recém-chegada, disse: — A señorita vem... por favor?

— Sim, vá com Jezebel — disse dona Isabella, estendendo a mão em que brilhava uma verdadeira fortuna em brilhantes. — Tomará conta de você. Nos encontraremos de novo de manhã.

— Sim. Sim, obrigada. — Miranda lançou um olhar desajeitado para Juan. — Boa noite, então, dona Isabella; señor... — Não conseguia dizer don Juan, embora soubesse que essa era a maneira como o chamavam. No entanto, ele não estranhou e ela acompanhou Jezebel pela escada barroca, seguida a alguma distância por um dos criados da casa que levava a mala e a mochila.

Suspirou. Se não fosse dormir logo, de manhã estaria cansada demais para se levantar. Entretanto tudo era tão estranho, tão fantasticamente silencioso em comparação aos ruídos do trânsito que penetravam pelas janelas de seu pequeno apartamento em Chelsea! Era esquisito pensar que tudo continuava igualzinho sob aquelas janelas do outro lado do mundo e que uma das datilógrafas do grupo estaria taquigrafando algo para David Hallam nesse exato momento.

David não queria que ela viesse a Guadalima para identificar a sobrinha. Apreciava demais seu serviço como secretária para gostar da interrupção que sua partida ia acarretar. Disse que era mais sensato trazer a criança à Inglaterra para a identificação, já que ela deveria viver lá. David era um tipo frio, que não se recuperara de um "não" , recebido dela como resposta a seu pedido de casamento há quatro meses.

Foi no período em que sua irmã e seu cunhado haviam desaparecido e, sem dúvida, ele imaginou que Miranda ia aceitar a oferta de braços abertos. No entanto, enganara-se. Por mais que ela gostasse de David, por mais que reconhecesse que era atraente, por mais que soubesse que as outras moças do escritório invejavam sua posição como secretária particular dele, não tinha ilusões a respeito de seus próprios sentimentos.

Pensar em casamento fez seus pensamentos voltarem à conversa com Rafael Cueras a caminho do aeroporto de Puebla. Ele parecia tão decidido quando disse que não pensava em casamento... Perguntou-se por quê. Alguma mulher o teria recusado no passado, ou ele era simplesmente um inimigo das mulheres? A primeira alternativa parecia improvável, a última também. Rafael era tão arrogantemente masculino que era impossível não gostar do sexo oposto. No entanto, pareceu tão indiferente a ela! Mexeu-se desconfortavelmente, recordando-se como a tratara friamente.

Virou-se, deitando-se sobre o estômago, sentindo a carícia dos lençóis de seda na pele nua. O pijama de algodão era um traje impróprio diante de tanto luxo; além disso, depois de se agitar tanto, sentia calor, tinha a pele pegajosa.

De algum modo pegou no sono, porque abriu os olhos ao ouvir alguém abrindo as cortinas do quarto e as venezianas. Piscou, virando-se de costas, e puxou o lençol, a única proteção que tinha. Uma jovem nativa estava perto da janela e sorriu ao ver que Miranda estava acordada.

— Buenos dias, señorita — cumprimentou-a, alegremente. — Esta con hambre?

Miranda se ergueu, apoiando-se nos cotovelos e segurando o lençol sobre os seios.

— No comprende! — Seriam as palavras certas?, pensou. — Fala inglês?

A moça franziu a testa.

— Inglês, señorita? No.

— Não faz mal — Miranda suspirou.

— Que? — A moça encarou-a ansiosamente, pensando que havia algo errado, e Miranda sacudiu a cabeça novamente, sorrindo.

— Nada importante — disse, esperando que o tom transmitisse o que queria dizer. Depois sentiu um delicioso aroma de café. Olhou em volta surpresa e viu uma bandeja sobre a mesa de cabeceira. Olhando com mais atenção, viu uma jarra de suco de laranja, croissants, um prato com bolinhas de manteiga, um vidro de geléia de damasco e um bule com a bebida aromática que lhe atraíra a atenção a princípio. — Humm, que maravilha! — exclamou, entusiasmada. Olhou para a moça. — Obrigada... gracias!

— De nada, señorita. — A moça sorriu novamente. — Esta bien, si?

— Si, bien — concordou Miranda, enrolando o lençol como um sarongue e aproximando-se da mesa. — Gracias!

— Gracias, señorita!

A moça relutava em sair e parecia fascinada pela massa brilhante de cabelos vermelho-dourados que caía como uma cortina sobre os ombros nus de Miranda. Murmurou algo em sua própria língua, puxando com impaciência uma mecha de cabelo preto e esfregando a textura acobreada da pele. Depois, finalmente, andou até a porta. Miranda suspirou aliviada quando a porta se fechou atrás dela. Não estava acostumada a ser examinada com tanta intensidade.

Enquanto tomava um pouco do suco de laranja gelado olhou para o relógio. Surpreendeu-se ao descobrir que já passava das nove.

A refeição estava tão deliciosa quanto imaginara. Os croissants quentes derretiam-se na boca e a geléia tinha pedaços inteiros de damasco para provar sua autenticidade. Tomou diversas xícaras do café preto e forte, depois saiu da cama.

Estava para abrir as portas do terraço quando se lembrou de que estava pouco vestida e um sorriso malicioso apareceu em seus lábios. Dona Isabella não aprovaria que sua hóspede atraísse os olhares curiosos dos criados — para não mencionar o filho...

Virou-se e entrou no banheiro. Um chuveiro esguichou um jato d'água quente e irregular sobre seu corpo e, depois de enxugar-se, começou a remexer na mala. Recusou a ajuda de Jezebel na noite anterior, e agora estava arrependida. Precisava trocar de roupa e logo espalhou o conteúdo da mala no chão. Estava abotoando o cós de uma calça cor de creme quando alguém bateu à porta. Virou-se surpresa.

— Entre!- — gritou, esperançosa.

Era a velha empregada, que entrou com o olhar perspicaz no conteúdo amarrotado da mala e no estado da cama.

— Buenos dias, señorita — disse, educadamente. — Inez disse que queria alguma coisa.

— Ah, a moça que trouxe a bandeja? Não, realmente não. Só perguntei se falava inglês e ela não fala.

— Não, señorita.

— Seu inglês é muito bom. — Miranda tentou achar algo para dizer. — E... e o café da manhã estava... do outro mundo!

— Do outro mundo, señorita? — repetiu Jezebel, franzindo a testa. — O que é isso?

— Sinto muito. Quer dizer... celestial! Maravilhoso! — Olhou em volta e mudou de assunto. — Como vê, fiz uma bagunça. Don Juan está... está a minha espera?

— Esperando-a, señorita?

Miranda não conseguiu entender se Jezebel realmente não havia entendido ou se estava sendo deliberadamente desentendida. Suspeitou da última alternativa.

— Sim — explicou. — Para me levar a ver minha... a criança!

— Oh, não, señorita. Don Juan está tomando café no pátio, por corriente.

— Sei. — Miranda levantou do chão uma blusa amarrotada e começou a dobrá-la. — Obrigada.

Jezebel pôs as mãos nos quadris e apontou para a confusão.

— Quer que Jezebel guarde as coisas?

— Ora, não, eu posso arrumar.

— Não é problema algum, señorita. Posso arrumar.

Miranda hesitou.

— É muita gentileza sua, Jezebel, mas...

— É o meu trabalho, señorita.

Miranda decidiu não discutir. Além disso, agora que estava vestida tinha pressa de ver Lucy. Era uma perspectiva atraente, depois de todo esse tempo. Imaginou o rosto da menininha quando visse a tia. Imaginou o alívio que veria em sua face. Como podiam esperar que ela se lembrasse quem era quando estava cercada por estranhos... bem-intencionados, mas estranhos. Quando visse a tia, quando a reconhecesse, seria diferente.

Deixando Jezebel recolher a bandeja, saiu do quarto e caminhou pelo frio corredor de ladrilhos que levava à galeria no alto da escada.

Enquanto descia, ouviu passos leves atrás de si e, voltando-se, encontrou-se face a face com uma jovem que tinha aproximadamente sua idade. Miúda, morena e atraente, possuía as inconfundíveis feições dos Cueras, e Miranda pensou que devia ser outra pessoa da família.

— Bom dia. Sou Miranda Lord. Deve ser parente de don Juan. Podia indicar-me o caminho do pátio?

— Sou Carla Cueras — retrucou a jovem, com arrogância. — Juan é meu irmão. E, naturalmente, sei quem é você.

As últimas palavras foram pronunciadas com desdém evidente e Miranda reprimiu o deseja de fazer um comentário tão insolente quanto o que ouvira. Disse apenas:

— Disseram-me que seu irmão está tomando café no pátio. Gostaria de falar com ele.

Carla ergueu as sobrancelhas escuras. O fato de ser bem mais baixa do que Miranda não ajudava em nada seu humor; bateu com impaciência o chicote nas botas.

— Por ali — disse desajeitadamente, indicando um arco à direita.

— Obrigada. — Miranda caminhou através de uma sala de recepção mobiliada de maneira requintada. Então essa era a irmã dos dois homens que conhecera no dia anterior! Será que havia outros irmãos ou irmãs? Seriam tão pouco amigáveis assim? Até agora, o único rosto amigável que encontrara desde a chegada ao México fora o de Juan.

O pátio era ladrilhado de branco e arrumado com móveis de jardim coloridos. Jarros de gerânios e trepadeiras derramavam seu conteúdo sobre as paredes baixas de ferro e do outro lado de uma grade, um jardim de rosas expandia seu perfume inimitável. Além dos jardins da hacienda, as ladeiras verdejantes do vale davam lugar a rochas e afloramentos íngremes onde só o falcão e a águia faziam seus ninho.

Juan Cueras estava sentado a uma mesa com tampo de vidro, fumando um charuto e tomando o mesmo café aromático que a própria Miranda tomara mais cedo. No entanto, ao som de seus passos, olhou para trás e imediatamente pôs-se de pé.

— Srta. Lord! — exclamou, com prazer aparente. — Estava exatamente pensando em você. — Indicou-lhe a cadeira. — Por favor, sente-se. Gostaria de um pouco de café?

Miranda aceitou a cadeira mas recusou o café.

— Não, obrigada, señor... quero dizer, don Juan. Eu, na verdade, vim para encontrá-lo... para saber como posso ir à missão.

— Mas, por cierto, eu a levarei, señorita.

— É mesmo? — Os olhos de Miranda brilharam enquanto ele se sentava a sua frente. — É longe?

— Longe? Não, señorita. Do outro lado do vale, só.

— Oh, que bom! — Miranda acalmou-se.

— Dormiu bem, señorita?

— Muito bem, obrigada. — Desculpou-se pelo exagero. — É um lugar bonito, não é?

— Gracias, señorita. — Inclinou a cabeça. — Esta hacienda... esta propriedade está com minha família há... muchos generacions.

— Muitas gerações?

— Si, muitas gerações. — Ele sorriu. — Meu inglês não é muito bom.

— É melhor do que meu espanhol.

Juan gargalhou.

— Rafael, meu irmão, fala bem inglês, não?

Miranda fez que sim, mas não falou nada. Não queria pensar mais em Rafael Cueras. Fora o responsável por sua agitação a noite anterior e esta manhã, deliberadamente, apagara de sua mente a imagem dele. Mas agora, com uma palavra, Juan o trazia de volta com toda sua força perturbadora.

— Diga-me — Juan começara a falar novamente e ela desejava muito mudar seus pensamentos —, gostaria de... aprender hablar español, si?

Miranda franziu a testa.

— Aprender hablar español? — repetiu ainda em dúvida e acalmou-se quando ele bateu palmas.

— Bravo! Como vê, não é difícil. Rafael a ajudará. Se tiver tempo, naturalmente.

— Oh! Mas, realmente, isso não é necessário! Quero dizer, não poderia abusar do tempo de seu irmão...

— Quia! Meu irmão passa tempo demais longe da hacienda, señorita. Falarei com ele.

— Oh, não, por favor...

Mas Juan não a estava escutando. Fitava, absorto o pátio e suas feições suaves e gentis estavam preocupadas. Depois disse:

— Esta deseosa estar con la niña, señorita?

Se ele pensou que o sucesso anterior a capacitava a entender tudo o que dizia, estava bastante enganado e Miranda olhou-o desamparada, enquanto uma voz feminina dizia:

— Meu irmão está perguntando se está ansiosa por ver a criança, señorita.

Miranda olhou para cima, surpresa, e viu a jovem com quem falara tão rapidamente no saguão, encostada a um pilar de madeira. Não estava mais usando roupas de montar; em vez disso, trajava uma túnica em tons de azul e verde que lhe caía igualmente bem como a blusa verde-limão. Falara com menos agressividade, porém, e Miranda pensou que emanava simpatia dos olhos brilhantes e escuros. Que transformação!

— Obrigada — disse, sorrindo de gratidão, e Juan retomou seus pensamentos e levantou-se desajeitadamente.

— Lo siento, señorita, estou distraído. Minha irmã é nossa intérprete, si? — Voltou-se para a outra jovem. — Constância, já conhece nossa hóspede?

Constância? Miranda estava confusa. A moça disse que seu nome era Carla!

Mas agora ela estava falando.

— Não, Juan. Não conheci a señorita ontem à noite. Como esta usted, srta. Lord?

Miranda apertou a mão que lhe era estendida, mas seus olhos denotavam espanto.

— Eu pensei... isto é, não nos encontramos agora há pouco? No saguão?

A moça franziu a testa, sacudindo a cabeça. Depois sua expressão iluminou-se.

— Oh, não, señorita. Aquela era minha irmã, Carla. Devia estar voltando de seu passeio a cavalo.

Miranda fez um gesto de desculpas.

— São tão parecidas!

Constância sorriu. Quando o fazia, lembrava a Miranda o homem que a trouxera a Guadalima e a constatação de que sua imagem permanecia em sua mente irritou-a.

— Somos gêmeas, señorita — disse Constância. — Sou mais velha só quinze minutos.

— Ah! — Miranda sacudiu a cabeça. Devia ter adivinhado. Esta moça era mais gentil, de personalidade mais suave e, nesse aspecto, não se parecia com o atraente irmão. Pelo contrário, a atitude de Carla fazia lembrar claramente Rafael.

— Vamos à missão, Constância — disse Juan. — Por que não vem conosco? Sua presença poderia ser... útil, si?

Constância hesitou.

— Se a srta. Lord não fizer objeções...

Miranda fez um gesto de protesto com a mão.

— Por favor, venha! Lucy, isto é, a criança a conhece. Talvez não me reconheça.

— Está bem. Cinco minutos!

Foram até a missão num conversível azul. O próprio Juan estava ao volante, embora confessasse que preferia não guiar. Miranda sentou-se no banco de trás com Constância.

Durante a viagem, Miranda prestou atenção aos sons e paisagens à sua volta. Constância mostrou-lhe a capela coberta de flores com o campanário em forma de cone, as estacas de madeira de uma ponte estreita que cruzava as águas do rio Lima.

Hoje o rio estava calmo, dizia ela, mas quando enchia, as pontes eram carregadas e, algumas vezes, o próprio vale era inundado. Nessas ocasiões, as pessoas buscavam refúgio nas rampas mais baixas, abrigando-se na capela, improvisando moradias nos celeiros.

De vez em quando, passavam por um grupo de moradias de tijolos onde moravam os trabalhadores da propriedade, e onde se via um armazém, uma garagem, o consultório de um cirurgião. Miranda pensou ter visto o carro de Rafael estacionado diante de uma das casas, mas não teve certeza.

Havia pouco planejamento, apenas um desordenado amontoado de habitações sem água corrente nem eletricidade, e instalações sanitárias precárias. Esta última descoberta surpreendeu-a um pouco, mas evitou fazer qualquer comentário que pudesse prejudicar a amizade com Juan.

Assim mesmo, ficou satisfeita quando as casas ficaram para trás e começaram a subir a trilha que levava a um pequeno mosteiro pintado de branco, inconfundível contra a vegetação da colina.

Constância apontou para a construção.

— Lá! Pode ver onde está a niña. É o Mosteiro de São Miguel. Padre Esteban e padre Domênico... eles fazem muito pelas pessoas de nosso vale.

— Só dois padres? — Miranda estava surpresa.

— Embora seja chamado Mosteiro de São Miguel, a maioria dos padres que costumava viver aqui morreu há muitos anos. O padre Esteban é o último sobrevivente da ordem original. O tempo passa. As pessoas ficam velhas e morrem. Não há mais tantas pessoas no vale como outrora. A propriedade tornou-se mecanizada...

— ... e Rafael manda os jovens para a cidade! — declarou Juan, com veemência inusitada.

— Ele apenas lhes fala a respeito das melhores condições de vida na cidade — concordou Constância com a cabeça. — E o dinheiro que podem ganhar nas fábricas é muito mais atraente do que o que você paga, Juan.

— Disparate. O vale é lar deles, Constância.

— Eles não compartilham de sua obsessão pela terra, Juan. Não os condene por procurarem melhorar de vida.

— Não os condeno, Constância. É Rafael quem os torna... descontentes.

Constância sorriu para Miranda.

— Como pode ver, meus irmãos têm pontos de vista diferentes a respeito de nosso povo. Há pontos positivos em ambos os lados. Juan sustenta que não se sente falta do que não se tem. Mas Rafael — ela sacudiu a cabeça — pensa como um médico, e só vê a doença e a privação. As realizações de nossos ancestrais ao tentarem arrancar este vale da selva, e criar um oásis de civilização e cultura, não despertam orgulho nenhum em seu peito. Ele as vê como uma exploração aos nativos.

Juan resfolegou, irritado.

— Rafael é um filistino! — vociferou, mas Constância sacudiu a cabeça.

— Ele é um idealista, Juan.

— E você sabe o que quer dizer isso?

— Si. Significa que o homem é mais importante do que suas posses. Rafael não admite o conceito primário de materialismo que é o código pelo qual nos guiamos, verdade?

Juan fez algum comentário pouco gentil em sua própria língua, depois disse:

— E você é uma adepta dele, pequena?

Constância encolheu os ombros, passando as unhas bem-feitas pelo aro lustroso do carro.

— Não disse que concordava com ele. Temo ser preguiçosa demais, gostar demais das coisas materiais, para um dia poder compartilhar de suas crenças. Mas eu o admiro, apesar de tudo.

Miranda ouviu a discussão em silêncio, mas registrou cada uma das palavras. O que Constância quisera dizer quando disse que Rafael pensava como um médico? Era médico? Por isso não tinha parte na propriedade?

Miranda gostaria de perguntar, mas, na realidade, isso não lhe dizia respeito. Além do mais, estavam se aproximando do mosteiro e a perspectiva de ver Lucy varreu qualquer outro pensamento de sua cabeça. Agora que estavam tão perto, estava ansiosa por alcançar seu destino e recusou-se a admitir uma certa sensação de mal-estar diante da inevitável possibilidade de que a criança não fosse a filha de Susan.

O lugar todo tinha um ar melancólico que sensibilizou Miranda. Logo, um homem e uma criança saíram do interior escuro do prédio e todas as outras considerações foram esquecidas.

O homem estava solenemente coberto por amplas roupas negras, mas acima da batina seu rosto simples irradiava alegria. Um tufo de cabelos brancos e finos, compridos demais, voava ao vento e ele constantemente tentava alisá-lo sobre a careca. No entanto, os olhos de Miranda foram atraídos pela criança.

Pequena e magra, usando um simples vestido de algodão que Miranda não se lembrava de ter visto antes, os cachos loiros emoldurando um rosto incrivelmente atraente. Não havia dúvida para Miranda de que era Lucy. Embora já não a visse há dezoito meses, eram inconfundíveis o nariz arrebitado, a boca torcida de modo petulante, parecida com a da mãe, os movimentos rápidos e nervosos.

No entanto, se Miranda reconheceu Lucy, a garota não reconheceu Miranda. Após uma olhada superficial para as duas moças, arremessou-se para Juan, com os braços abertos, sendo recebida pelos dele.

— Tio Juan, tio Juan! — gritava excitada, apertando-o. — Padre Esteban me disse que viria. Vai ficar? Vai me levar até a hacienda? Vai me levar com você, não vai, tio Juan?

— Quietud, poca! — ordenou ele, rindo, e Miranda achou que era maldade supor que don Juan estava apreciando muito essa exibição de poder sobre a criança.

— Mas você prometeu! — protestou Lucy, fazendo um muxoxo de zanga. — Você disse...

— Uno momento, chica! Trouxe! Trouxe alguém para ver você.

— Tia Constância, eu sei.

— Não, chica, não é só a tia Constância. Veja, lá! Sabe quem é?

Indicou Miranda à criança e ela se enrijeceu, quase sem querer.

Seus olhos, por um momento, ficaram dolorosamente atentos. Até que ela perguntou:

— Não. Não sei. Por que, deveria?

Don Juan colocou-a devagar no chão.

— Talvez — respondeu, em tom reservado.

— Claro que deveria, Lucy! — Miranda chamou-a de propósito pelo nome. — Não lembra de mim? — Abaixou-se, tentando atrair a menina para si. Mas Lucy não fez nenhuma menção de deixar a segurança ao lado de Juan. E, pior do que isso, em seus olhos não havia o menor sinal de reconhecimento.

— Por que me chama assim? — perguntou, desdenhosamente. — Lucy? Esse não é meu nome! Ninguém sabe meu nome.

— Eu sei, Lucy — insistiu Miranda calmamente, continuando a estender-lhe a mão, embora já não pudesse negar a frieza que sentia nela. — É Lucy, Lucy Carmichael.

— Não! — Lucy voltou os olhos arregalados para seu benfeitor. — Não, não, não sou!

— Acho que não deve assustá-la, srta. Lord — disse Juan, segurando possessivamente os ombros de Lucy. — Talvez esse não seja o melhor meio...

Parou, subitamente, quando outro homem entrou inesperadamente no pátio. Alto e magro, com calça de algodão suja de lama e jaqueta, sem camisa sobre o peito musculoso, Rafael Cueras uniu-se ao pequeno grupo. Depois, virou-se para o irmão e seus olhos estavam duros quando disse:

— Qual é o problema, Juan? Tem medo de que a criança se lembre?

 



  

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